quarta-feira, 23 de abril de 2014

PAUL E MARRIE - ÚLTIMO CAPÍTULO: PORQUE ESCREVI ESTA HISTÓRIA

Não era apenas a vida de Marrie que estava em minhas mãos. Eu sabia que ali, em meio a todo aqueles fios de cabelos esparramados pelo chão, também estava minha vida. Os meus anos passados, os meus anos que estariam por vir, todo e cada segundo vivido e por viver dependeriam daquela cirurgia. Porque a pessoa que estava deitada, desmaiada naquela cama, era a única parte boa que ainda existia em mim. E eu não permitiria que ela fosse embora. Era egoísta demais para deixar Marrie partir.

Nunca tive crença alguma além da Medicina, sempre frequentei às missas aos domingos para cumprir minha obrigação perante a sociedade, e desde que chegara àquele novo lugar, onde não precisava mais ser o “Doutor-Anjo”, nunca mais fingira fazer uma oração.

Mas depois de conhecer Marrie, em uma coisa eu acreditava com todas as minhas forças: que a vida nos dava segundas chances. E esta é uma história de segundas chances, meu caro leitor.

Eu não tremi quando comecei a operar Marrie. Se em algum dia eu fora realmente o melhor médico do país, se eu já salvara milhares de vidas, naquele momento eu precisava provar para mim mesmo que eu não carregara tal título por tantos anos em vão.

E mantive minhas mãos firmes naquele momento porque sabia que Marrie contava comigo. E já se passara mais de 10 anos desde a última decepção que eu lhe dera. Não seria aquele o dia em que voltaria a ser o Paul covarde de antes.

Também já se passara mais de 10 anos desde a última vez em que eu pegara em um bisturi e pinça para operar alguém. Sentia um calafrio tremendo, e minha perna direita não latejava intensa e intermitentemente enquanto eu retirava a bala de Marrie. Sentia que minha pressão ia lentamente abaixando, e sabia que a qualquer momento poderia desmaiar. Contudo, mantive-me firme.

Não sei quanto tempo demorou, mas enfim a ambulância chegou, e continuei operando Marrie enquanto ela era transportada até a cidade mais próxima com hospital. Meu desejo era pagar um helicóptero para que minha pequena não perdesse mais um segundo sequer, e para que aquele sangue todo parasse de ir embora.

Todavia, não era mais o Paul de antes. O dinheiro que tínhamos, usamos para investir em nossas vidas: compramos a nossa casa, reformamo-la, montamos a cafeteria, e o resto doamos, viajamos, sabe-se lá o que fizemos com o dinheiro que trouxemos. Só sabia que, naquela hora, a única coisa que tinha a oferecer para Marrie eram as minhas mãos de cirurgião.

Eu não sabia se ela ainda estava viva, e não olhava para nenhum aparelho para conferir seus sinais vitais, apenas continuei a opera-la, até que costurei, com exímia perfeição, o último ponto. E enfim desmaiei.

Acordei algumas horas depois, já deitado em uma cama hospitalar, e me deparei com minha perna direita enfaixada. Durante minha briga com David, eu fora baleado na perna, e provavelmente era o escoamento de sangue que me fizera perder os sentidos. E mesmo com uma dor insuportável, que enfim aparecera, corri para saber notícias de Marrie.

Ao tentar descer da cama bruscamente, escorreguei e senti minha perna doer ainda mais, mas me levantei rapidamente e comecei a correr, de forma manca, em busca de minha mulher.

Entretanto, quando avistei o balcão de informações, fui desacelerando minha velocidade, até que caí de joelhos no chão. Aos prantos. Não fui capaz de correr até o balcão de informações porque não tinha coragem de ouvir o que havia acontecido com Marrie. Se estava bem, se não resistira, era simplesmente impossível para eu ouvir qual seria o destino de minha vida.

- Você é um filho de uma puta, mas é um durão, cara! Deixa eu te ajudar a levantar. Você vai precisar de uma cadeira de rodas, pelo menos por um mês, e depois fisioterapia. Não pode fazer o que fez, Paul.

