segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 05: Meu prêmio

(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=motorcycle&biw=1366&bih=643&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj2hfyuy53LAhVJvZAKHfy-CJ4Q_AUIBigB#imgrc=bRV3m41RkhEEzM%3A)


(Leia o capítulo 04 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-04-segunda-chance.html)

Não demorou mais que dois minutos para que Eric terminasse de se vestir, e às pressas, ao mesmo tempo se desculpando, deixasse minha casa para ir de encontro a sua família.

- Marina, eu sei que eu acabei de... - enquanto abotoava a camisa, me olhava com um sorriso amarelo. - Eu sei que acabei de prometer a você, mas, eu espero que você me entenda. Meu sogro acabou de voltar e... E... - ele não sabia como dizer aquelas palavras.

- E Nicolle precisa de você. E você não vai abandona-la neste momento complicado. - abaixei a cabeça para parecer decepcionada, mas a verdade é que eu precisava encontrar alguma maneira para esconder o riso. Aquela história estava ficando boa demais.

- Me perdoe, minha linda. Assim que as coisas acalmarem eu vou arrumar um jeito, e nós vamos ficar juntos! - Eric segurou e apertou minhas duas mãos com força. - E enquanto isso...

- E enquanto isso, Eric, você e eu vamos fingir que nada disso aconteceu, e eu espero que você saiba assumir e respeitar a família que tem. E não só a sua família, mas também a minha pessoa. Eu também sou um ser humano que passa por muitos momentos difíceis e preciso de respeito. Espero que você nunca mais apareça em minha casa, e muito menos da maneira como o fez. - era um imensurável prazer descarregar aquelas palavras e ver Eric boquiaberto. A personagem que eu apresentava ser jamais se colocaria em uma posição de amante. Repito-lhes, a personagem! Porque a verdadeira Marina estava disposta a tudo para ver Nicolle sofrer um pouco mais. Quanto mais, melhor...

E, quando enfim, terminei meu banho e enxugava meus cabelos, para que pudesse dormir, já que o dia seguinte seria um longo dia de trabalho, meu celular tocou, e era Marco, marcando um encontro para nós dois no final de semana. Aceitei, sem mais delongas, e tive, como todas os dias, um boa e longa noite de sono, sem sonhos.

Acordei com o braço de meu pai em minha cintura, e sua outra mão tirando meu cabelo de cima de meus ombros, para que ele pudesse dar suaves beijos em minha nuca.

- Senti tantas saudades, minha linda... 

Eu sei, meus caros. Eu também detesto o termo "minha linda", porém, os homens de minha vida pareciam não entender isso, e insistir em usar o dito cujo sempre.

E sim, meus caros, eu e meu pai éramos amantes fieis. Afinal de contas, quem era o responsável por eu ter me tornado o que era? Quem sempre fechara os olhos diante dos primeiros sinais de minha doença, e permanecera assim, inclusive quando minha mãe se matara?

Sim, porque ele sabia exatamente que quem influenciara minha mãe ao suicídio era sua pequena filha. Ele assistira a tudo, calado, e porque não, com um olhar de aprovação.

Papai era tão doente quanto eu. O que nos diferenciava era que sua doença o prendia ao sexo com sua filha. A psicopatia, pelo contrário, não me acorrentava a nada. Apenas me fazia sentir dona de mim. E do mundo.

E enquanto isso, eu fingia amar aquele louco, enquanto ele fazia tudo por mim. Enquanto ele me protegia, me servia, me dava sua benção para cada uma de minhas ideias. Ele era o único que me conhecia de verdade, e era a ele que devia toda a minha existência. Então, por que não satisfazê-lo quando assim o desejasse? Era ou não era uma excelente filha?

No mais, tive uma semana tranquila, em que tive a oportunidade de, alegremente, cumprir com as minhas atividades e seguir a minha tão amada rotina. Até que, por fim, o final de semana chegara, e eu, pontualmente às 10 da manhã, estava pronta, esperando para que Marco me buscasse. 

Exatamente há três minutos de espera, Marco chegou, e acreditem se quiserem, ele estava dirigindo um moto!

- Por esta eu não esperava, Marco! Que felicidade em vê-lo assim! - segurava as duas mãos juntas escondendo a boca, surpresa pela cena que vira.

- Eu quero saber é se a Dra. terá coragem de subir na garupa para fazer este passeio comigo! - Marco, gentilmente, estendeu-me a mão.

- Digamos, Marco, que eu não sou uma pessoa que tenha muitos medos. Coragem é uma coisa que nunca faltou em mim.

Não sabia para onde íamos, e nem a que hora voltaríamos. Mas aquilo não me importava. Aquele seria um encontro crucial para que eu pudesse analisa-lo, e decidir se ele seria mesmo o companheiro que assumiria perante os demais mortais.

Acontece que as coisas não saíram conforme o meu planejamento. Para a verdade, do momento em que subi na garupa e começamos o nosso passeio, perdi completamente o controle da situação.

E quando falo assim, não é que coisas ruins aconteceram, ou que em algum momento eu me senti desconfortável. Muito pelo contrário, foi uma das poucas vezes em toda minha vida que me diverti de verdade. Em que não precisei fingir o riso, e foi a primeira vez que durante um fim de tarde, eu adormeci ao som da natureza.

Parece aquelas famosas cenas de filmes românticos, onde o encontro é aquela cena maravilhosa de uma tarde perfeita, onde ambos se apaixonam e dali decidem viver juntos e felizes para sempre.

O meu foi um pouco parecido com isso, com algumas exceções, é claro. Tomamos um belo porre em um pub irlandês, que eu não fazia ideia que existia na cidade, e custava a andar quando saímos dali.

É claro que antes disso o álcool fez seu efeito sobre mim, e eu dancei com Marco, beijei-o várias vezes, e, inclusive, pedi a ele para que eu pudesse passar minha língua sobre sua prótese.

