quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 15: PRESENTE PARA MARRIE

(FOTO: http://www.flickr.com/photos/w610guy/2566232322/sizes/z/in/photostream/)


Marrie estava ali, sentada e nua na cama, olhando para meu rosto sem dizer nada, esperando que eu acordasse naturalmente. Ao abrir os olhos e ver no relógio que já se passavam das 9 da manhã, disse para aquela pequena mulher, enquanto levantava e procurava minha cueca no chão:

- Desculpe-me, Marrie. Acho que dormi demais e acabei perdendo a hora.

De costas para ela, vestia a calça amarrotada com pressa não perder o compromisso que eu com certeza inventaria que tinha. Ainda não era capaz de assumir para mim mesmo que era feliz acordando ao lado daquela mulher.

- Hoje é meu aniversário, Sr. Paul. –disse suavemente Marrie, ainda olhando para mim.

Estava prestes a fechar o zíper quando a ouvi dizer aquilo. Virei de frente para ela e a observei com cuidado. Era no dia 27 de Maio que aquela pequena e ruiva mulher faria seus 25 anos.

Em seus olhos escuros continham um sentimento guardado, banhado pelas lágrimas que não escorriam e não me deixavam entender o que estava acontecendo. Eu não sabia como lidar com Marrie revelando aquilo que era importante para ela a mim, e muito menos ainda sabia como lidar com aqueles olhos esperançosos, em busca de algo meu. Não podia decepcionar Marrie naquele dia.

- Você quer que eu dê um passeio com você? –sugeri, voltando a fechar a braguilha.

- Faria isso por mim, bonitão?

- Hoje é seu aniversário, Marrie. Você merece. –respondi, um pouco rouco.

Marrie foi tomar banho e não me convidou para acompanhá-la. Também não a segui, por mais que fosse a minha vontade fazer. Apenas deitei-me de novo na cama e olhei o tempo pela janela. Tempo este que me ajudava incrivelmente. Chovia forte, quase uma chuva branca de tão forte, tornando-se assim impossível de fazermos um passeio a pé, o que levaria mais tempo.

Entretanto, Marrie demorou no banho, e quando saiu, a chuva já havia parado por inteiro. Senti um certo desgosto quando ela comemorou a mudança de tempo, porém, não disse nada. Apesar de meu desconforto, da vontade de voltar para a casa de meus pais antes de começar um novo plantão no hospital, minha sugestão já fora feita e eu cumpriria com a minha palavra.

Saímos de seu apartamento sem trocar palavras. Marrie arrumava o cabelo olhando no espelho do elevador como se estivesse indo para alguma festa ou evento importante. Trajava um vestido bonito, simples, que caía bem em seu corpo se deixar transparecer qualquer vulgaridade.

- Espero que não se importe de andar a pé.

- Não me incomodo com nada, bonitão, contanto que eu ganhe um presente de você.

- Presente?! –disse eu, surpreso e rindo ao mesmo tempo. – O que você quer? É só me pedir e nós compraremos hoje mesmo.

- Ainda não sei, Sr. Paul. Enquanto passearmos por algumas lojas eu escolho alguma coisa.

Tomamos café-da-manhã na lanchonete do hospital e iniciamos o nosso passeio que durou o dia inteiro.

Levei Marrie à várias joalherias, lojas de roupas, sapatos, móveis e decoração, contudo nada parecia interessá-la. Enquanto andávamos pela cidade, Marrie dava risada das histórias que me contava sobre o bordel de Mr. Richard e sempre que nos aproximava-nos pedia minha mão com os seus dedos, olhando-me nos olhos.

Aos poucos, fui deixando as minhas vontades, o amor que explodia dentro de mim falar mais alto, e fui me entregando ao divertido dia que estávamos vivendo. Também ri das história que Marrie contou e, quando ela estava distraída, alisava sua mão com os meus dedos para que sua atenção não saísse de mim. Estava sendo o Paul de Marrie.

Ao final da tarde, Marrie encontrou uma farmácia e disse para entrarmos ali. A princípio pensei que minha menina estava passando mal, sentindo alguma dor em seus machucados. Entretanto, quando a vi mexendo em alguns produtos de beleza, percebi que estava tudo bem:

-O que está fazendo, Marrie?

