segunda-feira, 11 de abril de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 8: Duvide de seu coração

(FONTE: http://cerebromasculino.com/wp-content/uploads/2012/05/Lagrimas.jpg)



Gosto de deixar tudo bem explicado para vocês, meus caros, porque se eu simplesmente contasse a minha história sem os adendos que transcrevo aqui, tenho certeza que muitos duvidariam de mim, ou de tudo o que me aconteceu.

Mais do que duvidar, as pessoas simplesmente não gostariam de cogitar a possibilidade de que aquilo que lhes conto fora verdade. Ninguém quer acreditar na maldade, no egocentrismo, na fúria interna que existe dentro do outro.

O ser humano é uma obra tão engraçada, que para se aparentar bom, para se afirmar e viver uma vida que aparentemente seja digna e harmoniosa, fecha os olhos para tudo que não condizer com aquilo que ele deseja. E posso afirmar-lhes com toda certeza de que o ser humano se esconde da verdade.

Não me olhe com cara feia, meu leitor, pois sei que você também é assim. Marco também foi assim.

Mesmo me conhecendo há pouco tempo, mesmo que eu não tivesse lhe dado qualquer explicação do que estava acontecendo, ele levou Delegado Phillip para um hotel, e o escondeu ali.

Quando voltou para me encontrar, a adrenalina gritava em seu corpo: estava suado, com as pupilas dilatadas, e com o maxilar travado. Marco sabia que havia algo de muito sério escondido ali, mas seu corpo e mente não queriam ouvir a verdade.

E é aí que lhes confirmo o que falei. O ser humano se esconde da verdade, pois uma vida perfeita é o nosso anseio, e, ter de sair deste desejo realizado é uma frustração que não queremos ter em nossas vidas.

Marco não queria desconstruir a imagem que ele havia criado ao meu respeito. Ele não queria estar enganado sobre minha pessoa. Não ele, soldado do exército, filho de traficante, já escolado pela vida, pela dor, pelo susto. Pela falta da perna.

Marco era esperto demais para fingir que não sabia que eu fora a culpada pelo desaparecimento de Delegado Phillip. Ele conhecera e acompanhara a história, assim como toda a cidade.

Além disso, Marco tinha algo além do que os demais habitantes da cidade tinham. Marco farejava o cheiro de sangue, e Marco sabia onde estava um predador. Afinal de contas, ele nunca falhara em suas operações.

E ali, diante de minha presença, o temido oficial, o temido filho de criminoso, o milagre nascido de um mundo sem esperanças, havia caído no pior erro que poderia ter cometido em sua vida. Pois não há prisão pior na vida que se apaixonar por quem tem princípios contrários aos seus.

Nesta prisão não há grades, nem cadeados. É um lugar onde você nasce e vive livre por natureza, contudo, por vontade própria, decide se aprisionar.

- Marina, ... – olhos de Marco estavam cheios d’água.

- Marco, peço que você se sente e respire fundo, pois o que eu tenho para lhe contar não é nada fácil. E nem bom.

É claro que eu não contei a verdade para Marco. Sim, eu inventei uma história. Alias, nem posso dizer que inventei uma história, pois tudo que ali contei era verdade.

Contei do abuso que sofrera quando criança, da morte de minha mãe e do posterior descontrole do meu pai, que acabou resultando em abuso sexual. 

Eu conseguira através de poucos gestos, muitas lágrimas, e com palavras suficientes transformar toda a minha história em um desastre. E para falar a verdade, eu não estava mentindo em nada do que lhe dizia, a não ser pelo fato de que eu fora a causadora de tudo aquilo que me acontecera.

Sim, também não posso negar que meu pai era uma pessoa doente, e que muitos o considerariam um monstro, e foi exatamente esta a imagem que transmiti a Marco. Que um monstro, desde a minha infância, me obrigara a fazer coisas que eu não queria, e uma delas foi aprisionar Delegado Phillip em nosso porão.

Sei que ouvindo assim, ou melhor, lendo assim fica difícil de acreditar que alguém cairia fácil naquilo que dizia. Mas isso porque antes de mais nada, apresentei-me com a alma limpa para vocês. Sem truques, sem disfarces, apenas com a pele humana e a mente envenenada pelo que alguém consideram uma patologia, e que tantos outros apenas resumem em “maldade”.

O fato era que Marco não conseguia meu verdadeiro eu. Mais que isso, Marco não queria saber quem de fato eu era. O que ele queria fora exatamente aquilo que ele recebera: desculpas esfarrapadas para acalmar seu coração. Para continuar ao lado de quem o estava fazendo feliz. Pobre Marco.
E aos prantos, tremendo terminei minha história:

- Eu não sabia quando teria coragem, Marco, eu não sabia! Eu estava decidida a por um fim em minha vida, pois não consigo mais viver sob tamanha tortura. Eu sei que o melhor para todos seria que eu me matasse, pois só assim me veria livre das mãos de meu pai, só assim não haveria como ele ameaçar mais meus entes queridos, meus pacientes, mas aí...

Marco já sabia a resposta, contudo, continuou calado, pois queria ouvir de mim:

- ... aí você apareceu, Marco. Do nada. Apareceu na minha frente e disse que eu era a responsável pelos seus sonhos estarem se realizando. Eu, logo eu, que tive que arrancar-lhe um membro tão essencial do corpo, eu que o mutilei, e mesmo que por motivos de saúde, eu fui a responsável pelo fim de sua perna.

- Marina, ... – antes que Marco continuasse, calei-o, delicadamente, com um de meus dedos.

- Aí você chegou, e de repente parecia que eu não havia me transformado em um monstro exatamente como meu pai é. Eu entendi, graças a você, que eu sou apenas um fruto de uma criação amaldiçoada, de tortura e humilhação. Você, ainda mais de quem você é filho, e tudo aquilo que você se transformou, conseguiu me mostrar que eu também posso ser alguém melhor. Você me deu coragem para dar um basta em tudo isso que está acontecendo comigo. Por favor, Marco, não me abandone agora. Eu preciso muito de você.

Marco me olhava nos olhos como quem queria disfarçar o horror, mas não conseguia. Demorou alguns segundos, até que ele, sem desviar o olhar, pegasse minhas duas mãos e as juntasse em seu peito, antes de se declarar:

- Eu amo você, Marina. Não vou abandonar você, e nós vamos vencer isso  juntos. Nem que eu precise recorrer ao meu pai para isso. Não vou deixar que este psicopata encoste um dedo que seja em você, nunca mais!