Eu sei, isto parece loucura. Todavia Marco parecia não se importar. Ele estava tão alegre quanto eu e se deixou levar pelo momento. E digo mais, Marco, assim como eu, parecia estudar-me, como se também estivesse à procura de alguém para ter consigo. Uma aliada.

Uma parte de mim poderia até achar que ele era alguém como eu, mas seus olhos não me enganavam. Eu reconheceria um irmão de alma a quilômetros de distância, pois nosso olhar era sempre fixo, intenso, e, contudo, vazio.

Marco não era assim. Marco tinha vida, brilho, e tudo que representasse coisas boas em seu olhar. Era perceptível que aquele era um homem muito além de nosso tempo. 

Ele não se importava com a sua amputação, tanto que adaptara uma moto para que continuasse fazendo seus passeios, viagens. Marco tinha uma força de vontade inacreditável.

E mais do que isso, ele me ouvira. Vocês devem saber o quanto é difícil hoje encontrarmos alguém, mesmo que seja em amizades, que nos escute de verdade. Que queira nos ouvir. Que queira saber de nós.

E no meu caso, não era pela carência humana, necessidade de afeto e companhia. A minha ânsia de ser ouvida é para que ele me conhecesse, para que ele se assustasse. E me temesse. E de repente, estivesse tão ligado a mim que não conseguisse se livrar da vontade de parar a pensar ao meu respeito.

E quanto mais eu tentava, mais eu parecia me perder em meus planos. Marco apenas me apreciava, sem me enviar maiores detalhes a respeito de seu pensamento. Entretanto, me deixava livre. Para falar, para dançar, para sorrir. 

Pensei por um momento que aquilo deveria ser mais ou menos o que as pessoas sentem quando estão apaixonadas. Eu precisava transar com ele para ter certeza daquilo.

Mas antes disso, enquanto estávamos sentados no parque, esperando que nossa embriaguez passasse para irmos embora, eu adormeci em seu colo, e nem faço ideia por quanto tempo foi.

Quando acordei, estava um pouco zonza e me sentia mal, o que não impediu que eu dissesse:

- Quero dormir em sua casa hoje. - disse-lhe, enquanto tocava o indicador em seu rosto.

- Acho melhor não, Dra. 

- E por que não, Marco? 

- Porque não gostaria de que você tivesse a impressão de que eu a embebedei, e depois a trouxe para minha casa. Você amputou a minha perna quando estava sóbria, imagina o que poderia acontecer se eu a desagradasse com você bêbada? - Marco sorria maliciosamente. Era como se ele, de alguma forma, soubesse quem eu era, e o prazer que sentira ao cortar-lhe o membro.

E no final das contas, Marco acabou dormindo em minha casa, e quando acordei no domingo, tive certeza que o que tínhamos ali era algo que ia além de um porre de adultos. Estava começando a me preocupar.

Pedi que Fiel 02 fizesse um café-da-manhã simples, e antes das oito da manhã, me despedi de Marco com um beijo, e ele ficou de ligar para nos encontrarmos novamente.

Tentei estudar na parte da manhã, sem êxito, já que não parava de pensar no meu dia anterior. E, obviamente, em Marco. Que diabos estava acontecendo comigo?

Preocupada com a minha falta de disciplina, logo corri  e peguei meu portfólio de pessoas. Tinha certeza que se matasse alguém, eu voltaria automaticamente ao meu normal.

O fato era que até para escolher uma pessoa eu estava sentindo dificuldades.

O Universo, então, pareceu entender a minha angústia, e a campainha tocou. Era a Sra. Camille de Ray, mãe de Nicolle e espoca de meu querido amigo Phillip. Ela precisava falar comigo em particular, e com urgência.

Guardei meu portfólio e pedi para que ela entrasse na biblioteca que ficava no andar térreo de minha casa.

- Marina, eu sei que você guarda muitas mágoas de minha família por conta do que Nicolle fez, mas você é uma das melhores médicas do país, e eu não sei o que fazer , e nem a quem recorrer. Peço para que você coloque de lado as nossas diferenças, e ajude o meu marido.

- Mas o que está acontecendo, Sra. Camille? - perguntei, enquanto posicionava meus óculos de leitura no rosto.

- Eu nem sei como começo a lhe explicar... Ele, você sabe, ele apareceu do nada, como se nunca tivesse desaparecido. 

- Sim.

- Ele sabe que foi sequestrado, que esteve fora por um bom tempo, e inclusive, não sei se lhe contaram, ele apareceu COMPLETAMENTE NU na porta de minha casa. 

- Sim, eu fiquei sabendo. E lamento muito. - havia me esquecido deste pequeno detalhe quando o libertei. Não exigi que ele vestisse nada.

- Até aí tudo bem. Acontece que ele não se lembra de nada! De nada mesmo! Aonde ele ficou, quem o sequestrou, como era o lugar... nada! Nenhuma pista, nenhum indício, estamos de mãos atadas! Mas como eu lhe disse, até aí tudo bem. Ele pareceu voltar normal, e ter meu marido em casa, com vida, era tudo que eu mais desejava. Os médicos me disseram que esta amnésia era normal, e eu entendi, lógico. - Sra. Camille não conseguia olhar em meus olhos para dizer o que estava prestes a falar. - Mas aí, no terceiro dia em que ele voltou, ele quis ter intimidades comigo, o que me encheu de alegria! Só que ele queria umas coisas tão, tão... - Sra. Camille caiu em prantos.

- O que foi que aconteceu entre vocês dois, Camille?

- Nada, Marina, nada! Eu prometo! Mas ele queria que eu o acorrentasse pelo pescoço, como se ele fosse um tigre, ou um cachorro bravo. E ele não me chamava pelo nome em hora nenhuma. Estava achando aquilo tão estranho... E aí... - Sra. Camille estava custando a conversar.

