segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 01 - Animal de Estimação

(Para ler o capítulo anterior, clique em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/01/a-mortifera-o-prefacio-decifra-me-para.html)


       
(Foto: https://www.google.com.br/search?q=puppy&biw=1366&bih=643&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&sqi=2&ved=0ahUKEwij95-uiNfKAhUJj5AKHcISDIoQsAQIGw#imgrc=RniAEKzSUXE6yM%3A)

                     Aquele seria era um dia muito especial para voltar a morar na minha cidade. Entenda, meu caro, que para aqueles, que como eu, controlam com as duas mãos o seu destino, todos os dias são especiais, pois assim fizemos a nossa escolha.
                   Mas aquele, em particular, era um dia que não conseguia controlar minha felicidade, pois 03 de Maio tornara-se o meu dia preferido do ano.
                   O condomínio onde morava era aquele tipo de comunidade onde todos os vizinhos eram solidários a qualquer tipo de dor ou felicidade da vida dos outros. Éramos considerados um exemplo de “família”, pois sempre que fazíamos alguma reunião, todos estavam presentes. Todos, na teoria, eram amados e se amavam. E aquela era uma dessas reuniões.
                   Não por um motivo festivo, meu caro leitor. 03 de Maio era o dia em que todos saíam uma hora mais cedo de seus trabalhos para se reunirem na porta da casa da Sra. Camille de Ray, e sua filha Nicolle. 03 de Maio era o dia em que se completavam três anos desde quando o Sr. Phillip de Ray fora visto pela última vez.
                   Sr. Phillip era um nobre Delegado de Polícia, famoso por sua eficiência no combate ao tráfico de drogas, e inexplicavelmente desaparecera há três anos.  Crime sem pistas, aparentemente sem solução, fez com que a polícia do país inteiro ficasse à sua procura de forma intermitente durante seis meses. E então, os próprios colegas de trabalho começaram a se conformar com a ideia de que não havia negociação com o mal, e que o Sr. Phillip provavelmente estaria enterrado em alguma vala ou mata fechada escondida por aí.
                   Depois de um ano, foi então declarada a morte de um dos mais condecorados oficiais da polícia, sendo eternamente lembrado por sua coragem e dedicação ao serviço de seu país. Todos prometeram eterno luto em homenagem ao colega, mas não demorou muito para que eles se esquecessem daquele que um dia os defendera do mundo do crime.
                   Todos haviam se conformado e superado a morte de Sr. Phillip, todos, menos sua filha Nicolle. É, meu caro, Nicolle não era do tipo de mulher que se conformava fácil com alguma situação. Acostumada a ter seus desejos realizados a vida inteira por seus pais, conseguiu entrar no mundo da moda, e desde os treze anos investiu em uma carreira de sucesso, até casar-se com Eric Johnson, meu ex-noivo.
                   Mas não se preocupe com este pequeno detalhe, meu leitor, que logo mais tudo será devidamente explicado por mim. Foque apenas no fato de que Nicolle era uma pessoa extremamente persuasiva, que se intitulava sensitiva e de ouvidos abertos ao sobrenatural, forçando sua mãe e todos os seus vizinhos a continuarem a se reunir uma vez por ano para orarem pela a alma do pai, que na sua plena certeza, ainda estava vivo.
                   Antes mesmo de desarrumar minhas malas, estacionei meu carro em frente à casa dos de Ray, e fui de encontro ao meu pai para fazer companhia a ele, e apreciar a oração de meus vizinhos.
                   Ajoelhei-me ao seu lado, e com muito carinho toquei sua mão com dois de meus dedos:
                   - Senti a sua falta, meu pai. – cabisbaixa, abri um sorriso malicioso.
                   - Eu também, minha filha. – o “filha” que meu pai pronunciava sempre carregava um ar de cinismo consigo. – Não aguentava mais esperar estes longos dias para ter você enchendo a nossa casa novamente.
                   E então, fomos surpreendidos, aos gritos de Nicolle:
                   - MAS O QUE É QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?! – seus olhos expressavam toda a raiva que sentia, e mesmo cabisbaixa, podia ter a certeza que suas pupilas estavam dilatadas. Fechei a minha expressão.
                   - RESPONDA, MARINA! NÃO SE FAÇA DE TONTA! EU NÃO QUERO SUA PRESENÇA AQUI! VÁ EMBORA DA MINHA CASA! A-G-O-R-A! – Nicolle continuava aos berros.
                   - Filha, onde estão os seus modos? Marina veio com seu pai nos prestar consolo e auxílio em nossas orações! Orações que VOCÊ insiste em continuar mantendo! – a pobre Sra. Camille não pôde conter as lágrimas.
                   Todos ali presentes estavam horrorizados com a atitude da tão bem educada Nicolle de Ray, e ela percebeu que seu gesto não estava sendo aprovado por nenhum dos presentes.
                   - SERÁ QUE VOCÊS SÃO TÃO CEGOS A PONTO DE NÃO PERCEBEREM QUE A CULPADA DE TUDO ISSO É ELA? ELA ROUBOU O MEU PAI DE MIM! É ELA! EU NÃO TENHO COMO PROVAR, MAS SEI QUE FOI ELA! FOI ELA, FOI ELA... – Agora que tinha erguido minha face podia ver o quanto minhas mãos tremiam.