Beijamos-nos. Um beijo voraz, babado, mordido, quente. Daqueles que se quer devorar o outro, engoli-lo, tê-lo para dentro de si.

Confesso que eu estava enojada. Amor romântico era algo que me dava arrepios. Entretanto, não me incomodava Marco me beijar daquela maneira. Era uma espécie de nojo misturada com prazer. Algo que ainda não experimentara, e que não sabia explicar muito bem. Mais tarde faria uma reflexão a respeito, mas não antes de resolver os meus reais problemas.

Marco deitou minha cabeça em seu colo, e acarinhou meus cabelos. Sem querer, esbafori um riso, que imediatamente o disfarcei com um choro contido. Marco me acolheu em seus braços, e disse:

- Peça para mim o que você quiser, e eu o farei, Marina. Somos, além de um casal, aliados nesta batalha. O que você quiser de mim você vai ter.

- Não sei o que fazer, Marco. – as falsas lágrimas escorriam. – Acho que Phillip vai se lembrar do que aconteceu... Acho que devo me entregar para a polícia.

- Não, Marina! Você jamais sobreviveria a uma cadeia! Isso não!

- Então o que?

- Se quiser, posso dar um fim nele. Sou um Oficial, sei como fazer essas coisas.

- Não, Marco! – estava começando a sentir que as coisas funcionariam exatamente como eu gostaria. -Não quero fazer mais mal a ele, ele não merece! Ele é um pobre inocente.

Entreolhamo-nos.

- Ele é inocente, Marco.

- Eu sei.

- Ele é inocente, Marco. Mas meu pai não.


Entreolhamo-nos mais uma vez. Não havia mais nada que precisasse falar. A semente já estava lançada. Marco levantou, e sem dizer nada, saiu. Agora era só questão de esperar um tempo, e eu, Marina Shadda, assumiria o posto de meu pai.

quarta-feira, 23 de março de 2016

03 LIVROS (ATUAIS) PARA LER COM A CANETA "GRIFA/MARCA-TEXTO" EM MÃOS! (PARTE I: CRÔNICAS)



Oi, Pessoal!

É com muito carinho que gravei o segundo vídeo para o Canal.

Antes de mais nada, gostaria de agradecer IMENSAMENTE a cada um de vocês que assistiu (chegamos às 350 visualizações :o) e comentou no vídeo anterior! Não esperava por isso, e é muito gratificante saber que  muitas pessoas, mesmo sem conhecer você, acreditam no seu sonho e te apoiam nos seus projetos!
GRATIDÃO MESMO PESSOAL!

Vamos falar agora sobre os livros de hoje:
Os três livros escolhidos para o vídeo são livros de crônicas, todos escritos em prosa, e por autores brasileiros. Apesar destas semelhanças, os livros são bem diferentes, e são justamente as suas particularidades que os tornaram tão especiais para mim, e espero também, para vocês.


1) FABRÍCIO CARPINEJAR – ME AJUDE A CHORAR
Bom, pessoal, o primeiro livro que quis trazer para você foi o “Me ajude a chorar” do Fabrício Carpinejar.
Dos três autores que escolhi, acredito que ele seja o menos conhecido, pois Carpijenar sempre manteve sua vida particular bem reservada, e só há pouco tempo que decidiu se abrir para a mídia, entrevistas (estas ainda bem poucas) etc.
Conheci o trabalho de Carpinejar através de seu Blog (http://carpinejar.blogspot.com.br/), que contém textos e poemas INCRÍVEIS, de grande profundidade sentimental e de belíssimo jeito de brincar com as palavras.
Neste livro, em particular, Carpinejar contará, através de crônicas, um pouco sobre a sua história, um pouco sobre seus relacionamentos (pais, filha, mulheres), um pouco sobre a sua vida.
O título do livro, aliado à sua capa, faz um conjunto perfeito, pois ao invés de lágrimas, há flores nos olhos de Fabrício.
E é exatamente isso que suas crônicas despertarão: vontade de chorar!
Mas não por angústia, e sim pela beleza.
É aquela lágrima que surge de um arrepio ao ouvir uma linda música, ou quando se vê um terno gesto de amor.
O que quero lhes dizer é que o autor, com curtos textos, fará você derramar algumas lágrimas, pois despertará algo de muito bom em você.

2) FREDERICO ELBONI – UM SORRISO OU DOIS

O segundo livro é de um autor bem jovem, e de uma alma brilhante.
Frederico Elboni (Fred Elboni, para nós, leitoras, que nos consideramos todas íntimas) é o criador do Blog ENTENDA OS HOMENS (http://www.entendaoshomens.com.br/) e também já foi autor-roteirista do programa “Amor e Sexo”.

Os textos de seu blog são muito conhecidos e compartilhados nas redes socais. É bem comum, inclusive, a espera dos leitores para a chegada de um texto (eu, uma dessas, principalmente aos domingos).

Fred Elboni tem uma característica peculiar, que é manter uma relação bem próxima com os seus leitores, e esta relação fica tão próxima que, quando lemos o que ele escreve, temos a impressão de ter recebido uma carta, um e-mail, escrito e enviado diretamente para nós.

Com muita simplicidade e bom humor, Fred fala em seu livro sobre relacionamentos. Desde a conquista, até um possível término.
E o que deixa ainda mais proveitosa a leitura, é o seu dom de falar verdades, erotismos, minúcias, sem rodeios, e ao mesmo tempo, com um aconchego que jamais pensei que pudesse ser colocado em palavras.

Não conheço sua história pessoal para afirmar, mas sinto que muito do que ele escreveu veio de suas vivências. Tenho a sensação de que, se pudesse vê-lo ao vivo (ou no mundo real, como costumo brincar), ele seja exatamente como ele é no livro.

Particularmente, sou leitora assídua de seu Blog e uma grande admiradora de seu trabalho, que mesmo jovem, já conseguiu consagrar seu nome entre os grandes autores brasileiros.

3) MARTHA MEDEIROS – A GRAÇA DA COISA

E por fim, mas não menos importante, trago para vocês uma das obras de Martha Medeiros, “A Graça da Coisa”.

Eu ganhei este livro de presente (valeu, Dra. Lúcia!), e não demorei mais que uma madrugada para termina-lo.
Devo confessar que quando digo “uma madrugada”, estou na realidade falando de uma tarde de leitura, porque para mim é impossível realizar qualquer atividade que exija algum esforço mental depois das nove horas da noite.