- Respire fundo, Sra, Camille. Não se preocupe. Eu estou aqui para ajudar você. - segurei sua mão com carinho, e fixei meu olhar em seu rosto até que ela também me olhasse nos olhos.

- Marina, eu tenho acordado toda noite, de madrugada, e ele nunca está na cama. Da primeira vez, custei a achá-lo. Mas agora, nem penso duas vezes: desço até o porão de minha casa, e lá, está ele, nu, de quatro, olhando fixamente para o chão. E quando eu o perguntou o que ele está fazendo ali...

Eu já sabia o que ela iria responder, mas precisava ouvir com suas próprias palavras.

-... ele apenas me responde que está obedecendo as ordens da pessoa mais importante da vida dele: A MORTÍFERA.

É, meus caros, esta fora a primeira vez em que eu ouvira meu apelido sendo dito. Foi mágico.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

RESENHA DO LIVRO: "Como eu era antes de você" (Jojo Moyes)




Olá, pessoal, como vocês estão?

Eu, sempre com a proposta de ter aqui um espaço dedicado à literatura, resolvi criar um novo quadro de postagens no Blog: AS RESENHAS DE LIVROS.

Há algum tempo eu fazia semanalmente resenhas para o Blog da Bruna Vasques (www.brunavasques.com.br) , uma grande amiga minha, e foi ela mesma que me deu a ideia de postar resenhas por aqui, agora que resolvi voltar  com tudo as minhas postagens.


E para começarmos este novo bloco, decidi escolher um livro que está em alta, especialmente pelo fato de que logo, logo, ele estará no cinemas (e confesso que pelo o que vi do trailer, o filme será muito fiel ao livro J).

Jojo Moyes, em “Como eu era antes de você”, conta a história de Louisa Clark, que ao perder seu emprego e não conseguir mais se encaixar em outro lugar, decide aceitar a proposta de ir trabalhar como cuidadora na casa de Will Traynor.

Will Traynor é tetraplégico (sofreu uma lesão na coluna, e perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo), e a princípio, uma pessoa de coração muito endurecido, que aborrece e faz Louisa pensar em desistir do emprego. Contudo, pela necessidade do dinheiro, mesmo sendo muitas vezes maltratada por ela, ela acabava voltando no dia seguinte.

Mas com o passar do tempo, Will mostra a Louisa a melhor parte que um ser humano tem a nos oferecer: seu interior. Louisa e Will, apesar de serem de mundos completamente diferentes, acabam criando um grande laço de afeição, carinho e amor.

Prepare-se para ler um livro leve, e ao mesmo tempo, de grande profundidade. Sei que ao ler o seu prefácio, ou perguntar a alguém que já o lera como é tal história, ele parece, à primeira vista, mais um clichê onde o amor prevalece à deficiência e todos terminam felizes para sempre.


Contudo, Jojo Moyes soube exatamente o que fazer para prender a atenção do leitor, e não deixar que em momento algum tal livro se pareça com outro que você já lera. Posso lhes dizer que vocês o devorarão com gosto!

Vão sorrir, ficar apreensivos, e quem sabe até mesmo chorar (confesso que por várias vezes fechei o livro, chorei, e repensei a minha vida)! Mas, acima de tudo, irão desfrutar de uma leitura agradável, e de muitos ensinamentos.

Demorei alguns dias para ler o último capítulo (sabe quando a gente se segura, com medo de o livro não acabar da maneira em que a gente espera, e depois não ter uma continuação para aliviar a decepção??), e quando terminei o livro, senti um pouco de revolta ahah! Queria mais...



De uma escala de 0 a 5, o classifico em nota máxima, pois mereceu, de verdade!

Espero que gostem da leitura, e, vamos aguardar ansiosamente pelo filme nos cinemas!

Bom final de semana à todos, e até a próxima resenha!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 04: A Segunda Chance de Delegado Phillip

(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=hipnose&biw=1366&bih=643&tbm=isch&source=lnms&sa=X&ved=0ahUKEwi1i42yio7LAhXMIJAKHb9aAKcQ_AUIBygC#imgrc=6agkTBcBW2eAgM%3A)
         


(Para ler o capítulo anterior, clique em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-03-o-corte.html)                 Ah, meus caros, devo lhes dizer que ficara bastante animada. Aquele estava sendo um dia diferente para mim. Não flertava com alguém já fazia um bom tempo.

                   Como sou uma pessoa bem detalhista, gostaria que vocês tivessem cautela ao ler o que lhes escrevo. Quando digo flertar, estou falando no sentido literal da palavra, pois é claro que eu, no auge de minha vida adulta e sem muito com o que me entreter, era uma pessoa cuja vida era sexualmente ativa, contudo, sem aquele desprazer de ter que atuar e me apresentar como uma pessoa que condiga com tudo aquilo que aparentava ser.

                   Mas algo me dizia que Marco valeria a os momentos de fingimento. Havia algo nele que me despertava o interesse, e posso lhes afirmar que não era sua beleza, nem tampouco o fardo que carregava.
                  
                   Entretanto, senti algo enquanto ele conversava comigo que me despertou uma estranha curiosidade.

                   Porque se ele parecia ser um anjo, com certeza ele não seria. Sabia que havia algo obscuro em seu passado, algo que fosse muito grave e que não o permitira se tornar algo além de oficial do exército.

                   Sim, pois quando saí à procura juntamente com todos do acampamento, jurava que estava em busca de um comandante, ou qualquer outro desses cargos de chefia militar que tão pouco entendo. Ninguém no meio de uma guerra civil moveria todo o acampamento em busca de um mero oficial. Ninguém nunca se atreveria referir a um oficial como “a parte mais importante de nossa família”.
                   Então por qual motivo ele nunca subira de posto? Pois qualquer outro, em seu lugar, no mínimo, desistira de tal carreira caso não conseguisse.