Para mim foi difícil reconhecer a voz, mas assim que olhei para cima, vislumbrei o rosto de um antigo colega meu de faculdade, que sempre tirava notas inferiores a minha, e usava de minha homossexualidade escondida para fazer gozações a meu respeito e continuar sendo o mais popular da sala.

- Frederic, a minha... – não tinha forças para falar, as lágrimas jorravam de meus olhos e meu coração parecia ter paradas, de tanto que batia doído.

- Como eu dizia, Paul, - Frederic já havia me colocado em uma cadeira de rodas, e a estava empurrando. – você é um filho de uma puta mesmo! Só você para conseguir salvar a vida daquela mulher. Os anos se passaram, você perdeu essa porra de licença para atuar na medicina, e continua sendo o melhor cirurgião do mundo. Você deve ser anjo mesmo.

- Fr-frederic... – as lágrimas ainda não paravam de descer.

- Ali está ela, Paul, não sei como você conseguiu fazer isso naquela espelunca, mas você o fez. Ela precisa ficar em coma induzido por algum tempo, você sabe. Mas sua mulher vai se recuperar.

Dr. Frederic abriu a porta, e entramos no quarto de Marrie. Estava toda entubada, mais pálida que o costume, sem um fio de cabelo ruivo na cabeça, e um sono profundo. Mas Marrie estava viva. E iria sobreviver.

Ao pegar em uma de suas mãos e sentir que estavam quentes, ou seja, ainda possuíam sinais vitais, deixei o seu quarto, e, mesmo não podendo, levantei-me da cadeira de rodas e fui devagar até a capela do hospital. E após uma vida inteira de mentiras, pela primeira vez, me ajoelhei de verdade, e orei.

Com as mãos voltadas para o alto, chorei e rezei até perder as forças. Conversei com Deus em voz alta, e o agradeci por ter ouvido o meu pedido. Por perdoar todas as minhas falhas ao longo dos anos, e, principalmente, por ter abençoado as minhas mãos. Chorei, orei, e depois voltei ao quarto de Marrie.

Obriguei que me acomodassem ali, ao lado de minha esposa, pois não podia perder um segundo sequer de seu sono profundo. Era arriscado demais. Era tudo o que eu não queria.

E um mês se passou. Minha perna ainda doía muito, mas já estava bem melhor. Eu provavelmente ficaria manco para o resto de minha vida, visto o esforço que fizera de ficar horas em pé, enquanto operava Marrie, mas aquilo pouco me importava. Eu doara um pedaço de mim para que minha melhor metade sobrevivesse.

Marrie já havia sido retirada do coma, bastava apenas que acordasse. Seu corpo, cérebro, tudo funcionava perfeitamente, precisávamos apenas esperar que Marrie abrisse os olhos e voltasse para a realidade.

Alguns psicólogos já haviam conversado comigo, me preparando para o retorno de Marrie, algo que não seria fácil. Provavelmente Marrie voltaria sem se lembrar de nada, ou, ainda, com visões distorcidas do passado, lembrando-se apenas de tragédias e passagens ruins que lhe acontecera. Eles acreditavam que era devido a uma vida de tantos traumas que Marrie ainda não tinha acordado. Era o seu inconsciente querendo dormir para não sofrer mais.

Todavia, todos sabiam que uma hora ou outra, Marrie iria acordar. Bastava esperar.

E eu esperei, meu caro leitor. Eu esperei e assisti cada segundo de seu sono profundo. Contei-lhe histórias, cantei para Marrie suas músicas preferidas, dei-lhe de banho e fazia curativo em suas escaras, tudo para que voltasse bem.

Os psicólogos continuavam a me alertar para que não criasse muita expectativa a respeito de seu retorno, pois ninguém saberia como Marrie voltaria. Todos insistiam em me dizer que Marrie voltaria sem se lembrar de nada, que eu deveria me preparar para o pior.

Mas não me preparei. Pelo contrário, tive uma ideia.