Martha Medeiros é uma grande colunista, e não deixou dúvidas do porquê tem uma grande reputação como escritora.
São belíssimas crônicas neste livro, sobre temas variados (deste a mesa da cozinha, até temas polêmicos, como por exemplo, religião).
Ela datou todas as crônicas, que foram dispostas em ordem cronológica no livro, o que faz o leitor se situar com facilidade sobre o tema o qual ela escolheu.

E mais, lendo suas crônicas, você encontrará excelentes dicas de livros e filmes, que ela vai citando em cada um de seus textos.

Bom, pessoal, espero que vocês tenham gostado das dicas!


BEIJÃO E BOA LEITURA PARA VOCÊS.

terça-feira, 22 de março de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 07: Até onde você iria em nome do amor?

(FONTE: http://static.quizur.com/i/b/5592e1bd6a0dc4.396594085592e1bd5a1194.01319307.jpg)

(Leia o capítulo 06 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/03/a-mortifera-capitulo-06-quem-esta-do.html)

- Não se preocupe, papai. Eu sempre fui a sua garotinha de ouro, nunca o decepcionei. Não vai ser agora que as coisas irão mudar.

Conversando com ele, eu parecia confiante, mas foi uma das poucas vezes que senti meu coração bater mais forte. Será que Marco estava mesmo com segundas intenções por trás de nosso namoro?

Sim, ela era gentil demais, compreensivo demais, e até educado demais para um ex-soldado. Contudo, não havia em seu olhar qualquer tipo de maldade que pudesse fazer com que eu me desconfiasse se sua índole. De duas, uma: ou Marco era muito mais inteligente do que eu pensava, ou ele estava vivendo a pior coincidência de sua vida, pois a única pessoa a que eu obedecia era meu pai, e quando Rick Shadda dizia “Basta!”, aquilo significava que alguém teria de morrer.

Eu precisava planejar a morte de Marco, e precisava que fosse um plano minuciosamente estudado, pois qualquer falha que acontecesse, o segredo de meu pai, e automaticamente os meus segredos seriam revelados. Seria um pouco complicado, já que a descoberta do pai de Marco fora totalmente repentina, mas não seria impossível para que eu continuasse fingindo até que tudo se resolvesse.

Contudo, acredite você ou não, meu caro leitor, mas a primeira coisa que fiz quando me encontrei com Marco de novo foi:

- Por que você não me falou quem era seu pai? – perguntei, com lágrimas nos olhos. Ainda não entendia o por quê, só percebi que as palavras saíram de minha boca quando já era tarde demais.

-Não entendi sua pergunta, Marina.

- Pois então deixe-me ser o mais clara possível, Marco. Por que você não me contou que o seu pai é o maior narcotraficante do país? Por que você escondeu isso de mim?

Marco não me respondeu de imediato. Seus olhos também encheram-se de lágrimas ao olhar para mim.
- Eu escondi muitas coisas de você, Marina, e espero que me perdoe.

- Eu não acho que isso seja possível, Marco.

Marco calou-me carinhosamente com os dedos, e prosseguiu:

- Eu escondi muitas coisas de você, Marina, mas nenhuma delas foi algo ao meu respeito. Eu não falei nada para você sobre meu pai porque sabia que você jamais se envolveria comigo sabendo de minha procedência.

- E com razão, mesmo! Pois se eu soubessse... – Marco, mais uma vez, calou-me.

- Eu sabia que jamais teria a chance de me aproximar de você, e também sabia que se contasse sobre ele, estaria sujando também a minha alma. Mas eu não ele, Marina. Nunca fui, nunca serei. E eu já cansei de perder minhas coisas, minha vida, por este alguém que me colocou no mundo, mas nunca me representou. Eu sempre fui o melhor de todos os soldados, mas nunca pude subir de posto, pois exército nenhum pode ser comandado por um filho de um traficante, imagina que mal eu poderia fazer para o país? – Marco agora, não tentava mais conter as lágrimas. – Eu nunca reclamei disto, sempre honrei o meu trabalho e continuei sendo o melhor naquilo que fazia. De alguma forma, encarava minha profissão como uma forma de redenção. Meu pai ia lá, e fazia todo o mal, e eu, passava por ali depois, e limpava tudo de ruim que havia acontecido, e tentava espalhar um pouco de amor.
“Foi assim que fiquei conhecido, você sabe. Eu consegui fazer minha vida só dando aquilo que tinha de melhor. Nunca precisei, ao contrário dele, de subornar alguém para conseguir algo. Nunca agi contra os bons princípios, e nunca tive medo de ser diferente dele. Ele me odeia, Marina, ele me odeia tanto que colocou aquela bomba não para tirar a minha perna. Ele queria a minha vida. E graças a você, ele não conseguiu. Graças a você, que eu tanto quero bem, tenho ainda a oportunidade de continuar sendo alguém do bem.”

- Mas e a casa onde você mora? Seus bens, eles...?

- Eles são frutos da herança que minha mãe me deixou, Marina. Existem pessoas ricas que não trabalham com o crime. Seu pai é um bom exemplo disso.

Eu sabia que aquelas palavras não eram garantia nenhuma que Marco estava falando a verdade. Mas eu queria que fosse verdade, e assim acreditei, naquele momento, que aquele era o homem certo para continuar sendo companheiro. E porque não, alguém que eu pudesse me afeiçoar.

Dormi com Marco, e ao chegar em casa, dormi com meu pai para acalmá-lo diante do ocorrido, e assim que meu pai saiu para mais uma viagem, dormi também com Eric, para continuar meus planos.

Você deve estar pensando várias coisas ao meu respeito, e nem tente me enganar, dizendo que não sentiu um pouco de nojo de mim, pois conheço você, meu caro leitor. Conheço sua mente, seus anseios, seus medos, seus preconceitos. Eu, melhor do que ninguém, sei exatamente o que você sente ao me ler, mas não ligo.

Estas palavras não foram feitas para acalmar seu coração, escrevo porque a minha história precisa ser contada, e o que aconteceu foi que, antes do planejado, as coisas começaram a pegar fogo.

Dei um longo beijo em Eric, e ao abrir a porta para que ele fosse embora de minha casa, lá estava toda a corja dos De Ray: Delegado Phillip, sua esposa Camille, Nicolle, e o pequeno Charles. Todos, inclusive a criança, estavam boquiabertos.

O meu espanto foi tão grande que não consegui compreender o que Nicolle gritara antes de tentar avançar em meu corpo. Eu disse tentar, pois antes que ela conseguisse me encostar um dedo, seu pai agarrou-lhe pelos cabelos e lhe deu a bofetada mais forte que eu já vira. Mais forte, inclusive, das que recebera enquanto estava sob os meus comandos.