                   Sei que o que pensava naquele momento eram apenas pequenas suspeitas, mas alia
das àquele sorriso e bela conversa que tivemos, foram suficientes para que eu investisse nele, e porque não pensasse que aquele soldado poderia se tornar meu novo companheiro.

                   Papai não ia gostar nada de saber daquilo. Contudo, pensaria em me explicar ao Sr. Shadda em outro momento. Agora tinha outra preocupação em mente: libertar Delegado Phillip para viver sua segunda chance.

                   Quando cheguei ao porão de minha casa, Phillip parecia ter perdido suas faculdades mentais. Babava, lacrimejava, e de acordo com o Fiel 04 que ficara com ele durante todo o dia, ele tivera quatro convulsões de dois minutos.

                   Sorri, mostrando os dentes, e pedi para que ele se retirasse. Seríamos só nós dois a celebrar aquele momento. Delegado Phillip seria a comprovação de meus anos de meu experimento: a mente humana poderia sim ser controlada por uma indução bem realizada.

                   Mais uma vez, com um balde de água ao meu lado, fiz a higiene de Phillip, e injetei-lhe a última droga. Bastaria esperar alguns minutos até que ele acordasse. Demorou um pouco até que seus olhos começassem a abrir.
                   Sabia que suas faculdades mentais haviam voltado, mas o fato era que ele nunca mais seria o mesmo. Parecia estar em transe, e as lágrimas escorriam de seu rosto incansavelmente.
                   Phillip ainda estava atado na cama hospitalar, e com auxílio da manivela fiz com que ele se sentasse. Sua cabeça pendia para baixo e agora ele começara a babar.
                   - Ah, Phillip, não fique assim! Sua dor já vai acabar. Vamos começar a falar sobre o que vai acontecer com você em 3, 2, 1...
                   Apertei uma campainha durante trinta segundos. O barulho era um pouco irritante, mas Phillip, pelo contrário, parecia ir tomando consciência e, então, seus olhos ficaram despertos.
                   - Agora sim, Delegado Phillip, podemos começar com o nosso trabalho. – Estava agora sentada ao seu lado, com um caderno onde fazia todas as anotações a respeito de meu estudo. – Você poderia olhar para mim por alguns instantes?
                   Delegado Phillip não hesitou em virar para mim e fixar os seus olhos dentro dos meus.
                   - Preste bem atenção em minha voz, Delegado Phillip, pois você terá de responder muitas perguntas para mim. – coloquei meu caderno de lado, e com as duas mãos, segurei o seu rosto. – Você, a partir de agora, usará todo o conhecimento de seu corpo para lhe responder o que eu lhe perguntar. Não haverá nenhuma pergunta sem resposta, e nenhuma resposta com erros.
                   Eu já estava com meu questionário em mãos, mas o sabia de cor. Perguntei-lhe enormes cálculos, fatos históricos, e inclusive perguntas em outros idiomas. Delegado Phillip, com o olhar completamente aceso, mas com o resto de seu corpo completamente em transe, ia me respondendo seriamente tudo aquilo que lhe perguntava.
                   A primeira droga que havia lhe injetado eram para estimular o seu cérebro, até um ponto em que ele ficasse em tamanha exaustão, necessitando ser comandado para continuar sobrevivendo.
                   A segunda droga era para facilitar a hipnose que fora realizada com o som da campainha. Demorou exatamente dois anos para que eu conseguisse precisar o tom e a duração da campainha para que ela causasse tal efeito.
                   E agora meu projeto estava realizado. Ao vivo e a cores, diante de mim, a prova de que agora eu era dona daquele homem, De corpo e alma.
                   A alegria era tanta que quase desisti de manda-lo de volta para sua casa. Todavia, nunca um sentimento passaria por cima de meus planos, e então prossegui:
                   - Muito bem, Delegado Phillip. Você foi muito bem nas perguntas acima. Agora chegamos a melhor parte: VOCÊ VAI ESQUECER TUDO AQUILO QUE LHE ACONTECEU NESTES ÚLTIMOS TRÊS ANOS. A PARTIR DE AGORA, A ÚNICA COISA QUE VOCÊ VAI SE LEMBRAR É QUE SEU NOME É PHILLIP, QUE SUA FUNÇÃO É DELEGADO, E QUE SUA FAMÍLIA É O BEM MAIS PRECISO QUE LHE EXISTE. Repita o que eu disse.
                   Com a mesma seriedade que teve em todas as perguntas anteriores, Phillip repetiu tudo aquilo que lhe disse, sem expressão nenhuma em seu olhar.
                   Fiz com que ele repetisse por mais de duzentos e cinquenta vezes. Até que, por fim, me senti exausta e o desatei da cama hospital.
                   - Pronto. Agora você vai esperar por uma hora. Vai se levantar desta cama, e vai voltar para sua casa. Ninguém deve ver você neste meio tempo. Ninguém enxergará você até que você volte para sua casa. Repita o que eu disse.
                   Enquanto Phillip repetia, saí do porão e fui até meu quarto. Precisava de um banho urgentemente.
                   E eu, muito satisfeita com o decorrer de meu dia, não esperava por nenhuma surpresa a mais. Desci para a sala de estar e abri um vinho para relaxar, e, com os pés descalços fui até a TV e liguei uma música para que pudesse dançar e comemorar todas as minhas vitórias até então.
                   Fechei os olhos, e permiti deixar que o álcool fizesse o seu efeito entorpecente sobre o meu corpo. Dançava lentamente, e sorria, sorria porque adorava aquela sensação em ter tudo saindo conforme o meu planejado.
                   Quando fui encher a minha taça pela quarta ou quinta vez, ao virar-me em direção da garrafa de vinho, levei um pequeno susto. Eric estava diante de mim, e me observava dançar.
                   - Você não tem ideia da falta que você fez por aqui durante este ano, Marina.
                   - Eric, o que você está fazendo aqui? Esta não é a sua casa. – precisei esforçar-me para conter meu riso. Meu dia parecia melhorar a cada minuto.
                   - Eu sei muito bem que esta não é a minha casa. Vim aqui porque queria saber se o que você falou aquele dia é verdade.
                   - O quê? Que eu ainda o amo? Que não foi fácil para mim ver você se casando com outra pessoa? Que ainda não esqueci os nossos anos de namoro? Sim, Eric, é verdade! Ou alguma vez já me vira mentindo para qualquer pessoa que fosse? – continuei fingindo estar sentida, franzi minha testa, e exaltei a voz ao falar com ele.
                   - Marina, eu jamais...
                   - Não me venha com essa mesma história de novo, Eric. Eu já sei muito bem o que aconteceu. Você me traiu, ela engravidou, e você decidiu que o mais certo era se casar com ela! Tudo isso eu já sei, já ouvi, e já aceitei! Agora eu gostaria de entender o que você ainda está fazendo aqui, diante de mim, dentro da minha casa.
                   - Eu precisava ver você de perto, Marina. – Eric abaixou a cabeça. – Você deve pensar que eu sou um cretino, e que eu nunca pensei em você, mas a verdade é que eu me arrependo profundamente de tudo. Minha intenção nunca foi vê-la sofrer, muito menos perder você. Eu... eu...
                   - Você o quê, Eric?
                   - Eu não estou conseguindo olhar para você e não fazer isso.
                   Eric me puxou pela cintura, como tinha o costume de fazer, e começou a me beijar. E não era aquele beijo terno, que se espera de alguém que ama, que sofre, que sente saudades.
                   Era aquele beijo forte, intenso, de quem deseja, precisa, e se entrega. E eu, claramente me sentindo vingada, beijei-o com vontade também.
                   E quando se trata de dois adultos, meus caros leitores, nós bem sabemos que a conversa nunca termina por aí. Arranquei-lhe a blazer, a camisa e calça, e deixei que ele fizesse o mesmo comigo.
                   Nunca gostei do modo como Eric me tocava, mas como ele sempre fora a pessoa mais adequada para que eu namorasse, fingia que gostava. E naquele dia, meus caros, foi a primeira vez, em anos, que senti, de verdade, o prazer dele em minhas entranhas.
                   Mordíamo-nos, abraçávamos-nos, parecíamos dois loucos apaixonados, mas bem sabem vocês que não o éramos.
                   Ele era ali, o frágil carneiro, que eu, tigre, pantera, leoa, devorava, arrancava pedaços, sangue, gemidos.
                   E de repente, com ele deitado no sofá, eu por cima de seu corpo, e ele atento e acariciando meu seio, vi Phillip nu passando calmamente pela sala, com o olhar fixo na porta de entrada.
                   Voltei a beijar Eric e por fim, deitei em seu peito.
                   - Eu vou voltar hoje para casa e vou dar um jeito em tudo isso, Marina. Nós vamos ficar juntos.
                   - Por favor, Eric, não faça promessas que você não vai conseguir cumprir.
                   - Eu estou falando sério, Marina. Meu filho continuará sendo meu filho independente de qualquer coisa. Mas não posso mais ficar longe de você.
                   Enquanto nos beijávamos, desta vez, de forma terna, o celular de Eric tocou. Era Nicolle, histérica:
                   - ERIC, ONDE É QUE VOCÊ ESTÁ? PARE O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AGORA E VOLTE CORRENDO PARA CASA. VOCÊ NÃO VAI ACREDITAR NO QUE ACONTECEU: O MEU PAI VOLTOU.
                   É, meus amigos, Phillip voltara para casa. Graças a mim. E agora esta história pode começar a pegar fogo.