E então, com um vidro cor-de-rosa nas mãos, Marrie, encantadoramente linda, disse, sorrindo:

-Este, eu quero este daqui de presente.

-Marrie, mas isto é apenas um xampu... –retruquei, abismado.

-Um xampu que usarei apenas em ocasiões especiais. –respondeu ela, acarinhando meu rosto.


Enquanto meus pais exigiam-me casado, enquanto meu emprego exigia-me cirurgias cada vez mais perfeitas e rápidas, enquanto o mundo exigia-me saudável, alegre, fiel, esperto, inteligente, eclético, consumista, esportista, bem-sucedido, rico e heterossexual, Marrie, minha pequena e grande Marrie, queria apenas um xampu de mim.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 14: VOLTANDO PARA O APARTAMENTO

(FOTO: http://www.flickr.com/photos/maritzasoto/1470787668/sizes/z/in/photostream/ )


Acordei com dores nas costas, nos braços e no pescoço. Dormira na poltrona que ficava ao lado da cama de Marrie no hospital. Apesar de ferimentos superficiais, como batera a cabeça, e também como se tornara a nova “queridinha” do hospital, Marrie passara a noite por ali, em intenção de observação.

Sr. Brian aparecera no dia anterior, um pouco antes de Marrie adormecer, e estava inconsolável. Chegou chorando ao quarto e só parou de soluçar quando Marrie esticou seus braços para abraça-lo e lhe disse: “Venha cá, meu meninão, está tudo bem comigo.”

“Está tudo bem.” Ouvi aquela pequena mulher dizer por mais de cinquenta vezes aquela frase durante o dia, e como era engraçado o fato de que aquela voz somada àquelas palavras fazia com que não somente Marrie se sentisse melhor, mas a cada um que entrava naquele quarto.

Eu não sabia dizer se realmente estava tudo bem com Marrie. A única certeza que tinha era que eu estava me sentindo feliz porque ela tinha forças para dizer que estava tudo bem. E para mim, aquilo bastava.

Fomos embora do hospital diretamente para o meu apartamento, pois ficara decidido que enquanto a reforma da cafeteria de Sr. Brian não ficasse pronta, consertando os estragos do “assalto”, Marrie deveria dormir em um local mais seguro. E eu sugerira como opção o meu apartamento.

Foi um pouco estranho quando chegamos por lá, já que a última vez que estivemos juntos naquele lugar não terminara bem. Tentei melhorar o ambiente colocando uma música, mas nada parecia tirar do ar a sensação de medo que estava em Marrie. Ela temia por ter que ir embora mais uma vez.

- Espero que a cafeteria fique pronta logo, bonitão... Não quero me acostumar por aqui de novo.  – dizia Marrie, enquanto passeava os dedos pela bancada de granito da cozinha.

- Você pode voltar a morar aqui se quiser.

- Eu posso... ou eu devo? – virou-se em minha direção, com os lábios entreabertos.

- Eu acho que você deveria voltar a morar aqui, Marrie. – respondi, sorrindo, tirando os óculos do rosto.

- Sr. Brian jamais aceitaria, bonitão. Eu morando dentro da cafeteria posso trabalhar muito mais.

- Você sabe que você não precisa disso, Marrie...

- Não preciso do quê? De um trabalho?

- Não, Marrie, eu quero dizer que você sabe que você pode ser algo bem melhor que uma mera garçonete da cafeteria do Sr. Brian. Você tem potencial.

- E o que seria algo bem melhor que uma garçonete, Sr. Paul? – Marrie estava agora bem perto de mim, fitando-me. – Seria ser como o Dr. David? Médico, chefe, professor? Seja mais claro por favor...

- Desculpe-me, Marrie, eu não quis...

- Porque se for isso, Sr. Paul, - interrompeu-me com carinho. – se eu precisar ser o que ele é, ou parecida com ele, quem lhe pede desculpas sou eu, pois prefiro continuar sendo exatamente como sou: garçonete da cafeteria do Sr. Brian. Não sei se “melhor” se encaixaria bem em mim.