- CHEGA! VOCÊ ESTRAGOU A VIDA DESTA MOÇA, ESTRAGOU A MINHA VIDA, CHEGA DE HISTERIA, CHEGA, NICOLLE! AMADUREÇA!

- P – pai... – Nicolle estava incrédula, e com um dos lábios sangrando.

- Ora, Phillip! Você já foi longe demais! Acusar Nicolle, sua própria filha?! Acuse os traficantes que você passava noites e mais noites investigando, ... – Camille tremia ao gritar com o marido.
- CALE A BOCA VOCÊ TAMBÉM, SUA VAGABUNDA! OU ENTÃO VOU EMBORA DE CASA, E ME LIVRO DE VOCÊS! EU PRECISO DE PAZ. – Phillip caiu de joelhos, e começou a chorar. – Eu não estou bem, queridas. Me desculpe, não sei porque estou fazendo essas coisas. Está tudo tão confuso em minha cabeça. Eu preciso conversar com você, Dra. Marina. Sei que você não clinica mais nesta área, mas preciso que alguém de confiança me ajude, alguém que não vá pedir minha suspensão da polícia.

E foi assim, deixando que Nicolle, Eric e Camille se resolvessem, pedi para que Phillip entrasse em minha casa para que pudéssemos conversar.

Enquanto íamos andando até chegar ao escritório de meu pai, Phillip ia passando os dedos trêmulos pela mobília da casa. Sem olhar para mim, afirmou:

- É como se eu já conhecesse tudo por aqui...


- Não se preocupe, querido. Após eventos traumáticos, infelizmente as vítimas costumam identificar um pouco de sua dor por onde passam. Mas isso vai passar. – disse, com uma ternura falsa, enquanto pousava a mão sobre o seu ombro.

Assim que entramos no escritório de meu pai, peguei a maleta que deixava guardada no armário, higienizei as minhas mãos e os meus instrumentos. Fiz ali um pequeno exame clínico. Phillip estava em gozo de plena saúde, muito mais do que eu esperava.

- Delegado Phillip, temo que as notícias não são boas. – disse, abaixando a cabeça. – Devido ao enorme estresse que o senhor vem passando ao longo desses dias, sua saúde não está nada bem. Vou pedir alguns exames para ter mais certeza, mas por enquanto, para que eu possa tratá-lo e ver resultados rápidos, preciso lhe pedir uma coisa...

- Qualquer coisa, Dra.! Faço qualquer coisa para voltar a ser o Delegado Phillip de antes! Eu preciso voltar a trabalhar logo, eu preciso...

- Então, para que isso aconteça, você vai precisar deixar sua casa. E a sua família. – falei séria, olhando em seus olhos.

Delegado Phillip arregalou os olhos, surpreso, mas, por incrível que pareça, parecia se sentir um pouco aliviado.

- Pelo menos por um tempo, Phillip. Afastar-se de sua família pode parecer doloroso, mas, infelizmente, como eles não estão sabendo como lidar com os seus problemas, eles estão só atrapalhando você. Sei que não parece muito ético dizer isso, mas eu só quero o seu bem. Sou uma pesquisadora, sabe, os meus métodos não costumam ser os mais convencionais, mas são sempre aqueles que produzem o melhor resultado. E de forma rápida. Posso contar com você?

- Claro, Dra., claro! Mas para onde eu iria?

- Você pode ir para um hotel, e sugiro que não saia do quarto, nem tenha contato com ninguém. Vou visitá-lo todos os dias para fazermos o nosso trabalho. Vou ligar para um amigo para que ele possa levar você para um local seguro.

Qualquer pessoa em sã consciência acharia estranho tudo aquilo. Porém, Phillip estava tão afoito e confuso com sua situação, que simplesmente aceitou.

Saí do escritório e liguei para Marco. A única pessoa que confiava naquele momento:

- Querido, você acredita na redenção humana?

- Claro, Marina.

- E se eu lhe confessasse que eu sou uma das piores pessoas do mundo?

- Eu não acreditaria em você, minha linda.

- Mas e se eu te provasse que eu sou?

- Marina, acho que já vi de tudo nesta vida, não seria fácil você conseguir me convencer a desistir de você.

- Então você me aceitaria assim?

- Eu iria ouvir o seu lado, tentaria entender o que te aconteceu, e procuraria alguma forma de mudarmos isso. Juntos.

- Então você me ajudaria?

- Sim.

- Independente do que fosse?

- Marina, o que está acontecendo?

- Eu fiz algo de muito ruim, meu amor, muito ruim mesmo. E preciso consertar isso. Mas não conseguirei sem a sua ajuda.

- O que você quer que eu faça?

- Você pode levar um amigo meu em segurança para algum hotel? Preciso também que o vigie, pois ele não pode sair de lá. Ele está correndo muito perigo.

- Mas é claro! Onde ele está?

- Aqui em casa.

- Estou indo agora para aí.

- Muito obrigada, Marco. Você não sabe o quanto isso significa para mim.
- Você é que não sabe, Marina, o que eu poderia fazer por você. Até já.

E foi assim, bem assim, que eu tive mais um lindo dia, e muito feliz. Com certeza Eric seria expulso de casa, após o que Nicolle vira. Agora, eu levava o seu querido papai para longe de sua proteção.


Mas não pensem que eu pararia por aí, meus caros. Ainda faltava o pequeno Charles, para que o plano se completasse.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Sobre o nosso atual momento: A PSEUDO LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Peço que tenha muita calma ao me ler, pois não vim aqui para debater nada: quero me desarmar.

 Entrego-lhe minhas armas, para que possa encostar em minhas mãos, e ver que sou de carne e osso. E carrego comigo pele, calos e um pouco de suor.

Agora que já sentiu o calor da vida ao tocar parte de mim, sinto que posso lhe falar. Na realidade, sinto que devo.

Devo porque posso, e a partir do momento em que o que é proibido torna-se permitido, parece que se cria uma obrigação.

E hoje eu posso falar. Eu, você, aquele que conheço e gosto, aquele que conheço e não gosto, e até aquele que mesmo desconhecendo, nunca conseguirei simpatizar.

Porque hoje o mundo é o lugar daqueles que se pronunciam. Dos que batem o pé, batem no peito, batem de frente, batem a cabeça. Afinal, lutamos e conquistamos este direito de falar, portanto, nada mais que obrigação revelarmos a nossa opinião.

Porém, falar sobre o quê? Não sei, não importa! Invente alguma coisa, ou caso não queira assumir um apaixonado por mentiras e ilusões, maqueie-se!