Pensei em escrever para Marrie uma história. Não uma história qualquer, cheia de personagens bonitos e com finais felizes, isso não. Pensei em lhe escrever uma história estranha, em que uma puta, de repente, apaixona-se por um veado, e os dois resolvem se tornar um casal.

Escrevi para Marrie uma história onde o homem mais covarde do mundo foi capaz ver sua mulher apanhar de um homem três vezes maior do que ela, e não fazer nada. Onde o presente de aniversário não é uma joia, mas um mero xampu de farmácia.

Escrevi para Marrie uma história cheia de problemas, conflitos internos, preconceitos e sangue, sem medo de colocar ali as partes ruins e tristes. Porque no meio de tanta esquisitice, havia amor ali. Havia muito amor ali. Porque aquela era a nossa história.

E sei, meu caro leitor, que não fui o melhor dos personagens principais, não fui um príncipe, ou o mocinho que salva a donzela na hora necessária. Fui um tremendo de um babaca. E não tive medo de lhe escrever como realmente fui, como fui aconteceu.

Pois como disse, esta é uma história de segundas chances. E se você, meu leitor, me deu esta segunda chance, Marrie há de dar também.

E seremos então, não como nos contos de fadas, “felizes para sempre”. Seremos apenas dois humanos iguais. Dois humanos com inúmeras cicatrizes pelo corpo, e com mil razões para continuar, porque decidimos ser um só.


-- FIM --

quarta-feira, 16 de abril de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 26: Sr. Brian e Sra. Margareth

(FOTO: https://www.flickr.com/photos/christophersoddsandsods/3010151747/sizes/z/in/photostream/)


Não sei como, mas Marrie e eu nos tornamos Sra. Margareth e Sr. Brian. Em pouco tempo reformamos a padaria abandonada com as nossas próprias mãos, e ali fizemos nascer a “Cafeteria de Sr. Brian”.

Passei os primeiros meses prometendo a Marrie que pararia de fumar, mas percebi que de nada adiantariam minhas vagas promessas àquela mulher. Ela não se importava com o meu hálito de nicotina, nem com a barba, que também deixara de fazer desde que chegamos àquele lugar.

E ao poucos, me dei conta que a vaidade que mantive durante os anos, nada valiam naquele vilarejo. Éramos para a pequena população dali apenas o Sr. Brian e a Sra. Margareth. Éramos apenas dois seres humanos tentando ser felizes juntos na visão daquela pequena população. E eles não se enganavam.

A princípio, temi que Marrie fosse vítima de preconceito pelos moradores, devido suas cicatrizes, porém, mais uma vez a vida me mostrou que de nada eu sabia sobre o ser humano.

Desde o primeiro dia, todos que entraram em nossa cafeteria pareciam estar muito mais preocupados com o cardápio que servíamos do que com aparência de nós, os donos. Ninguém queria saber de nosso passado, e nem de onde víamos. Os moradores de nosso novo lar só queriam saber de um café forte e panquecas salgadas. E isso Marrie sabia fazer muito bem.

Algumas crianças espantaram-se com a aparência de Marrie, e lhe perguntaram como uma moça tão bonita conseguira tantas cicatrizes. Marrie não se constrangera em momento algum, apenas sorrira com amor, e lhes respondeu que há muito tempo atrás, ela tivera de lutar com um enorme leão, e que ela conseguira vencer a batalha, mas que ficara com aquelas cicatrizes. Não demorou muito para que as crianças lhe chamasse de “Margareth-cabelos-de-leão”.

Se quer, meu caro leitor, era uma cidadezinha de merda, mas eu encontrei minha paz ali. Enfim eu podia ser o “Paul de Marrie”. Enfim eu me tornei o homem que minha mulher merecia.

Acabamos por escolher uma vida rotineira, cheia de calos nas mãos e farinha nos cabelos, entretanto, nada parecia melhor para mim do que largar a Capital e me tornar um padeiro de primeira. Porque ali, meu caro leitor, eu e Marrie éramos um só.