E foi então que tudo aconteceu: Mr. Richard, amparado por mais três homens, arrombou a porta de meu apartamento e em questão de segundos me derrubou no chão. E antes que eu pensasse em como teriam eles entrado no edifício, levei um soco que me fez tontear.

- Seu merdinha do caralho, tá achando que é brincadeira, moleque? Você vai aprender a não se mexer com o cafetão desta cidade! – disse Mr. Richard enquanto desferia chutes nas minhas costelas. Eu até poderia mexer e tentar revidar, mas os outros homens estavam ao seu lado, prontos para me segurarem se necessário fosse.

- Meu pai, não faça isso com o Sr. Paul! – implorou Marrie, tentando se aproximar, e sendo impedida por um dos grandalhões.

- Não se meta, Marrie... isto é um assunto de homens! E este moleque de merda aqui era responsável pela sua segurança, e bastou alguns dias naquela porra de cafeteria para que você fosse assaltada, agredida, isso eu não posso admitir! E este vagabundo metido a médico do caralho aqui vai apanhar, SENDO ANJO OU NÃO! – Mr. Richard berrava e me chutava com uma sincronia absurda e insuportável.

- Pai, por favor... – continua Marrie tentando se aproximar.

- Marrie, ACORDA! ESSA BICHA NÃO AMA VOCÊ E MERECE APANHAR ATÉ TER AS TRIPAS PARA FORA DO CORPO! ESTE INFELIZ QUE ASSALTOU A CAFETERIA QUASE PARTIU VOCÊ NO MEIO! IMAGINA SE ELE TIVESSE FODIDO VOCÊ, MARRIE! ELE IA TE PARTIR NO MEIO! EU AINDA VOU ACHAR ESTE DESGRAÇADO TAMBÉM!

- Pai, ele pode ter tentado me partir no meio, mas ele não conseguiu. Mas se o senhor continuar batendo assim no Sr. Paul, vai partir meu coração. Eu imploro. – Marrie já estava ajoelhada e de cabeça baixa. – Se o senhor estiver com muita raiva e não conseguir se controlar, por favor, desconte em mim. Eu não me importo em ser o seu saco de pancadas.

Mr. Richard parou com a sequência de chutes e observou Marrie por alguns segundos. Suas mãos começaram a tremer e uma lágrima escorreu pelo seu rosto:

- Santo Deus, como é que eu posso gostar tanto de você? – Mr. Richard caiu no chão aos prantos e abraçou Marrie com carinho. – Eu não me perdoaria se algo de ruim lhe acontecesse, Marrie.

- Está tudo bem comigo, Pai. Meu namorado vai curar meus machucados até eles sararem.

- Seu namorado? – perguntou Mr. Richard, perplexo.

- Sim, Pai, o Sr. Paul não quis mais ser homossexual. Agora ele quer ser meu. – Marrie sorriu com inocência.

Com uma expressão de dúvida, Mr. Richard se levantou e foi até minha direção mais uma vez. Ainda estava deitado no chão.

- Merdinha de anjo do caralho, vou lhe dizer uma vez só: ou você protege a minha Marrie daqui para a frente, ou eu vou lhe encontrar, não importa aonde você estiver, e vou acabar com você, vou matar você e vou ressuscitar você só para ter o prazer de te matar de novo. Babaca de merda! – disse Mr. Richard, enquanto me deu o último chute e saiu pela porta arrombada.

Os demais grandalhões beijaram a mão de Marrie, que retribuía os beijos com abraços apertados e um sorriso de amor. Ela também era a “queridinha” deles.

Após todos saírem, com um pouco de dificuldade, desloquei uma cômoda até a porta, para que a mantivesse fechada enquanto estávamos no apartamento. E ainda de costas para a sala, conversei com a Marrie:

- Eu me enganei, Marrie, eu me enganei. Não tem como você ser melhor do que você já é. Na verdade, quem deveria ter apelido de anjo aqui deveria ser você.

- Não sei não, bonitão... Às vezes eu também me comporto como uma menina má.

E quando voltei-me de frente para a sala, vi que Marrie estava em pé e completamente nua, à minha espera.