Leia um pequeno artigo a respeito, ou, pelo menos, decore uma frase dele. Foi-se o tempo em que a pesquisa durava por um prazo indeterminado. Hoje basta meia hora para se tornar um expert em alguma coisa. Ou em tudo.

E agora que você já sabe (complenacertezaabsolutadedogmaverídico), está pronto para a melhor parte: transmitir.

Mas não como quem quer dividir, somar. Nem como quem quer tocar, conduzir. Quer-se, apenas, afirmar. Pontuar. Corrigir.

É tão estranha essa nova modalidade de expressão, que não se fala mais através de palavras. Fala-se com os dedos, estes bem esticados e apontados para aquele que também quer apontar. Até porque, ele também pode. Todos podem. E ninguém sabe o que fazer com este poder.

É tanta informação acumulada, concentrada e anotada, que a boca espuma de vontade de falar. Assim como um cão que rosna enfurecidamente antes do ataque, enchemos o nosso coração de um fervor sem motivo justificável.

Contudo, convido vocês a se perguntarem (não para os outros, e sim para você mesmo): quando foi a última vez que tomei alguma atitude que não fosse para mostrar a alguém? Que não fosse para provar algo a alguém? Que não fosse para ser registrado? Quando foi a última vez que fiz algo de mim, para mim?

Pois são nestes pequenos intervalos, nestes pequenos momentos, onde não desejo um aplauso (hoje também conhecido como “curtida”), uma resposta ou reconhecimento é que se encontra a verdadeira liberdade de expressão. Liberdade de ser.


O resto, meu amigo, não se engane. É perda de tempo.

quinta-feira, 10 de março de 2016

RESENHA DO LIVRO "ÁGUA VIVA" DE CLARICE LISPECTOR - CANAL NO YOUTUBE

Bom, pessoal, agora, para aqueles que gostam, as minhas resenhas também estarão disponíveis no meu canal no youtube:


A Resenha foi do livro "ÁGUA VIVA" da Clarice Lispector, o melhor livro que já li em toda minha vida!

(FONTE: http://lelivros.website/wp-content/uploads/2015/04/Baixar-Livro-Agua-viva-Clarice-Lispector-em-Pdf-mobi-e-epub.jpg)


Preparem-se, pois este livro tocará seu coração.

Clarice (que dispensa apresentações), em “Água Viva”, não se utilizou de qualquer tipo de enredo para contar sua história, mas trouxe para dentro deste livro o que há de mais sublime em um ser humano: o sentimento.

O cantor Cazuza declarou em uma entrevista que lera “Água Viva” 127 vezes. E é de tamanha profundidade as introspecções contidas neste livro, que, a cada vez que lemos, parece que uma nova história é contada.

É um livro pequeno, de frases curtas, aquele tipo de leitura que é feita em “uma sentada”, mas que carregamos pela vida inteira.

Os erros ortográficos, a formatação do livro, tudo foi propositalmente colocado pela autora. Clarice queria um livro onde pudesse mostrar como era o seu interior. O que passava pela sua cabeça.

Àqueles que já gostam de Clarice Lispector, irão admirá-la ainda mais. Àqueles que ainda não a conhecem, eis uma boa forma de “encontrá-la”. E encontrar a si mesmo.
"E com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. (...) Porque ninguém me prende mais." (TRECHO DO LIVRO) Boa leitura! J

segunda-feira, 7 de março de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 06 - Quem está do lado de Marina?

(FONTE: https://www.google.com.br/search?q=%C3%B3culos+de+grau&biw=1366&bih=667&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiny52I_q_LAhXLGpAKHcmcDsAQ_AUIBigB#tbm=isch&q=escrit%C3%B3rio+em+mogno&imgrc=Fc1toY7gmN1vUM%3A)

(Leia o capítulo 05 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-05.html)

Não existe coisa mais estranha que o cérebro humano, meus caros. Eu que tanto o estudei posso lhes dizer com toda a certeza que se existe alguma coisa que pode e vai acabar com você, se você não tiver um pleno controle sobre ela, esta coisa é a sua mente.

Foi este um dos motivos que me fez abandonar a carreira de Psiquiatra e começar com as minhas pesquisas para avanços cirúrgicos. Era drama demais para mim.

O fato é que quando você atinge um determinado patamar de controle mental, mesmo que este controle ultrapasse os limites esperados pela sociedade, como é o meu caso, você acaba entediando-se com facilidade quando se trata das lamúrias humanas obsessivas.

Sra. Camille estava há a mais de quarenta minutos lamentando-se, chorando e esperando que eu resolvesse aquela situação. E eu, claramente ouvindo tudo aquilo que ela me falava, estava profundamente entediada.

Mas uma coisa era certa: o choro de Sra. Camille me entediava, mas o sofrimento e trauma que Delegado Phillip estava passando excitava-me de tal maneira que perdi um pouco de meu controle e insisti várias vezes para que pudesse ir até a cada de Phillip e conversar com ele.

Camille negava com veemência. Não era por que ela não queria, ela me dizia gesticulando com as mãos. O problema é que Nicolle morava com eles, Nicolle, Eric, e o pequeno Louis.

Tentei argumentar que poderia aparecer por lá quando Nicolle não estivesse, ou que então ela levasse Phillip até meu consultório sem que ela soubesse, tudo pelo bem de meu querido vizinho, que precisava de ajuda.

Camille, entretanto, contra argumentava dizendo que não poderia fazer nada escondido da filha, pois somente ela ficara ao seu lado durante todos esses anos em que o marido estava longe de casa, que Nicolle colocara tudo de lado para voltar a morar com a mãe e não deixa-la sozinha, que seria uma traição esconder alguma coisa dela neste momento.

- Bom, Sra. Camille, espero que não me entenda mal, mas não vejo motivo então para você vir até minha casa. Se não quer que eu vá examina-lo, se não quer que ele venha até o meu consultório para que eu possa conversar com ele, não sei como eu poderei ajuda-la.

Mas Camille sabia o que eu podia fazer para ajudar: procurar e fazer uma lista dos melhores médicos do país para que ela pudesse levar o marido.

- Sinto muito, Sra. Camille. Mas isto eu não posso fazer por você. – disse com seriedade e calma, enquanto me levantava e encaminhava Camille para a porta de minha casa.

- Mas, por quê, Marina? – Camille parecia incrédula.