                   
                   

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 03 – O corte

(Para ler o capítulo anterior, clique em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-02-libertacao-do.html)



(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=bisturi&biw=1366&bih=643&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwish5bG-vzKAhVLjJAKHe-2AbMQ_AUIBigB#imgrc=sZeckDgc1cvB0M%3A)



                   Confidencio a vocês que aquele foi um dia que me pegou de surpresa. Mas não se tratava de uma surpresa boa, que desperta sorrisos, esperanças. Entenda mais uma coisa a meu respeito, meu caro leitor, na vida de uma psicopata as surpresas chegam para nos fazerem pensar.
                   Deixei a medicação fluir e tomar conta do corpo de Phillip e saí de casa para começar meu primeiro dia de trabalho. Fora convidada a ministrar aulas e dar continuidade às minhas pesquisas na Universidade da capital.
                   A capital de meu estado era bem próxima de minha cidade, e não demorou mais que vinte minutos de carro para que eu já estivesse dentro do campus.
                   Para a maioria das pessoas, aquele seria um grande dia, com novas pessoas a conhecer, muitas oportunidades para chegar e, principalmente, muita vontade de começar um novo futuro em um lugar tão estruturado e com um potencial imensurável. Mas, obviamente, eu não me sentia desta forma.
                   Na realidade, eu me sentia exatamente da mesma forma todos os dias. Acordava, alongava-me, e fazia o meu rotineiro percurso de corrida. Depois, café da manhã, trabalho, almoço e pesquisas, tudo exatamente na mesma ordem. Depois, descansar, ou quando isso não era possível, como, por exemplo, quando estava morando em algum lugar com guerra civil, continuava trabalhando e operando todos aqueles que precisassem.
                   De vez em quando aparecia alguma diversão, alguma pessoa pedindo para morrer, ou para ser enganada (o que para mim era a mesma coisa, pois começa-se o assassinato muito antes de se tocar a arma fatal), mas quase sempre o dia era o mesmo.
                   Não existe muita distração para quem tem o desejo de sangue dentro de seu corpo. Nada me interessava, e o vazio que acalmava meus pensamentos, era o mesmo que me corroia diariamente. O ser humano, para se manter vivo, precisa sentir prazer. E o meu, só vinha através de duas coisas que estão, ao meu ver, intimamente ligadas: curiosidade e morte.
                   Portanto, não preciso aqui relatar detalhes sobre a minha aula naquela manhã. Basta apenas resumir a leitura de vocês dizendo que fora exatamente como o esperado. Ao final da aula, recebi inúmeros cumprimentos, elogios, e até mesmo um caixa de bombons, tudo pelo trabalho que desempenhei durante o ano que morei na África. Todos me olhavam com ternura, sentindo que o mundo ainda podia ser um lugar bom, pois havia pessoas como eu, dispostas a fazer tudo melhorar.
                   O que aqueles tolos não sabiam é que eu não era metade daquilo que eles imaginavam, e que a maioria dos lugares em que estive, principalmente aqueles com guerra civil, fora meu pai o maior financiador de todo o movimento. Eu era, ao final, apenas uma boa e velha humana, assim como eles, que suja a própria sala e varre a sujeira para debaixo de seu tapete. E pisa nele com fervor depois.
                   Saí da sala de aula sorrindo, pensando a respeito de tantas sujeiras que já havia varrido para debaixo do tapete, e em como era boa a sensação de mantê-las escondidas por todo aquele tempo.
                   E então, a poucos centímetros de mim estava o homem mais bonito que já vira em toda minha vida.
                   Encarei-o com discrição, e pude perceber que carregava um buquê de flores coloridas em suas mãos, e que sua calça jeans estava larga demais para uma pessoa do porte físico como o dele.
                   - Dra. Marina Shadda? – disse ele, aproximando-se ainda mais de mim. Ali, de perto, vi que em seu peito havia broches de condecorações.
                   - Sim, pois não? – respondi-lhe cordialmente.
                   - Eu comprei estas flores para você. Espero que lhe agrade. – o rapaz parecia ter ensaiado inúmeras vezes aquele diálogo comigo, e pelo modo como ele me olhava naquele momento, poderia afirmar que ele não conseguira falar como ele gostaria.
                   - São lindas! Muito obrigada! Mas por que mereço um presente tão especial assim? – fixei os olhos no gracioso buquê.
                   - É... – sim, estava certa, o rapaz estava realmente muito nervoso. – Dra., é... Oficial Marco! Ao seu dispor! – disse – me, batendo continência, enquanto me entregava as flores. – Esperei exatamente um ano por este dia. Preciso muito lhe agradecer. Você, hã... Perdão, a Doutora, foi quem amputou a minha perna direita.
