segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 05: Meu prêmio

(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=motorcycle&biw=1366&bih=643&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj2hfyuy53LAhVJvZAKHfy-CJ4Q_AUIBigB#imgrc=bRV3m41RkhEEzM%3A)


(Leia o capítulo 04 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-04-segunda-chance.html)

Não demorou mais que dois minutos para que Eric terminasse de se vestir, e às pressas, ao mesmo tempo se desculpando, deixasse minha casa para ir de encontro a sua família.

- Marina, eu sei que eu acabei de... - enquanto abotoava a camisa, me olhava com um sorriso amarelo. - Eu sei que acabei de prometer a você, mas, eu espero que você me entenda. Meu sogro acabou de voltar e... E... - ele não sabia como dizer aquelas palavras.

- E Nicolle precisa de você. E você não vai abandona-la neste momento complicado. - abaixei a cabeça para parecer decepcionada, mas a verdade é que eu precisava encontrar alguma maneira para esconder o riso. Aquela história estava ficando boa demais.

- Me perdoe, minha linda. Assim que as coisas acalmarem eu vou arrumar um jeito, e nós vamos ficar juntos! - Eric segurou e apertou minhas duas mãos com força. - E enquanto isso...

- E enquanto isso, Eric, você e eu vamos fingir que nada disso aconteceu, e eu espero que você saiba assumir e respeitar a família que tem. E não só a sua família, mas também a minha pessoa. Eu também sou um ser humano que passa por muitos momentos difíceis e preciso de respeito. Espero que você nunca mais apareça em minha casa, e muito menos da maneira como o fez. - era um imensurável prazer descarregar aquelas palavras e ver Eric boquiaberto. A personagem que eu apresentava ser jamais se colocaria em uma posição de amante. Repito-lhes, a personagem! Porque a verdadeira Marina estava disposta a tudo para ver Nicolle sofrer um pouco mais. Quanto mais, melhor...

E, quando enfim, terminei meu banho e enxugava meus cabelos, para que pudesse dormir, já que o dia seguinte seria um longo dia de trabalho, meu celular tocou, e era Marco, marcando um encontro para nós dois no final de semana. Aceitei, sem mais delongas, e tive, como todas os dias, um boa e longa noite de sono, sem sonhos.

Acordei com o braço de meu pai em minha cintura, e sua outra mão tirando meu cabelo de cima de meus ombros, para que ele pudesse dar suaves beijos em minha nuca.

- Senti tantas saudades, minha linda... 

Eu sei, meus caros. Eu também detesto o termo "minha linda", porém, os homens de minha vida pareciam não entender isso, e insistir em usar o dito cujo sempre.

E sim, meus caros, eu e meu pai éramos amantes fieis. Afinal de contas, quem era o responsável por eu ter me tornado o que era? Quem sempre fechara os olhos diante dos primeiros sinais de minha doença, e permanecera assim, inclusive quando minha mãe se matara?

Sim, porque ele sabia exatamente que quem influenciara minha mãe ao suicídio era sua pequena filha. Ele assistira a tudo, calado, e porque não, com um olhar de aprovação.

Papai era tão doente quanto eu. O que nos diferenciava era que sua doença o prendia ao sexo com sua filha. A psicopatia, pelo contrário, não me acorrentava a nada. Apenas me fazia sentir dona de mim. E do mundo.

E enquanto isso, eu fingia amar aquele louco, enquanto ele fazia tudo por mim. Enquanto ele me protegia, me servia, me dava sua benção para cada uma de minhas ideias. Ele era o único que me conhecia de verdade, e era a ele que devia toda a minha existência. Então, por que não satisfazê-lo quando assim o desejasse? Era ou não era uma excelente filha?

No mais, tive uma semana tranquila, em que tive a oportunidade de, alegremente, cumprir com as minhas atividades e seguir a minha tão amada rotina. Até que, por fim, o final de semana chegara, e eu, pontualmente às 10 da manhã, estava pronta, esperando para que Marco me buscasse. 

Exatamente há três minutos de espera, Marco chegou, e acreditem se quiserem, ele estava dirigindo um moto!

- Por esta eu não esperava, Marco! Que felicidade em vê-lo assim! - segurava as duas mãos juntas escondendo a boca, surpresa pela cena que vira.

