quinta-feira, 18 de setembro de 2014

DESABROCHAR;

                                                                            (FOTO: https://www.flickr.com/photos/sinuskumar/5541661829)


Queria poder lhe contar uma história. Destas que se abre o papel e quer-se comer a folha, as palavras, pois o enredo sistematizado é de tamanho envolvimento que anseia-se pelo fim como quem anseia pelo fim da espera.

Contudo, não sou capaz de contar tal narrativa. Aqui, dentro deste papel, não se tem vontade de comer a folha e as palavras. Porque, em resumo, a folha e as palavras foram o que me tornei.

De tanto tempo em contato, acabei por me absorver naquilo que seria impossível. Impossível que se tornou ser. De tanto tempo e contato, de tantos dedos e pele, tornei-me apenas tinta, e esta se tornou aquilo que chamo de "eu".

Mas como posso deixar que esta tinta transforme-se em algo que ainda não conheço? Pois deixá-la ser aquilo que chamo de "eu" sem saber o que este "eu" realmente significa, seria o mesmo que despedir-se de mim para que outro a fosse. E que eu acabasse me tornando a outra.

Preferi então coexistir. Preferi e escolhi tornar-me um ser duplo, onde metade é gente, e a outra metade é aquilo que prefiro não falar.

A outra metade é aquilo que escondo, que tranco as sete chaves, e que ao final, acabo escrevendo.

Escrevo porque "aquilo" - que faz parte de mim e é o "sujeito-ser" no mais simples sentido da palavra - precisa sair.

"Eu" precisa sair de mim para que eu seja "eu sozinha".

Não me importo com o olhar que me dará, Marujo, pois sei que você há de me entender desta vez. Preciso me desprender deste corpo para que "eu" se encontre.

E quem sabe, então, desprendida - ou fugida -, eu não consiga fazer com que aquela tinta se torna aquilo que um dia esperei de mim.

Quem sabe assim, com "aquilo" aparecendo, eu não seja como a flor que se abre, desabrocha, e perfuma a vida, trazendo-lhe a frase: "Estou pronta."

"Estou pronta, Marujo!". Estou pronta, sem pétalas a abrir, mas com mãos e dedos sujos de tinta, que recitam as palavras: "Estou livre... e em paz."