                   Só então pude entender o motivo pelo qual ele usava calças tão largas. Ele com certeza estava vestindo suas calças sozinho, e ainda não estava habituado àquele ofício, portanto calças largas seriam mais fáceis de se vestir. Gastei alguns segundos neste devaneio, até que me lembrei de que ele acabara de me contar que perdera sua perna direita, e que fora eu a pessoa que a cortara fora. Para sempre.
                   - Você é aquele... ? – comecei a indagação, mas fui interrompida.
                   - Sim, Dra. Sou eu. Você não deve estar se lembrando de mim porque...
                   Sim, eu não estava me lembrando dele, pois quando o encontrei, no meio de uma mata bem rala, ele mais se assemelhava a uma colcha de retalhos do que a um ser humano.
                   Mas como poderia esquecer aquela cena? Era a minha terceira vez na África, e o meu primeiro dia no acampamento. Todos saíram em busca de um oficial perdido, e inclusive os médicos e enfermeiras foram atrás de seu paradeiro. Oficial Marco era o mais eficiente de todos, não tinha família, nem esposa, vivia, desde os seus dezoito anos, a serviço da humanidade.
                   Claramente, por ironia do destino, eu fui a escolhida para encontra-lo semimorto e trazê-lo de volta à vida. Confesso que não foi fácil, meus caros. Aquele homem estava em uma situação deplorável. Todavia, foi aquele breve suspiro de vida que ainda existia em sua respiração que fez com que eu me sentisse desafiada, e então, comecei a fazer o que sabia melhor: cortar, costurar e consertar.
                   - Você estava tão calma, e mesmo quando eu estava agonizando de dor, me sentia feliz em ouvir você dizer que eu sairia dali andando. Que eu voltaria a praticar esportes. Que eu seria pai de uma linda menina. – ao me recordar da cena, não prestei atenção em tudo que ele me falava, e só conseguia ouvir alguns trechos do que parecia ser uma declaração de gratidão.
                   - Eu me lembro, você me dizia que gostava de praticar esportes radicais.
                   - Infelizmente, não consigo ainda, Doutora, mas já estou andando de stand-up. – ele parecia bastante orgulhoso de sua conquista.
                   - Mesmo?! – quis parecer surpresa, mas já havia conhecido inúmeras pessoas naquela mesma situação que também levavam uma vida normal. Ele não me surpreendia, mas era bonito demais para que eu pudesse desapontá-lo naquele momento.
                   - Sim. Eu... Me perdoe por lhe dizer isso, Doutora, mas não consigo parar de pensar em você desde quando abri os olhos depois de minha cirurgia. Sei que você faz isso com todos os seus pacientes, mas eu sei que só sobrevivi por sua ajuda. Todas aquelas palavras em um momento tão difícil para mim, você me fez sentir em paz... Era como se não precisasse temer por minha vida, como se você realmente tivesse o controle de quem iria viver, e de quem iria morrer naquela noite.
                   - Eu apenas fiz o meu melhor, Oficial Marco.
                   - Não, você não fez apenas o seu melhor, Dra. Shadda. Você doou sua alma naquele momento. Você me deu a sua melhor parte para que eu pudesse ter uma segunda chance. E eu quero agradecê-la por isso.
                   Ele com certeza não devia se lembrar, mas eu jamais me esqueceria. Estava começando a escurecer, e vocês não podem acreditar em como o Sol se põe de uma vez quando precisamos de sua claridade.
                   Estava tentando voltar para o acampamento, estava perdida de meu companheiro de busca, e minha lanterna parecia estar falhando. Foi quando o encontrei. Tentei acalma-lo, mas não demorou muito para que a minha lanterna apagasse e o desespero tomasse conta dele.
                   Ao buscar seus sinais vitais, consegui fazer contato pelo transmissor e pedi ajuda. Apalpava seu corpo com cuidado em busca de novos ferimentos, até que senti sua perna.
                   Enquanto conversava com ele sobre sua vida, tentando distraí-lo, toquei-lhe a perna, que estava gelada como o inverno, e percebi que não havia mais vida ali. Sabia que se demorasse muito a chegar o socorro, ele morreria.
                   Deitei-me atrás de seu corpo, e abracei-o com gentileza, o que parecia ser uma tentativa de manter-lhe aquecido até que nossos colegas chegassem. Mas eu não estava fazendo isso, meu leitor. Eu o abraçara e acariciara os seus cabelos, pois gostava de sentir de perto o esvaziamento da vida, aquele breve minuto onde o corpo se entrega e respira pela última vez. Apenas isso. E foi então que o socorro chegou.
                  Lembro-me que a estrutura era pouca, e não tínhamos materiais de esterilização suficientes para desinfetar o corpo inteiro, portanto, desinfetei apenas a perna, e a amputei com precisão, sendo aplaudida ao final da cirurgia.
                   Um helicóptero chegou horas depois e o levou embora. Achei que ele não sobreviveria, mas ali estava a prova de que quando um trabalho é feito com perfeição e limpeza, os resultados são sempre os melhores.
                  