- Eu quero saber é se a Dra. terá coragem de subir na garupa para fazer este passeio comigo! - Marco, gentilmente, estendeu-me a mão.

- Digamos, Marco, que eu não sou uma pessoa que tenha muitos medos. Coragem é uma coisa que nunca faltou em mim.

Não sabia para onde íamos, e nem a que hora voltaríamos. Mas aquilo não me importava. Aquele seria um encontro crucial para que eu pudesse analisa-lo, e decidir se ele seria mesmo o companheiro que assumiria perante os demais mortais.

Acontece que as coisas não saíram conforme o meu planejamento. Para a verdade, do momento em que subi na garupa e começamos o nosso passeio, perdi completamente o controle da situação.

E quando falo assim, não é que coisas ruins aconteceram, ou que em algum momento eu me senti desconfortável. Muito pelo contrário, foi uma das poucas vezes em toda minha vida que me diverti de verdade. Em que não precisei fingir o riso, e foi a primeira vez que durante um fim de tarde, eu adormeci ao som da natureza.

Parece aquelas famosas cenas de filmes românticos, onde o encontro é aquela cena maravilhosa de uma tarde perfeita, onde ambos se apaixonam e dali decidem viver juntos e felizes para sempre.

O meu foi um pouco parecido com isso, com algumas exceções, é claro. Tomamos um belo porre em um pub irlandês, que eu não fazia ideia que existia na cidade, e custava a andar quando saímos dali.

É claro que antes disso o álcool fez seu efeito sobre mim, e eu dancei com Marco, beijei-o várias vezes, e, inclusive, pedi a ele para que eu pudesse passar minha língua sobre sua prótese.

Eu sei, isto parece loucura. Todavia Marco parecia não se importar. Ele estava tão alegre quanto eu e se deixou levar pelo momento. E digo mais, Marco, assim como eu, parecia estudar-me, como se também estivesse à procura de alguém para ter consigo. Uma aliada.

Uma parte de mim poderia até achar que ele era alguém como eu, mas seus olhos não me enganavam. Eu reconheceria um irmão de alma a quilômetros de distância, pois nosso olhar era sempre fixo, intenso, e, contudo, vazio.

Marco não era assim. Marco tinha vida, brilho, e tudo que representasse coisas boas em seu olhar. Era perceptível que aquele era um homem muito além de nosso tempo. 

Ele não se importava com a sua amputação, tanto que adaptara uma moto para que continuasse fazendo seus passeios, viagens. Marco tinha uma força de vontade inacreditável.

E mais do que isso, ele me ouvira. Vocês devem saber o quanto é difícil hoje encontrarmos alguém, mesmo que seja em amizades, que nos escute de verdade. Que queira nos ouvir. Que queira saber de nós.

E no meu caso, não era pela carência humana, necessidade de afeto e companhia. A minha ânsia de ser ouvida é para que ele me conhecesse, para que ele se assustasse. E me temesse. E de repente, estivesse tão ligado a mim que não conseguisse se livrar da vontade de parar a pensar ao meu respeito.

E quanto mais eu tentava, mais eu parecia me perder em meus planos. Marco apenas me apreciava, sem me enviar maiores detalhes a respeito de seu pensamento. Entretanto, me deixava livre. Para falar, para dançar, para sorrir. 

Pensei por um momento que aquilo deveria ser mais ou menos o que as pessoas sentem quando estão apaixonadas. Eu precisava transar com ele para ter certeza daquilo.

Mas antes disso, enquanto estávamos sentados no parque, esperando que nossa embriaguez passasse para irmos embora, eu adormeci em seu colo, e nem faço ideia por quanto tempo foi.

Quando acordei, estava um pouco zonza e me sentia mal, o que não impediu que eu dissesse:

- Quero dormir em sua casa hoje. - disse-lhe, enquanto tocava o indicador em seu rosto.

- Acho melhor não, Dra. 

- E por que não, Marco? 

- Porque não gostaria de que você tivesse a impressão de que eu a embebedei, e depois a trouxe para minha casa. Você amputou a minha perna quando estava sóbria, imagina o que poderia acontecer se eu a desagradasse com você bêbada? - Marco sorria maliciosamente. Era como se ele, de alguma forma, soubesse quem eu era, e o prazer que sentira ao cortar-lhe o membro.