E não houve um aniversário de Marrie que ela não ganhasse um novo vidro daquele xampu que tanto nos marcara. E não só xampus, eu lhe dei as minhas joias de família, ensinei Marrie a dirigir, e todo ano fechávamos a nossa cafeteria para que pudéssemos viajar, e até nos demos o luxo de comprar uma máquina fotográfica, algo que naquele tempo era item exclusivo de jornais e editoras.

Passaram-se dez anos, dez anos de muito amor, de muitos momentos, e, de principalmente, muitos cabelos ruivos. Cabelos estes que eu todos os dias de madrugada fazia uma grande trança, para que minha pequena mulher pudesse acomodá-los dentro de uma touca. Tornamo-nos, em uma década, além de marido e mulher, uma perfeita equipe.

E por falar em marido e mulher, meu caro leitor, nós celebramos sim o nosso casamento. Depois de um mês que nos mudamos para aquele vilarejo, eu comecei a anteder pessoas gratuitamente. Ali ninguém parecia dar importância pelo fato de eu não ter diploma, muito menos autorização legal para trabalhar.

O hospital da cidade era minúsculo, com apenas cinco leitos, e os médicos que ali trabalhavam, vinham duas vezes por semana de outras cidades, apenas atendendo casos aparentemente urgentes, deixando a pequena população à mercê da sorte.

Quando os médicos e enfermeiros não estavam na cidade, eu me ocupava do único consultório dentro do nosso hospital e ali atendia a cidade inteira: passava remédios sem receitas, pois contávamos com a colaboração do único farmacêutico dali, limpava ferimentos leves e enfaixava algumas queimaduras, mas cirurgias, que fora a minha especialização e sonho de anos atrás, estas eu deixei no passado. Temia voltar a ser o Paul que inúmeras vezes abandonara Marrie.

E como estava lhe contando, meu caro leitor, depois de um mês morando ali, comecei a trabalhar no hospital, e logo me tornei uma pessoa querida pela cidade, mas não mais que minha Marrie. Ou melhor dizer, não mais que “Margareth-cabelos-de-leão”.

Ao confessar a um de meus pacientes o desejo de celebrar a minha união com “Margareth”, em duas semanas toda a cidade se movimentou para que pudéssemos realizar o nosso casamento da praça da cidade. Fora uma festa simples, sem a presença de meus pais, que desde a minha fuga da cidade, nunca mais tivera contato. Contudo, parecia ser exatamente com o que Marrie havia sonhado. E se era assim, para mim estava perfeito.

Casamo-nos, servimos na festa um bolo de nossa própria cafeteria e toda a cidade nos recebeu oficialmente como pessoas que se tornaram da família. Um médico sem licença para atuar, e um ex-prostituta metida a confeiteira, e para eles, éramos a união perfeita.

Infelizmente não pudemos ter filhos, e nunca sugeri a Marrie que adotássemos, pois percebia que este também era um assunto que Marrie quis deixar no passado. Porém, não a impedi que adotasse todos os animais abandonados daquele lugar, incluindo na lista um porco, uma zebra, oito cachorros e três gatos. O nosso quintal virara uma pequena fazenda.

Com o passar dos anos, meus cabelos loiros foram ficando grisalhos, ralos, e Marrie parecia ficar cada vez mais linda, mais jovem, e por incrível que pareça, mais ruiva. Minha mulher.

Eu queria, meu caro leitor, que esta história, a minha história e a de Marrie, tivesse terminado assim, com a nossa pequena fazenda, com o nosso casamento e com a “Cafeteria de Sr. Brian” que demos continuidade.

Todavia, eu deveria saber que estava tudo indo bem demais para ser verdade. Para ser a minha realidade.

E foi na última sexta-feira que tudo aconteceu. Marrie acordou assustada, meia hora antes do despertador tocar, dizendo que sonhara com corvos, e que isso significaria maus presságios.

 Confortei-a com as duas mãos, dizendo que nada poderia nos atingir, que agora estávamos seguros, e, principalmente, em paz. Tentei abraça-la para que pudéssemos deitar de novo na cama, mas Marrie não consentiu. Disse que se sentia preocupada demais para tentar dormir de novo.