                   Continuamos conversando, e quando olhei em meu relógio, vi que já havia se passado meu horário de almoço, e que deveria voltar para continuar dando aulas.
                   - Perdoe-me, Doutora, não queria ter tomado tanto seu tempo.
                   - Imagine, Marco, será que já posso chama-lo assim?
                   - Mas é claro.
                   - Foi um prazer, e uma enorme alegria saber que você está tão bem.
                   - O prazer foi meu, Dra., em ter passado por suas mãos e poder estar aqui hoje, em pé, com vida, e poder revê-la. Não trocaria este momento por nada.
                   - E se eu o convidasse para tomar um café comigo? Você aceitaria, ou acharia impróprio uma médica convidar seu antigo paciente para um encontro? – sorri maliciosamente ao dizer aquelas palavras.
                   - O seu convite é uma ordem para mim, Dra. Ou será que posso chama-la de Marina?
                   - Por enquanto “Dra.” para você está bom, Marco. Depois de nosso café eu lhe digo se poderá ou não me chamar pelo primeiro nome. Aqui está meu cartão com o meu telefone. Espero a sua ligação.
                   Se você, neste momento, se sentiu empolgado pelo fato de uma pessoa aparentemente do bem estar entrando em minha vida, peço que não se esqueça sobre quem você está lendo, sobre minha real identidade. Continuem focados no fato de que nunca há esperança para aquele que nasceu corrompido pela psicopatia.

                   E sempre, quando algo de bom aparecer por aqui, é porque com certeza ele estava na hora e no lugar errado. Marco foi um deles.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 02: A libertação do Delegado Phillip

(Para ler o capítulo anterior, clique em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-01-animal-de.html)



(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=liberta%C3%A7%C3%A3o&biw=1366&bih=599&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjZ9qffr_rKAhVEC5AKHep5DuwQ_AUIBigB#tbm=isch&q=pantera+animal&imgrc=XcYWj8pZiloKSM%3A)