                   - Nicolle, sei que hoje é um dia muito triste na sua vida e de sua família. E é por este motivo que vou relevar o que você me falou. Em respeito à sua família. Se não quer minha presença aqui, tudo bem. Jamais foi minha intenção ofendê-la. Vou deixa-los em paz.
                   - NÃO SE FAÇA DE SANTA, SUA VACA! – agora Nicolle já estava segurando meu braço com força. – VOCÊ SÓ VAI SAIR DAQUI QUANDO DEVOLVER O MEU PAI! EU-QUERO-MEU-PAI-DE-VOLTA! DEVOLVA ELE PARA MIM! SUA MALDITA! –muitos tentaram apartar o que provavelmente poderia se tornar uma agressão. Digo provavelmente, porque eu e você bem já sabemos, aquilo para mim estava sendo a maior das diversões que poderia ter.
                   - Nicolle, o que mais você quer tirar de mim? Pois você teve pai e mãe, oportunidade que não pude ter, você sempre foi mais bonita do que eu, mais atraente do que eu, e pelo visto, mais interessante do que eu, tanto que tive que aceitar ver você se casar com o único homem que amei minha vida inteira e que inclusive amo até hoje, mas o deixei ir por amor e por saber que você o faria muito mais feliz que eu. Você sempre me humilhou na escola, sempre me maltratou, e eu sempre aceitei calada. Agora me acusar de um crime que nunca cometi, diante de toda nossa comunidade que considero como uma família, isso não posso aceitar. Não encoste mais suas mãos em mim, senão serei obrigada a tomar providências a respeito!
                   Espere aí, meu caro leitor! Não fora justamente no capítulo passado que eu mesma afirmei que sempre fui amada na escola, que me destaquei e que nunca tive problemas com amiguinhos? Pois então, partiremos do princípio que a memória de um ser humano só se recorda daquilo que for conveniente para ele. E não é que quando despejei todas aquelas informações, todos, sem exceções, inclusive a própria mãe da Nicolle, acreditaram em mim?
                   É claro que as lágrimas que derramei ajudaram a comovê-los, mas quem mais me agradou ouvir tudo que falei, foi o próprio Eric, que chegara atrasado para a oração e assistira todo o ocorrido.
                   Ele estava boquiaberto, apertando a alça de sua pasta, e eu como o conhecia muito bem, sabia que seu coração fora tocado por minhas palavras. E era justamente aquilo que precisava ganhar naquele dia. Saí correndo aos prantos e entrei no carro para ir para casa.
                   Assim que virei a rua já liguei o som em uma música eletrônica que me fez dançar de olhos fechados.
                   Estacionei o carro e pedi para que a governanta preparasse meu banho, pois me sentia exausta da viagem. Antes que ela pudesse subir as escadas, apertei-a com um abraço caloroso e a rodopiei pelo ar. Assim que voltei-a ao chão, abri-lhe um sorriso gentil e lhe disse com alegria:
                   - Preciso abrir minhas malas, você não vai acreditar quantos presentes trouxe para você, Luiza!
                   - Óh, Doutora! Só a Senhora mesmo para se lembrar de mim por essas lonjuras que a Senhora encuca de morar.
                   Luiza subiu sorridente, e eu fui até o porão matar a saudade do meu cachorrinho.
                   O lugar estava tão úmido e escuro, que quem entrasse ali confundiria o cheiro dos excrementos e suor com a morte. Eu não. Médica, cuidando de pessoas à beira da morte diariamente, sabia que aquele cheiro era muito pior do que o da morte.
                   Aquele porão, escondido, trancado e camuflado no subsolo de minha casa, possuía o pior cheiro do mundo. Acendi todas as lâmpadas de uma só vez, e tirei de dentro da minha bolsa um osso que se dá aos cães como recompensa.
                   Fui andando lentamente e dizendo com doçura:
                   - Delegado Phillip... Adivinha quem voltou para cuidar de você? Isso mesmo! Sua dona! Sua dona voltou, venha cá me receber.
                   Acorrentado ao pescoço com uma coleira de couro, Sr. Phillip, apoiado de quatro, caminhou com dificuldade, pois estava muito machucado e assado, devido aos excrementos. Um de seus olhos não abria devido ao inchaço, e sua boca parecia mole, o que dava a entender que ali já faltavam muitos dentes. Cabisbaixo, chegou perto de mim e lambeu meus calçados, como um cão faria.
                   - Também senti muita saudade de você, meu amor! – disse-lhe, com entusiasmo, dando-lhe um beijo em sua testa. – Aqui seu ossinho! É para comemorar os três anos que você está morando com a gente.
                   E eu, que nunca acreditara em Deus, estava começando a acreditar em forças sobrenaturais. Porque sim, meus amados leitores, Nicolle tinha razão sobre mim. Eu era a culpada de tudo.

(Para ler o próximo capitulo, clique no link: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-02-libertacao-do.html)

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