Ao contrário de seu sonho, o nosso dia correu bem. Pessoas entrando e saindo de nossa cafeteria, crianças correndo e pedindo bombons a Marrie, como um dia normal. Até pude ver seu semblante mudar, tornar-se mais brando, esquecendo-se do pesadelo que tivera horas atrás.

Chegara então o entardecer, e, consequentemente, a hora de fecharmos o nosso negócio. Havíamos planejado viajar no dia seguinte, em comemoração aos nossos 10 anos de casados. Entrei para os fundos, com o objetivo de lavar a louça, enquanto Marrie limpava as mesas. Estávamos conversando aos gritos um com o outro, para que nos ouvíssemos em cômodos diferentes, como já era de nosso costume, até que, de repente, Marrie se calou.

- Margareth, está tudo bem com você? – perguntei, chamando-a pela nova identidade que criamos.

- Ah, Paul, há quanto tempo não ouvia essa sua voz de bichinha, mas que engraçado, ela não mudou nada!

Já fazia mais de 10 anos que eu não ouvia aquela voz, mas não demorou mais que um segundo para que eu fosse correndo até a entrada da cafeteria, pois sabia que quem estava ali era David, e que isso não poderia ser um bom sinal.

E realmente não foi, pois assim que pisei atrás do balcão, vi Marrie com as mãos para o alto, e David lhe apontando uma arma. Havia fúria em seus olhos.

- Sabe o que é engraçado, Paul? Você, que um dia jurou amor eterno para mim, igualzinho você jurou para esta puta aí, você me deixou! VOCÊ ME DEIXOU, DR. PAUL! E conseguiu arruinar a minha vida inteira.

- David, por favor, vamos nos acalmar e...

- AH, MAS EU NÃO VOU ME ACALMAR, NÃO, PAUL! EU ESTOU HÁ DEZ ANOS RODANDO A PORRA DESTE PAÍS ATRÁS DE VOCÊ, DIA APÓS DIA FAREJANDO O PERFUME BARATO DESTA PUTA QUE DESTRUIU A MINHA VIDA, SÓ PARA PODER VÊ-LA APODRECENDO EM MINHAS MÃOS.

- David, abaixe esta arma...

David não abaixou a arma. David atirou em Marrie. Eu, no momento, não sabia se o tiro havia acertado o alvo, porque pulei o balcão imediatamente para tentar impedir que David cometesse mais uma barbaridade com ela. Já não era mais o covarde de antes, e não tive medo de colocar minha vida em risco.

Ouvi três estalos de tiro. Apenas os ouvi, pois estava cego de raiva, e não vi o que estava fazendo. Quando minha consciência voltou, estava lutando com David, tentando retirar a arma de sua mão, e olhei de relance para trás, vendo que Marrie estava caída.

Mesmo passados 10 anos sem atuar na profissão, podia ver que Marrie fora baleada na cabeça. Não era mais um tiro de raspão, como acontecera há uma década, no hospital de nossa antiga cidade. Agora Marrie estava ferida de verdade, e eu tinha certeza que ela iria morrer.

Fui tomado por um sentimento que até hoje sou incapaz de nomeá-lo. A única que sei foi que em um só gesto tomei a arma de David e atirei nele três vezes, até vê-lo também caído no chão, e ainda com a arma na mão, peguei Marrie no colo, e corri da maneira mais desesperada que era possível de se ver um ser humano lutar, e fui para o hospital. Não podia deixa-la morrer.

Enquanto corria, gritava socorro com todas as minhas forças, para que os dois enfermeiros da cidade pudessem me ouvir e correr para o hospital. As minhas lágrimas se misturavam com o sangue que Marrie ia esvaindo pelo corpo, mas não perdi a esperança em momento algum.

Com uma das pernas, quebrei o vidro da porta do hospital e entrei correndo com Marrie, e enquanto ouvia os passos de algumas pessoas ali entrando, ia arrumando a sala de cirurgia, que há meses não havia sido utilizada por ninguém.

