(FONTE: https://www.google.com.br/search?q=%C3%B3culos+de+grau&biw=1366&bih=667&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiny52I_q_LAhXLGpAKHcmcDsAQ_AUIBigB#tbm=isch&q=escrit%C3%B3rio+em+mogno&imgrc=Fc1toY7gmN1vUM%3A)
(Leia o capítulo 05 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-05.html)
Não existe coisa mais
estranha que o cérebro humano, meus caros. Eu que tanto o estudei posso lhes
dizer com toda a certeza que se existe alguma coisa que pode e vai acabar com
você, se você não tiver um pleno controle sobre ela, esta coisa é a sua mente.
Foi este um dos motivos
que me fez abandonar a carreira de Psiquiatra e começar com as minhas pesquisas
para avanços cirúrgicos. Era drama demais para mim.
O fato é que quando
você atinge um determinado patamar de controle mental, mesmo que este controle
ultrapasse os limites esperados pela sociedade, como é o meu caso, você acaba
entediando-se com facilidade quando se trata das lamúrias humanas obsessivas.
Sra. Camille estava há
a mais de quarenta minutos lamentando-se, chorando e esperando que eu resolvesse
aquela situação. E eu, claramente ouvindo tudo aquilo que ela me falava, estava
profundamente entediada.
Mas uma coisa era
certa: o choro de Sra. Camille me entediava, mas o sofrimento e trauma que
Delegado Phillip estava passando excitava-me de tal maneira que perdi um pouco
de meu controle e insisti várias vezes para que pudesse ir até a cada de
Phillip e conversar com ele.
Camille negava com
veemência. Não era por que ela não queria, ela me dizia gesticulando com as
mãos. O problema é que Nicolle morava com eles, Nicolle, Eric, e o pequeno
Louis.
Tentei argumentar que
poderia aparecer por lá quando Nicolle não estivesse, ou que então ela levasse
Phillip até meu consultório sem que ela soubesse, tudo pelo bem de meu querido
vizinho, que precisava de ajuda.
Camille, entretanto,
contra argumentava dizendo que não poderia fazer nada escondido da filha, pois
somente ela ficara ao seu lado durante todos esses anos em que o marido estava
longe de casa, que Nicolle colocara tudo de lado para voltar a morar com a mãe
e não deixa-la sozinha, que seria uma traição esconder alguma coisa dela neste
momento.
- Bom, Sra. Camille,
espero que não me entenda mal, mas não vejo motivo então para você vir até
minha casa. Se não quer que eu vá examina-lo, se não quer que ele venha até o
meu consultório para que eu possa conversar com ele, não sei como eu poderei
ajuda-la.
Mas Camille sabia o que
eu podia fazer para ajudar: procurar e fazer uma lista dos melhores médicos do
país para que ela pudesse levar o marido.
- Sinto muito, Sra.
Camille. Mas isto eu não posso fazer por você. – disse com seriedade e calma,
enquanto me levantava e encaminhava Camille para a porta de minha casa.
- Mas, por quê, Marina?
– Camille parecia incrédula.
- Porque, Sra. Camille,
eu sou a melhor médica do país em referência de pesquisas. Você não vai achar
ninguém melhor do que eu. Mas eu te desejo boa sorte: caso o encontre, por
favor passe o meu número. Adoraria conhecer uma pessoa que eu pudesse chamar de
concorrente.
O meu tom era de
arrogância, mas o teor de minha fala era a mais pura verdade. Não era fácil
competir com uma pessoa que sofreu nenhum problema sério que perturbasse seus
estudos – no meu caso, eu sofrera grandes problemas, porém nunca os sentira -,
que sempre estudara nas melhores escolas, que fizera a melhor faculdade e a
melhor residência e especializações, que tinha dinheiro e suporte para manter o
maior e mais moderno laboratório de pesquisa do país.
E, que acima de tudo,
que não tinha medo dos efeitos colaterais de suas pesquisas, e nem de perder um
de seus pacientes.
A verdade é que eu
ainda não podia chamar Phillip de um efeito colateral da minha pesquisa, já que
ainda não havia o examinado. Todavia, sabia que poderia esperar por algo grave.
Afinal de contas,
Phillip podia não se lembrar de mim, nem onde ele estive nestes últimos três
anos, mas ele se lembrava de “A Mortífera”.
Estava vivendo uma
mistura de tensão, e ao mesmo tempo êxtase, pois inflara meu ego sabe que o
trauma fora tão forte que nem a hipnose associada com o despejo de drogas
conseguiram apagar aquilo da mente dele.
E sabe por que, meus
caros, ele não conseguira esquecer-se de tudo? Porque lá no fundo, bem lá no
fundo remeto de seu subconsciente, ele não queria. Porque lá, bem em um
cantinho escondido, sua mente se sabotava ao ponto de querer que ele
continuasse revivendo a humilhação que ele passou.
E apesar de um pouco
tensa, não havia o que fazer. Eu não me arriscaria tentando me encontrar com
ele, apenas esperaria que ele visitasse uns dois ou três médicos, e então, como
todos aconselhariam Camille que ele viesse até a mim, meu cordeiro entraria de
olhos fechados dentro da boca do leão. Neste caso específico, leoa.