- Porque, Sra. Camille, eu sou a melhor médica do país em referência de pesquisas. Você não vai achar ninguém melhor do que eu. Mas eu te desejo boa sorte: caso o encontre, por favor passe o meu número. Adoraria conhecer uma pessoa que eu pudesse chamar de concorrente.

O meu tom era de arrogância, mas o teor de minha fala era a mais pura verdade. Não era fácil competir com uma pessoa que sofreu nenhum problema sério que perturbasse seus estudos – no meu caso, eu sofrera grandes problemas, porém nunca os sentira -, que sempre estudara nas melhores escolas, que fizera a melhor faculdade e a melhor residência e especializações, que tinha dinheiro e suporte para manter o maior e mais moderno laboratório de pesquisa do país.

E, que acima de tudo, que não tinha medo dos efeitos colaterais de suas pesquisas, e nem de perder um de seus pacientes.

A verdade é que eu ainda não podia chamar Phillip de um efeito colateral da minha pesquisa, já que ainda não havia o examinado. Todavia, sabia que poderia esperar por algo grave.

Afinal de contas, Phillip podia não se lembrar de mim, nem onde ele estive nestes últimos três anos, mas ele se lembrava de “A Mortífera”.

Estava vivendo uma mistura de tensão, e ao mesmo tempo êxtase, pois inflara meu ego sabe que o trauma fora tão forte que nem a hipnose associada com o despejo de drogas conseguiram apagar aquilo da mente dele.

E sabe por que, meus caros, ele não conseguira esquecer-se de tudo? Porque lá no fundo, bem lá no fundo remeto de seu subconsciente, ele não queria. Porque lá, bem em um cantinho escondido, sua mente se sabotava ao ponto de querer que ele continuasse revivendo a humilhação que ele passou.

E apesar de um pouco tensa, não havia o que fazer. Eu não me arriscaria tentando me encontrar com ele, apenas esperaria que ele visitasse uns dois ou três médicos, e então, como todos aconselhariam Camille que ele viesse até a mim, meu cordeiro entraria de olhos fechados dentro da boca do leão. Neste caso específico, leoa.

O decorrer das semanas seguintes foi excelente para mim: trabalhos, pesquisas, pacientes, e Marco. Ah, meus caros, Marco me estava saindo melhor que a encomenda.

Nossos encontros estavam se tornando tão frequentes que passaram ser diários. Todas às noites fazíamos algo, e estava começando a me sentir a vontade em fazer coisas casuais, como, por exemplo, comer comida Tailandesa às quartas-feiras, ir ao teatro aos sábados e passar o domingo em sua casa.

Uma das poucas coisas que me deixara incomodada no começo, mas que depois acabei esquecendo, fora a sua casa. E o seus carros e motos. E o seu barco.

Marco tinha um poder aquisitivo muito alto, aliás, o padrão de vida de Marco era muito maior do que o meu, e olha que meu pai era um narcotraficante bem estabelecido e nunca descoberto pela polícia.

E Marco era apenas um Oficial aposentado, com uma vida cheia de luxo em que ele parecia não se importar. Era quase como se ele já tivesse nascido com tudo aquilo, e, assim como eu, se acostumado com todo o conforto.

Marco me contara que seu pai também era viúvo, como o meu, e que ele era dono de uma grande rede de franquias, mas nunca entrou em detalhes. Pouco me importava também, até aquele momento, quem era o pai de Marco, porque eu só tinha olhos para ele.

É estranho dizer isso a você, meu leitor, mas acho que houve momentos em que eu realmente estive apaixonada por ele. Mais para frente você vai acreditar que não, mas eu lhes digo, com toda a sinceridade do mundo, que nem tudo ali foi mentira.

Marco era bom comigo. Não o bom que estava acostumada a receber de todos, não o bom e velho sorriso de compaixão, ou o entusiasmo de estar na minha presença. Não, Marco parecia me enxergar através dos meus olhos, e parecia gostar e aceitar como seu tudo aquilo que ele enxergava em mim.

Várias vezes senti vontade de contar para ele quem eu era, as coisas que gostava de fazer de verdade, porque eu sentia que se eu lhe contasse quem eu era, ele também haveria de revelar o segredo que eu tanto sentia que ele carregava para si.

Mas nem preciso lhes falar que nunca ousei lhe dizer nada. No fundo, no fundo, eu estava começando a sentir aquele receio que as pessoas normais costumam sentir: que se ele soubesse mesmo quem eu era, que ele não se identificaria comigo, e iria embora.

- O que tanto você pensa, hein, Dra. Marina Shadda? – Marco era um bom observador.
- Às vezes eu fico pensando nas coisas em que já fiz, Marco, e...
- ... E você fez o que precisava ser feito, e por isso mesmo você não precisa ficar se lembrando disso.
- Eu não estou falando da sua perna, Marco...
- Eu sei disso, minha linda, eu sei disso. Mas independente do que você esteja pensando, saiba que a sua vida não precisa se resumir àquilo que você fez até hoje.
- Mas eu não sei ser outra coisa, Marco. Eu sou incapaz de aprender a ser diferente.
- Você já está sendo, Marina. Pelo menos quando está comigo, você está sendo diferente. E é por isso que estamos juntos. Porque eu sei que dentro de você há um espaço para um mundo diferente do que você já viveu.

Fiquei boquiaberta. Não sabia se Marco estava apenas devaneando, ou se realmente me conhecia. Mas o fato era que a carapuça estava servindo. E eu não gostava nenhum pouco de emboscadas.

Pedi para que Marco me deixasse em casa, e durante todo o trajeto fui sem dizer nenhuma palavra. Eu sabia que quanto mais me aproximasse de Marco, mais riscos correria, e mais vontade eu teria de revelar mina vida.

Mas quanto mais próxima eu ficava dele, e mais perto do perigo eu me sentia, mais fundo eu queria adentrar naquela relação.

Marco acreditava que eu poderia ser diferente junto com ele, mas será que ele tinha noção do que ele acreditava? Quem estava enganado em relação ao outro, era ele em relação a mim? Ou eu em relação a ele.

Não demorou muitos minutos para que eu recebesse a minha resposta, pois assim que me despedi dele, meu pai me esperava para ter uma conversa franca.

- Você precisa se afastar deste rapaz o quanto antes?
- Ora, papai! Não acredito que você está com ciúmes! Você sabe que eu preciso manter as aparências. Assim como você, o mundo exige coisas de mim! Você nunca se importou...
- Minha linda, ele não gosta de você. Ele está lhe usando.
- E você diz isso baseado em quê, Ricky Shadda? – fechei a feição, pois não gostava de ser contrariada.
- Baseado no fato de que ele é o filho de Christopher. Sim, Marina, de Christopher, do pior traficante deste país, que inclusive está preso. Do Christopher que pagaria com uma ilha em Bora-Bora só para que alguém lhe relevasse a minha identidade. Do Christopher que iniciou a guerra civil na África, lugar onde provavelmente vou cortou fora a perna deste vagabundo. E aí, minha filhota, será que a sociedade vale a pena o bastante?