- Sr. Brian, o senhor não pode fazer isso! Temos que ligar e chamar o cirurgião para vir socorrer a Sra. Margareth.

- EU ESTOU ME FODENDO PARA O QUE EU POSSO E O QUE EU NÃO POSSO FAZER! EU VOU SALVAR A MINHA MULHER, EU POSSO FAZER ISSO! ME PASSA A TESOURA.

Cortar o cabelo de Marrie foi algo que partiu meu coração. Não conseguia para de chorar enquanto ia vendo minha mulher ir embora, enquanto via seus cabelos caírem no chão.

- Sr. Brian, você vai matar a Sra. Margareth. Já ligamos e o socorro está para chegar. Se o senhor não sair por bem,...

- Vai demorar no mínimo uma hora para eles chegarem, Louis, eu vou perder minha mulher.

- Eu infelizmente vou ter que chamar um segurança para tirar o senhor daqui.

Fingi que não o ouvia e sedei Marrie. O mundo inteiro poderia tentar me tirar dali, mas só sairia depois que operasse minha mulher. Enquanto eu ouvisse um fio de respiração sua, não a deixaria sozinha. Nunca mais.

A enfermeira-chefe, se é que se podia chama-la de chefe, pois era a única enfermeira do sexo feminino da cidade, porém com mais de 20 anos de profissão, impediu que Louis fosse atrás de alguém para me tirar dali. Ela falava baixo com ele, quase como um sussurro, mas fui capaz de ouvir:

- Louis, este homem não é o Sr. Brian. Desde que ele chegou na cidade eu tinha essa desconfiança, mas não podia afirmar nada. Este homem se chama Paul Robert, também conhecido como “Doutor-Anjo”. E se ele for tudo isso o que comentam dele por todo este país, ele vai salvar esta mulher antes do nosso socorro chegar.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 25: PRESSA EM SER FELIZ

(FOTO: https://www.flickr.com/photos/bogdansuditu/2377842887/sizes/m/in/photolist-4C84Ra-4R2y5o-4Y1Xku-5hRNE9-5jD4mB-5jUCUp-5knmHN-5kHaRc-5uGGC8-5uSpD7-5vhh2F-5EEiK6-5F3SAn-5GSFdA-6e7ThV-6ec4nN-6ec5bb-6fsYE3-6AP4S2-6GAqWg-6RSSD7-6S2aBi-6UqCx4-74wDq8-7cV8Cg-7kbKxC-7nFGvH-7vfdsh-dvJ234-dtFrXY-dLKq3n-g9ueUn-g9uRsM-9qBZZk-8bdjTY-8SESTm-e9kHBt-9jw6zG-dfSjgs-ayB1zk-ayDFBA-9p9aww-gp2oaV-c5gY1S-bEFzcE-bEnNtU-bXGnLA-bEnNyu-bXGbQm-bThxxV-bEnNSo/)


Eu tremia tanto quando entrei no carro que tive que pedir para que Marrie acendesse o meu cigarro para que pudéssemos seguir viagem. Não conseguiria dirigir por um quilômetro que fosse se não desse uma tragada antes. Mas os cigarros não conseguiam me acalmar.

O carro parecia voar pela estrada de terra, e não havia vento no mundo que me fizesse parar de suar. Sentia-me, naquele momento, muito mais como um prisioneiro fugitivo do que quando fora obrigado a fugir de verdade para me esconder na fazenda. Meu coração estava a mil por hora.

Era perceptível o nervosismo de ambos, a adrenalina correndo por aquele carro que mal cabia o enorme vestido de Marrie, e suas mãos tremiam tanto quanto as minhas. De repente, encostei o carro embaixo de uma árvore e disse para Marrie:

- Olha, Marrie, me perdoa, eu sei que você não imaginava sua lua de mel começando assim, mas...