O decorrer das semanas
seguintes foi excelente para mim: trabalhos, pesquisas, pacientes, e Marco. Ah,
meus caros, Marco me estava saindo melhor que a encomenda.
Nossos encontros
estavam se tornando tão frequentes que passaram ser diários. Todas às noites
fazíamos algo, e estava começando a me sentir a vontade em fazer coisas
casuais, como, por exemplo, comer comida Tailandesa às quartas-feiras, ir ao
teatro aos sábados e passar o domingo em sua casa.
Uma das poucas coisas
que me deixara incomodada no começo, mas que depois acabei esquecendo, fora a
sua casa. E o seus carros e motos. E o seu barco.
Marco tinha um poder
aquisitivo muito alto, aliás, o padrão de vida de Marco era muito maior do que
o meu, e olha que meu pai era um narcotraficante bem estabelecido e nunca
descoberto pela polícia.
E Marco era apenas um
Oficial aposentado, com uma vida cheia de luxo em que ele parecia não se
importar. Era quase como se ele já tivesse nascido com tudo aquilo, e, assim
como eu, se acostumado com todo o conforto.
Marco me contara que
seu pai também era viúvo, como o meu, e que ele era dono de uma grande rede de
franquias, mas nunca entrou em detalhes. Pouco me importava também, até aquele
momento, quem era o pai de Marco, porque eu só tinha olhos para ele.
É estranho dizer isso a
você, meu leitor, mas acho que houve momentos em que eu realmente estive apaixonada
por ele. Mais para frente você vai acreditar que não, mas eu lhes digo, com
toda a sinceridade do mundo, que nem tudo ali foi mentira.
Marco era bom comigo.
Não o bom que estava acostumada a receber de todos, não o bom e velho sorriso
de compaixão, ou o entusiasmo de estar na minha presença. Não, Marco parecia me
enxergar através dos meus olhos, e parecia gostar e aceitar como seu tudo
aquilo que ele enxergava em mim.
Várias vezes senti
vontade de contar para ele quem eu era, as coisas que gostava de fazer de
verdade, porque eu sentia que se eu lhe contasse quem eu era, ele também
haveria de revelar o segredo que eu tanto sentia que ele carregava para si.
Mas nem preciso lhes
falar que nunca ousei lhe dizer nada. No fundo, no fundo, eu estava começando a
sentir aquele receio que as pessoas normais costumam sentir: que se ele
soubesse mesmo quem eu era, que ele não se identificaria comigo, e iria embora.
- O que tanto você
pensa, hein, Dra. Marina Shadda? – Marco era um bom observador.
- Às vezes eu fico
pensando nas coisas em que já fiz, Marco, e...
- ... E você fez o que
precisava ser feito, e por isso mesmo você não precisa ficar se lembrando
disso.
- Eu não estou falando
da sua perna, Marco...
- Eu sei disso, minha
linda, eu sei disso. Mas independente do que você esteja pensando, saiba que a
sua vida não precisa se resumir àquilo que você fez até hoje.
- Mas eu não sei ser
outra coisa, Marco. Eu sou incapaz de aprender a ser diferente.
- Você já está sendo,
Marina. Pelo menos quando está comigo, você está sendo diferente. E é por isso
que estamos juntos. Porque eu sei que dentro de você há um espaço para um mundo
diferente do que você já viveu.
Fiquei boquiaberta. Não
sabia se Marco estava apenas devaneando, ou se realmente me conhecia. Mas o
fato era que a carapuça estava servindo. E eu não gostava nenhum pouco de
emboscadas.
Pedi para que Marco me
deixasse em casa, e durante todo o trajeto fui sem dizer nenhuma palavra. Eu
sabia que quanto mais me aproximasse de Marco, mais riscos correria, e mais
vontade eu teria de revelar mina vida.
Mas quanto mais próxima
eu ficava dele, e mais perto do perigo eu me sentia, mais fundo eu queria
adentrar naquela relação.
Marco acreditava que eu
poderia ser diferente junto com ele, mas será que ele tinha noção do que ele
acreditava? Quem estava enganado em relação ao outro, era ele em relação a mim?
Ou eu em relação a ele.
Não demorou muitos
minutos para que eu recebesse a minha resposta, pois assim que me despedi dele,
meu pai me esperava para ter uma conversa franca.
- Você precisa se
afastar deste rapaz o quanto antes?
- Ora, papai! Não
acredito que você está com ciúmes! Você sabe que eu preciso manter as
aparências. Assim como você, o mundo exige coisas de mim! Você nunca se
importou...
- Minha linda, ele não
gosta de você. Ele está lhe usando.
- E você diz isso
baseado em quê, Ricky Shadda? – fechei a feição, pois não gostava de ser
contrariada.
- Baseado no fato de
que ele é o filho de Christopher. Sim, Marina, de Christopher, do pior
traficante deste país, que inclusive está preso. Do Christopher que pagaria com
uma ilha em Bora-Bora só para que alguém lhe relevasse a minha identidade. Do
Christopher que iniciou a guerra civil na África, lugar onde provavelmente vou
cortou fora a perna deste vagabundo. E aí, minha filhota, será que a sociedade
vale a pena o bastante?
E esta foi a primeira
vez em minha vida em que eu fui pega de surpresa. Primeira vez, meus caros,
porque muitas ainda virão.