E esta foi a primeira vez em minha vida em que eu fui pega de surpresa. Primeira vez, meus caros, porque muitas ainda virão.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 05: Meu prêmio

(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=motorcycle&biw=1366&bih=643&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj2hfyuy53LAhVJvZAKHfy-CJ4Q_AUIBigB#imgrc=bRV3m41RkhEEzM%3A)


(Leia o capítulo 04 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-04-segunda-chance.html)

Não demorou mais que dois minutos para que Eric terminasse de se vestir, e às pressas, ao mesmo tempo se desculpando, deixasse minha casa para ir de encontro a sua família.

- Marina, eu sei que eu acabei de... - enquanto abotoava a camisa, me olhava com um sorriso amarelo. - Eu sei que acabei de prometer a você, mas, eu espero que você me entenda. Meu sogro acabou de voltar e... E... - ele não sabia como dizer aquelas palavras.

- E Nicolle precisa de você. E você não vai abandona-la neste momento complicado. - abaixei a cabeça para parecer decepcionada, mas a verdade é que eu precisava encontrar alguma maneira para esconder o riso. Aquela história estava ficando boa demais.

- Me perdoe, minha linda. Assim que as coisas acalmarem eu vou arrumar um jeito, e nós vamos ficar juntos! - Eric segurou e apertou minhas duas mãos com força. - E enquanto isso...

- E enquanto isso, Eric, você e eu vamos fingir que nada disso aconteceu, e eu espero que você saiba assumir e respeitar a família que tem. E não só a sua família, mas também a minha pessoa. Eu também sou um ser humano que passa por muitos momentos difíceis e preciso de respeito. Espero que você nunca mais apareça em minha casa, e muito menos da maneira como o fez. - era um imensurável prazer descarregar aquelas palavras e ver Eric boquiaberto. A personagem que eu apresentava ser jamais se colocaria em uma posição de amante. Repito-lhes, a personagem! Porque a verdadeira Marina estava disposta a tudo para ver Nicolle sofrer um pouco mais. Quanto mais, melhor...

E, quando enfim, terminei meu banho e enxugava meus cabelos, para que pudesse dormir, já que o dia seguinte seria um longo dia de trabalho, meu celular tocou, e era Marco, marcando um encontro para nós dois no final de semana. Aceitei, sem mais delongas, e tive, como todas os dias, um boa e longa noite de sono, sem sonhos.

Acordei com o braço de meu pai em minha cintura, e sua outra mão tirando meu cabelo de cima de meus ombros, para que ele pudesse dar suaves beijos em minha nuca.

- Senti tantas saudades, minha linda... 

Eu sei, meus caros. Eu também detesto o termo "minha linda", porém, os homens de minha vida pareciam não entender isso, e insistir em usar o dito cujo sempre.

E sim, meus caros, eu e meu pai éramos amantes fieis. Afinal de contas, quem era o responsável por eu ter me tornado o que era? Quem sempre fechara os olhos diante dos primeiros sinais de minha doença, e permanecera assim, inclusive quando minha mãe se matara?

Sim, porque ele sabia exatamente que quem influenciara minha mãe ao suicídio era sua pequena filha. Ele assistira a tudo, calado, e porque não, com um olhar de aprovação.

Papai era tão doente quanto eu. O que nos diferenciava era que sua doença o prendia ao sexo com sua filha. A psicopatia, pelo contrário, não me acorrentava a nada. Apenas me fazia sentir dona de mim. E do mundo.

E enquanto isso, eu fingia amar aquele louco, enquanto ele fazia tudo por mim. Enquanto ele me protegia, me servia, me dava sua benção para cada uma de minhas ideias. Ele era o único que me conhecia de verdade, e era a ele que devia toda a minha existência. Então, por que não satisfazê-lo quando assim o desejasse? Era ou não era uma excelente filha?

No mais, tive uma semana tranquila, em que tive a oportunidade de, alegremente, cumprir com as minhas atividades e seguir a minha tão amada rotina. Até que, por fim, o final de semana chegara, e eu, pontualmente às 10 da manhã, estava pronta, esperando para que Marco me buscasse. 

Exatamente há três minutos de espera, Marco chegou, e acreditem se quiserem, ele estava dirigindo um moto!

- Por esta eu não esperava, Marco! Que felicidade em vê-lo assim! - segurava as duas mãos juntas escondendo a boca, surpresa pela cena que vira.

- Eu quero saber é se a Dra. terá coragem de subir na garupa para fazer este passeio comigo! - Marco, gentilmente, estendeu-me a mão.

- Digamos, Marco, que eu não sou uma pessoa que tenha muitos medos. Coragem é uma coisa que nunca faltou em mim.

Não sabia para onde íamos, e nem a que hora voltaríamos. Mas aquilo não me importava. Aquele seria um encontro crucial para que eu pudesse analisa-lo, e decidir se ele seria mesmo o companheiro que assumiria perante os demais mortais.

Acontece que as coisas não saíram conforme o meu planejamento. Para a verdade, do momento em que subi na garupa e começamos o nosso passeio, perdi completamente o controle da situação.

E quando falo assim, não é que coisas ruins aconteceram, ou que em algum momento eu me senti desconfortável. Muito pelo contrário, foi uma das poucas vezes em toda minha vida que me diverti de verdade. Em que não precisei fingir o riso, e foi a primeira vez que durante um fim de tarde, eu adormeci ao som da natureza.

Parece aquelas famosas cenas de filmes românticos, onde o encontro é aquela cena maravilhosa de uma tarde perfeita, onde ambos se apaixonam e dali decidem viver juntos e felizes para sempre.

O meu foi um pouco parecido com isso, com algumas exceções, é claro. Tomamos um belo porre em um pub irlandês, que eu não fazia ideia que existia na cidade, e custava a andar quando saímos dali.

É claro que antes disso o álcool fez seu efeito sobre mim, e eu dancei com Marco, beijei-o várias vezes, e, inclusive, pedi a ele para que eu pudesse passar minha língua sobre sua prótese.