E no final das contas, Marco acabou dormindo em minha casa, e quando acordei no domingo, tive certeza que o que tínhamos ali era algo que ia além de um porre de adultos. Estava começando a me preocupar.

Pedi que Fiel 02 fizesse um café-da-manhã simples, e antes das oito da manhã, me despedi de Marco com um beijo, e ele ficou de ligar para nos encontrarmos novamente.

Tentei estudar na parte da manhã, sem êxito, já que não parava de pensar no meu dia anterior. E, obviamente, em Marco. Que diabos estava acontecendo comigo?

Preocupada com a minha falta de disciplina, logo corri  e peguei meu portfólio de pessoas. Tinha certeza que se matasse alguém, eu voltaria automaticamente ao meu normal.

O fato era que até para escolher uma pessoa eu estava sentindo dificuldades.

O Universo, então, pareceu entender a minha angústia, e a campainha tocou. Era a Sra. Camille de Ray, mãe de Nicolle e espoca de meu querido amigo Phillip. Ela precisava falar comigo em particular, e com urgência.

Guardei meu portfólio e pedi para que ela entrasse na biblioteca que ficava no andar térreo de minha casa.

- Marina, eu sei que você guarda muitas mágoas de minha família por conta do que Nicolle fez, mas você é uma das melhores médicas do país, e eu não sei o que fazer , e nem a quem recorrer. Peço para que você coloque de lado as nossas diferenças, e ajude o meu marido.

- Mas o que está acontecendo, Sra. Camille? - perguntei, enquanto posicionava meus óculos de leitura no rosto.

- Eu nem sei como começo a lhe explicar... Ele, você sabe, ele apareceu do nada, como se nunca tivesse desaparecido. 

- Sim.

- Ele sabe que foi sequestrado, que esteve fora por um bom tempo, e inclusive, não sei se lhe contaram, ele apareceu COMPLETAMENTE NU na porta de minha casa. 

- Sim, eu fiquei sabendo. E lamento muito. - havia me esquecido deste pequeno detalhe quando o libertei. Não exigi que ele vestisse nada.

- Até aí tudo bem. Acontece que ele não se lembra de nada! De nada mesmo! Aonde ele ficou, quem o sequestrou, como era o lugar... nada! Nenhuma pista, nenhum indício, estamos de mãos atadas! Mas como eu lhe disse, até aí tudo bem. Ele pareceu voltar normal, e ter meu marido em casa, com vida, era tudo que eu mais desejava. Os médicos me disseram que esta amnésia era normal, e eu entendi, lógico. - Sra. Camille não conseguia olhar em meus olhos para dizer o que estava prestes a falar. - Mas aí, no terceiro dia em que ele voltou, ele quis ter intimidades comigo, o que me encheu de alegria! Só que ele queria umas coisas tão, tão... - Sra. Camille caiu em prantos.

- O que foi que aconteceu entre vocês dois, Camille?

- Nada, Marina, nada! Eu prometo! Mas ele queria que eu o acorrentasse pelo pescoço, como se ele fosse um tigre, ou um cachorro bravo. E ele não me chamava pelo nome em hora nenhuma. Estava achando aquilo tão estranho... E aí... - Sra. Camille estava custando a conversar.

- Respire fundo, Sra, Camille. Não se preocupe. Eu estou aqui para ajudar você. - segurei sua mão com carinho, e fixei meu olhar em seu rosto até que ela também me olhasse nos olhos.

- Marina, eu tenho acordado toda noite, de madrugada, e ele nunca está na cama. Da primeira vez, custei a achá-lo. Mas agora, nem penso duas vezes: desço até o porão de minha casa, e lá, está ele, nu, de quatro, olhando fixamente para o chão. E quando eu o perguntou o que ele está fazendo ali...

Eu já sabia o que ela iria responder, mas precisava ouvir com suas próprias palavras.

-... ele apenas me responde que está obedecendo as ordens da pessoa mais importante da vida dele: A MORTÍFERA.

É, meus caros, esta fora a primeira vez em que eu ouvira meu apelido sendo dito. Foi mágico.

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