                   Eu acredito que você tenha se espantado comigo, não é mesmo? Ou que pelo menos você não tenha entendido por que é que eu simplesmente não matei o Delegado Phillip, ao invés de mantê-lo em cativeiro no porão de minha casa.
                   E sim, para você que está se perguntando, todos os meus empregados e meu pai eram coniventes, e porque não dizer meus cúmplices nesta situação.
                   Permita-me que eu explique melhor o que estava acontecendo naquela época.
                   Meu pai, Sr. Ricky Shadda, era um brilhante narcotraficante que nunca teve a pretensão do poder, do medo, da tirania. Não, papai estava acima de qualquer fragilidade mortal. A única coisa que movia meu pai era o dinheiro, e como é sabido por todos, não existe até hoje negócio mais lucrativo do que o bom e velho comércio de entorpecentes.
                   Pois bem, Sr. Ricky Shadda não era conhecido por suas brutalidades, por suas conquistas, muito menos por sua legião de fiéis, pois era assim que papai os chamava. Para ele, não existiam empregados, amigos, colaboradores, nem nada disso. Eram apenas “fiéis”, que ele classificava por números, que na ordem de 0 a 5, ser chamado de Fiel 05 era uma honra. Sr. Shadda tinha todas as riquezas e poder que qualquer criminoso sonharia em ter, mas como já disse, não era famoso por isso. Sr. Ricky Shadda, também conhecido como “O Pai da Noite”, era famoso por nunca ter sido descoberto.
                   E não era aquele tipo de criminoso que todos sabem que ele é, mas que tem em sua mão, através de suborno e sangue, toda a cúpula política e da segurança, que preferem ficar calados a ter que confessarem e enfrentarem o problema em forma de ser humano.
                   Papai era formado em Engenharia da Computação, e foi através de seus estudos acadêmicos que ele descobrira que poderia controlar o mundo das drogas sem que qualquer pessoa precisasse ver o seu rosto. Bastava uma tela, um teclado, e tudo estaria resolvido.
                   Não se enganem, meus amigos (será que já posso chamá-los assim?), que foi fácil conseguir este ‘status’, este patamar tranquilo de trabalho. Muito pelo contrário. Demorou cerca de uma década até que papai conseguisse se efetivar como um traficante de renome, e foi durante esta década de trabalho árduo que ele encontrou as dez pessoas que seriam aqueles que ele poderia revelar não só o seu rosto, mas sua verdadeira identidade.
                   Estas dez pessoas estavam conosco até aqueles dias. Suspeito que dois deles estavam ao nosso lado por medo ou incapacidade de conseguir ter uma vida normal após tantas tragédias, mas isso não nos perturbava. Sr. Ricky Shadda era esperto demais para deixar que qualquer movimento acontecesse longe dos seus olhos.
                   E foi com esta esperteza que ele percebeu os passos de seu vizinho, Delegado Phillip, se aproximando demais de um de seus fieis, levando o delegado, em sua busca, a acreditar que aquele pobre menino que ele sempre via entrar na casa de Sr. Ricky poderia ter algum envolvimento com o narcotráfico.
                   E aí eu entrei em ação, meus caros. Foi um pouco difícil sequestra-lo, contudo, quanto mais árdua é a perseguição para mim, mais prazerosa ela fica.
                   Preciso que você entenda que meu cérebro não funciona como o seu, ou como o de qualquer pessoa que você conheça. Meu cérebro funciona como o de uma pantera: ágil, predador, com sede de sangue. E disposto, muito disposto.
                   Saber que o Delegado Phillip estava atrás de alguém que no caso seria o meu pai, foi como saber que um veado ferido circulava pelo meu território. Necessitava arrancar um pedaço de couro e carne daquele corpo para defender meu bando. Para alimentar-me.
                   E foi assim que eu o submeti a um cativeiro que perdurara por mais de três anos, e confesso a vocês que já estava enjoada dele, pois vocês sabem como fica uma criança depois de usar muito um brinquedo. Perde-se o encanto.
                   Viajar para África e deixar que os fieis de meu pai cuidassem de Phillip fez com que meu interesse voltasse. Dentro do avião só pensava em poder reencontra-lo, e voltar aos meus “gracejos”.
                   Entretanto, quando abri a porta do porão e senti o cheio de sangue, suor, fezes, urina e vômito, percebi, mais uma vez, que não havia serviço neste mundo que pudesse ser bem feito, quando terceirizado. Na minha forma de tortura não havia sujeira, não havia rastros. Eu calculava tudo milimetricamente para ser perfeito. Para ser memorável.
                   Senti pena de Phillip quando o vi naquela situação. Arrependi-me profundamente de tê-lo deixado naquelas condições. Um homem daquele porte não podia viver naquela imundície, numa condição de lixo. Sim, eu havia retirado além de sua orelha, e dedos molares da mão, sua dignidade, mas aquilo era outra história. Eu sentia pavor de sujeira, e mesmo quando trabalhei nos lugares mais complicados que você consiga imaginar, sempre consegui levar um pouco de limpeza por onde eu passava. Custe o que custasse.
                   E foi então que decidi libertar o Delegado Phillip. Desci, mais uma vez as escadas, carregando baldes e produtos de limpeza. Cuidadosamente, esterilizei a sala. Aquilo demorou horas. Não troquei uma palavra sequer com Phillip, mas sabia que ele, também calado, me observava.
                   Não demorou mais que um mês apanhando para que ele aprendesse que só deveria dirigir a palavra a mim quando eu o autorizasse. Odiava ser interrompida.
                   Quando me aproximei de seu corpo, ele tentou, em vão, recuar, e esconder sua ereção.
                   A nossa mente é a nossa pior inimiga. Não sei se vocês conhecem o que chamamos na Psiquiatria de “Síndrome de Estolcomo”, mas posso resumir em poucas palavras para vocês: quando a tortura se torna rotina na vida de uma pessoa, e o cérebro entende que não há mais saída, a não ser conviver com aquela situação, ele faz com que o torturado desenvolva afeição/amor, e até mesmo atração pelo seu torturador.
                   - Não esconda seus sentimentos, Sr. Phillip, hoje será a primeira vez que você terá motivos para gostar de mim. – disse-lhe, tocando com delicadeza e com a mão coberta por uma luva cirúrgica em seu rosto. – Vou deixar você voltar para casa.
                   Abri minha maleta, e com panos, algodão, sabão e um balde com água, fiz a higiene de meu prisioneiro. Como ele estava há muito tempo naquelas condições, seus excrementos aderiram-se a pele, e precisei de pinça e bisturi para que todo o serviço fosse realizado.
                   Delegado Phillip chorou. Penso eu que não chorava apenas de dor, mas também de desespero, pois não confiava em mim. E quando peguei a navalha para barbeá-lo, ele fechou os olhos, e mesmo sem dizer uma palavra que fosse, eu sabia que em pensamento ele orava.
                   Cortei suas unhas, seu cabelo, e por último, pedi que ele me estendesse seu braço direito, pois precisava lhe aplicar alguns medicamentos.
                   Sem me questionar, ele me entregou, sem dificuldade, o braço acorrentado, onde passei algodão com álcool e introduzi uma seringa. Após a primeira dose de medicamento, coloquei algo parecido com soro, mas que claramente não era, e comecei a lhe explicar:
                   - Sabe, Phillip, a minha viagem para África foi muito gratificante para mim. Pude dar continuidade aos meus estudos, e você acredita que eu consegui formular um novo entorpecente? Ele, aplicado, de forma correta, deixa a pessoa vulnerável, aplicado de forma errada, pode deixa-la em coma, mas aplicado de forma exagerada, deixa a pessoa em um terrível estado de loucura. Estado perfeito para que eu possa hipnotizar... – olhei com ternura para seu rosto machucado. - ... e então libertar.

                   Pude ver a pupila de Phillip dilatar e voltar ao estado normal, e vi que ele tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. Era tarde demais. Bastava que oito horas se passassem recebendo a medição, e então eu poderia fazer meu teste final. Iria manda-lo de volta para casa.

(Para ler o próximo capítulo, clique em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-03-o-corte.html)