- Ah, bonitão, - Marrie sorriu, ainda trêmula. – eu sequer achava que algum dia alguém fosse ter coragem de se casar comigo... há há há. Acho que estou no céu agora. Estou ao lado de quem eu quero. – Marrie pousou sua mão sobre a minha. A mão do anel.

- Por quê você ia fazer isso, Marrie? Por que se casar com ele? E agora, eles vão nos encontrar e...

- Ninguém virá atrás de nós, bonitão... – Marrie sorria para mim como se soubesse de algo que eu ainda não tinha consciência.

- Como assim? Eu vi a cara de perplexidade daquele seu noivo, ele não vai deixar você ir embora tão fácil...

- Penso eu, Sr. Paul, que isso é tudo o que ele mais quer.

- Não estou entendendo você, menina! O que é que está acontecendo?

- Será que você não percebeu, Paul? Andrew, meu noivo, é gay! Gay de verdade, não gay como você disse que era para mim alguns anos atrás. David não contrataria alguém que não fosse interessante para ele, você sabe disso, - olhei assustado para Marrie e pensei em lhe interromper, porém não o fiz. – não que os dois tenham algum caso, porque Andrew me disse que o David não faz o seu estilo. – Marrie olhava para um ponto fixo, como se estivesse se recordando do que estava a me dizer. – Pois bem, ele foi contratado para o hospital, e logo ligou os pontos, percebendo que David estava envolvido com a sua denúncia e veio me perguntar o que realmente tinha acontecido. Eu, que estava muito abalada, sem ninguém para conversar, acabei me abrindo com Andrew e contando toda a nossa história. Desde então nos tornamos grandes amigos.

“E por um acaso do destino, Paul, Andrew também me contou a sua história. E ele é como você era no passado. Ele precisava muito de alguém para manter as aparências, e ninguém melhor do que eu, a pobre menina que acabara de perder seu homem e o Sr. Brian. Andrew e eu combinamos fingir o nosso namoro, assim como um dia eu fizera com você, bonitão.

Entretanto, Andrew nunca me olhara como um dia você me olhou, e eu sabia que estava diante de um acordo verdadeiro. Seríamos grandes amigos nos ajudando, pois eu sabia que quando você descobrisse que outro alguém entrara em minha vida, você daria um jeito de me buscar de volta. Eu namorei Andrew esperando você me resgatar.

Mas o tempo passou e nada de você aparecer. Ficamos preocupados. Andrew então pensou que talvez um namoro não estivesse sendo convincente o suficiente para trazer você de volta. E foi então que ele bolou este plano: que se nós dois nos casássemos, tudo estaria resolvido. Você com certeza faria com que nosso noivado acabasse, e Andrew, ao perder sua “amada” noiva, poderia se recolher em tristeza e nunca mais estaria obrigado a aparecer com outra mulher nas ruas. Seria como um amor que não se supera.

Neste meio tempo eu vendi a cafeteria, pois sabia que se o plano funcionasse, nós precisaríamos fugir...”

- Paul, você está ouvindo o que estou lhe contando?

A verdade, meu caro leitor, é que eu parara de escutar a partir do momento em que ela disse que o tal de Andrew era gay. A partir dali, eu ficara duro e desejando Marrie, apenas a observando balbuciar as palavras.

- Não, Marrie, eu não estou lhe ouvindo... – respondi, sorrindo para ela e segurando seu queixo com uma de minhas mãos. – Mas não se preocupe, minha pequena, você terá a vida inteira ao meu lado para me contar a nossa história. Quantas vezes você quiser.

Fizemos amor ali mesmo, dentro do carro emprestado e no meio da estrada. O cheiro do xampu de Marrie penetrara pelas minhas narinas e eu tinha a plena certeza de que se eu não encostasse em sua pele, se eu não sentisse o meu eu ligado ao eu dela naquela hora, que eu não conseguiria coragem para seguir viagem. E assim eu o fiz.

Depois seguimos viagem até a fazenda, e Marrie terminou de me contar sua história. Vendera a cafeteria para fugir comigo, e pedira para um dos amigos de Mr. Richard falsificar os nossos documentos. Não seríamos mais “Paul e Marrie”. Seríamos “Brian e Margareth”, em homenagem ao dono da cafeteria da cidade.