Eu sei, isto parece loucura. Todavia Marco parecia não se importar. Ele estava tão alegre quanto eu e se deixou levar pelo momento. E digo mais, Marco, assim como eu, parecia estudar-me, como se também estivesse à procura de alguém para ter consigo. Uma aliada.

Uma parte de mim poderia até achar que ele era alguém como eu, mas seus olhos não me enganavam. Eu reconheceria um irmão de alma a quilômetros de distância, pois nosso olhar era sempre fixo, intenso, e, contudo, vazio.

Marco não era assim. Marco tinha vida, brilho, e tudo que representasse coisas boas em seu olhar. Era perceptível que aquele era um homem muito além de nosso tempo. 

Ele não se importava com a sua amputação, tanto que adaptara uma moto para que continuasse fazendo seus passeios, viagens. Marco tinha uma força de vontade inacreditável.

E mais do que isso, ele me ouvira. Vocês devem saber o quanto é difícil hoje encontrarmos alguém, mesmo que seja em amizades, que nos escute de verdade. Que queira nos ouvir. Que queira saber de nós.

E no meu caso, não era pela carência humana, necessidade de afeto e companhia. A minha ânsia de ser ouvida é para que ele me conhecesse, para que ele se assustasse. E me temesse. E de repente, estivesse tão ligado a mim que não conseguisse se livrar da vontade de parar a pensar ao meu respeito.

E quanto mais eu tentava, mais eu parecia me perder em meus planos. Marco apenas me apreciava, sem me enviar maiores detalhes a respeito de seu pensamento. Entretanto, me deixava livre. Para falar, para dançar, para sorrir. 

Pensei por um momento que aquilo deveria ser mais ou menos o que as pessoas sentem quando estão apaixonadas. Eu precisava transar com ele para ter certeza daquilo.

Mas antes disso, enquanto estávamos sentados no parque, esperando que nossa embriaguez passasse para irmos embora, eu adormeci em seu colo, e nem faço ideia por quanto tempo foi.

Quando acordei, estava um pouco zonza e me sentia mal, o que não impediu que eu dissesse:

- Quero dormir em sua casa hoje. - disse-lhe, enquanto tocava o indicador em seu rosto.

- Acho melhor não, Dra. 

- E por que não, Marco? 

- Porque não gostaria de que você tivesse a impressão de que eu a embebedei, e depois a trouxe para minha casa. Você amputou a minha perna quando estava sóbria, imagina o que poderia acontecer se eu a desagradasse com você bêbada? - Marco sorria maliciosamente. Era como se ele, de alguma forma, soubesse quem eu era, e o prazer que sentira ao cortar-lhe o membro.

E no final das contas, Marco acabou dormindo em minha casa, e quando acordei no domingo, tive certeza que o que tínhamos ali era algo que ia além de um porre de adultos. Estava começando a me preocupar.

Pedi que Fiel 02 fizesse um café-da-manhã simples, e antes das oito da manhã, me despedi de Marco com um beijo, e ele ficou de ligar para nos encontrarmos novamente.

Tentei estudar na parte da manhã, sem êxito, já que não parava de pensar no meu dia anterior. E, obviamente, em Marco. Que diabos estava acontecendo comigo?

Preocupada com a minha falta de disciplina, logo corri  e peguei meu portfólio de pessoas. Tinha certeza que se matasse alguém, eu voltaria automaticamente ao meu normal.

O fato era que até para escolher uma pessoa eu estava sentindo dificuldades.

O Universo, então, pareceu entender a minha angústia, e a campainha tocou. Era a Sra. Camille de Ray, mãe de Nicolle e espoca de meu querido amigo Phillip. Ela precisava falar comigo em particular, e com urgência.

Guardei meu portfólio e pedi para que ela entrasse na biblioteca que ficava no andar térreo de minha casa.

- Marina, eu sei que você guarda muitas mágoas de minha família por conta do que Nicolle fez, mas você é uma das melhores médicas do país, e eu não sei o que fazer , e nem a quem recorrer. Peço para que você coloque de lado as nossas diferenças, e ajude o meu marido.

- Mas o que está acontecendo, Sra. Camille? - perguntei, enquanto posicionava meus óculos de leitura no rosto.

- Eu nem sei como começo a lhe explicar... Ele, você sabe, ele apareceu do nada, como se nunca tivesse desaparecido. 

- Sim.

- Ele sabe que foi sequestrado, que esteve fora por um bom tempo, e inclusive, não sei se lhe contaram, ele apareceu COMPLETAMENTE NU na porta de minha casa. 

- Sim, eu fiquei sabendo. E lamento muito. - havia me esquecido deste pequeno detalhe quando o libertei. Não exigi que ele vestisse nada.

- Até aí tudo bem. Acontece que ele não se lembra de nada! De nada mesmo! Aonde ele ficou, quem o sequestrou, como era o lugar... nada! Nenhuma pista, nenhum indício, estamos de mãos atadas! Mas como eu lhe disse, até aí tudo bem. Ele pareceu voltar normal, e ter meu marido em casa, com vida, era tudo que eu mais desejava. Os médicos me disseram que esta amnésia era normal, e eu entendi, lógico. - Sra. Camille não conseguia olhar em meus olhos para dizer o que estava prestes a falar. - Mas aí, no terceiro dia em que ele voltou, ele quis ter intimidades comigo, o que me encheu de alegria! Só que ele queria umas coisas tão, tão... - Sra. Camille caiu em prantos.

- O que foi que aconteceu entre vocês dois, Camille?

- Nada, Marina, nada! Eu prometo! Mas ele queria que eu o acorrentasse pelo pescoço, como se ele fosse um tigre, ou um cachorro bravo. E ele não me chamava pelo nome em hora nenhuma. Estava achando aquilo tão estranho... E aí... - Sra. Camille estava custando a conversar.

- Respire fundo, Sra, Camille. Não se preocupe. Eu estou aqui para ajudar você. - segurei sua mão com carinho, e fixei meu olhar em seu rosto até que ela também me olhasse nos olhos.

- Marina, eu tenho acordado toda noite, de madrugada, e ele nunca está na cama. Da primeira vez, custei a achá-lo. Mas agora, nem penso duas vezes: desço até o porão de minha casa, e lá, está ele, nu, de quatro, olhando fixamente para o chão. E quando eu o perguntou o que ele está fazendo ali...

Eu já sabia o que ela iria responder, mas precisava ouvir com suas próprias palavras.

-... ele apenas me responde que está obedecendo as ordens da pessoa mais importante da vida dele: A MORTÍFERA.

É, meus caros, esta fora a primeira vez em que eu ouvira meu apelido sendo dito. Foi mágico.