Senti um arrepio passar pela nuca, pois o Sr. Brian perdera sua esposa muito cedo, mas não quis incomodar Marrie com qualquer pensamento negativo meu. Estávamos em nosso melhor momento. Precisávamos só pensar em quando ir embora.

Marrie sugeriu que voltássemos de madrugada até a cidade, para que pudéssemos pegar o dinheiro que estava escondido e os nossos documentos. Concordei com ela de imediato e arrumei as malas ao anoitecer.

Lembrei-me que meu avô tinha um cofre na biblioteca, e fui até lá pegar o que estava guardado. Apesar de um pouco enferrujado, assim que tentei pela terceira vez uma senha que lembrava de meu avô me contar, ele se abriu e ali encontrei as joias da família. Não hesitei e nem pensei em meus pais, apenas as peguei e coloquei dentro de minha mala.

Uma dessas joias levei até o nosso vizinho e a ofereci em troca do carro. Era uma troca ridícula, pois a joia valia dez vezes mais que aquele veículo usado, mas meu vizinho pareceu perceber de minha situação de urgência e aceitou com um enorme sorriso a oferta que lhe fiz.

Marrie estava com uma calça e uma blusa minha, e deixou o vestido na fazenda sem nenhuma vontade de carrega-lo de volta para a cidade. O anel permanecia em seu dedo.

Quando chegamos, não demorou mais que meia hora para que Marrie arrumasse suas coisas e pegasse o dinheiro e os documentos que deixara escondido. Assim que entrara no carro de volta, eu lhe disse:

- Este foi sem sombra de dúvidas o plano mais insensato que já ouvi em toda a minha vida.

- Acho que esse plano foi o único que já deu certo, bonitão. Só lamento muito porque não pude interferir no seu julgamento perante o Conselho, sei que vai ser muito difícil para você não trabalhar mais como médico.

- Nós iremos resolver isso, Marrie. – respondi, segurando sua mão. – Nós iremos ser felizes juntos. Mas antes de ir embora, eu gostaria que você tirasse esse anel de noivado da mão, - disse, enquanto delicadamente puxava o anel de seu dedo. – e colocasse este aqui, o anel do noivo certo. - coloquei a mão no bolso, e de lá tirei um anel que um dia fora de alguém na minha família, e o coloquei na mão de Marrie. Ela estava boquiaberta.

- Nós vamos nos casar, Sr. Paul?

- Sim, Marrie. E mais do que isso, nós vamos voltar a ser um só. – beijei sua mão, seus lábios e segui viagem com o carro.

Viajamos por dias intermináveis, até que atravessamos o país, em busca de um novo lugar para morar. Estávamos com fome, e resolvemos parar em um pequeno vilarejo para que pudéssemos almoçar.

- Paul, - Marrie sussurrou quando descemos do carro. – é aqui. É aqui que vamos morar.

- Como você pode saber: - perguntei a Marrie.

Ela apenas me respondeu com um dedo apontado. A cidade era composta de apenas uma rua, poucas casas e algumas lojinhas. E ali, bem no centro, havia um local abandonado com um enorme cartaz pregado: “VENDE-SE ESTA PADARIA.”

- Paul, nós podemos montar o nosso café aqui.

- Você só pode estar brincando, Marrie... Nós mal conhecemos este lugar. E um café jamais daria certo em uma cidade deste tamanho! Isto daqui é praticamente um vilarejo!


É, meu caro leitor, e não é que este café deu certo? Marrie estava encantada com o lugar e conseguimos falar com o dono no mesmo dia. Este se cansara do marasmo daquela cidade e resolvera se mudar, e há anos tentava vender o seu estabelecimento, infelizmente sem obter sucesso algum. Como estávamos com dinheiro vivo, conseguimos marcar uma reunião para o dia seguinte, e “Brian e Margareth” compraram o que se tornou a nova “Cafeteria de Sr. Brian.”