É, realmente estava tudo bem com ela.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 13: A verdade sobre Marrie



Bom, meu caro leitor, sei que neste exato momento você deve estar sentindo raiva de mim, desejando que eu receba tudo o que há de pior neste mundo. Mas sei também que se você dispôs a ler mais um capítulo desta história, é porque ainda acredita em mim e Marrie. É porque você ainda acredita que eu possa virar o jogo dessa história.

E foi com este exato pensamento, de que eu era capaz de mudar essa história, que segui de carro para o hospital, onde Marrie provavelmente ainda estava sendo examinada.

Estacionei em frente à cafeteria de Sr. Brian, e vi que ele estava na porta, aos prantos, enquanto conversava com dois policiais. Eu sabia que Sr. Brian estava se sentindo culpado pelo o que acontecera com Marrie, por isso desci do carro e fui até ele para dar-lhe um pouco de conforto.

- Quem poderia imaginar, Doutor-Anjo? Que em frente ao hospital, no meio de uma Avenida, algum maluco tivesse a coragem de assaltar esta humilde cafeteria... – dizia ele, ainda muito assustado, enquanto apertava a minha mão. Então fora esta a mentira contada: tentaram assaltar a cafeteria de Sr. Brian, e como não havia dinheiro disponível no caixa, tentaram violentar a pobre e pequena Marrie. Apenas cumprimentei-o firmemente, e segui rápido para o hospital. Sr. Brian não me julgou pela falta de educação, pois sabia que um namorado preocupado estaria desesperado para saber o que aconteceu. Era uma pena que esse namorado jamais pudesse ser a minha pessoa.

Havia mais pessoas na porta do quarto de Marrie do que quando o prefeito de nossa cidade sofrera um infarto. Enfermeiras, funcionários da limpeza, médicos e outros empregados do hospital aglomeravam-se na porta, na esperança de poder entrar e lhe dar uma palavra de consolo. Todos ali queriam, de verdade, o bem de Marrie.

Enquanto me aproximava, automaticamente todos foram se afastando e saindo do quarto, até que nós dois ficamos a sós. Antes de cumprimenta-la, peguei o seu prontuário e li o que haviam escrito sobre o que ocorrera.

- Graças a Deus você não sofreu nenhuma lesão grave, Marrie, sua cabeça vai doer um pouco por alguns dias, mas assim que você tirar os pontos tudo vai ficar bem.

- Eu não aceitei sair deste quarto antes que você viesse me ver, bonitão. Só o parecer de um Anjo-Doutor me daria segurança para sair daqui. – disse Marrie, sorrindo com dificuldade.
- Marrie... – meus olhos se encheram de lágrimas.

- O que foi, bonitão? Foi só um assalto, já está tudo bem comigo. – confortou-me Marrie, segurando uma de minhas mãos.

- Não, Marrie, não foi só um assalto.

- O que você quer dizer com isso, Sr. Paul? – questionou-me Marrie, arregalando os olhos.

- Eu... – comecei a chorar. – eu não consigo encarar você e dizer o que preciso lhe contar, Marrie. Perdoa-me.

- Sr. Paul...

- Me perdoa, Marrie, pelo o amor Deus! Me perdoa... – já estava ajoelhado no chão, aos prantos, incapaz de esconder as lágrimas que jorravam pelo meu rosto. – Apenas diga que me perdoa, por favor.

- Sr. Paul, acalme-se! É claro que eu o perdoo, mas me conte o que está acontecendo.

Eu não conseguia parar de chorar, e sabia que a culpa que sentia naquele momento não iria embora com um simples perdão de Marrie. Eu tinha plena ciência de que tudo o que David me dissera no corredor de seu apartamento era verdade, e que só seria algo diferente de um “covarde” a partir do momento em que minhas atitudes começassem a mudar.

E ali, de joelhos no chão do hospital, comecei a contar tudo para Marrie.

- Eu estava lá, Marrie... eu... eu estava lá. – por causa do meu choro, era um pouco difícil compreender o que eu falava, mas sabia que Marrie entenderia cada palavra daquilo que eu dissesse. – Eu vi tudo o que aconteceu. Eu vi você e vi quando David chegou, eu estava dentro da cafeteria para lhe fazer uma surpresa, eu queria lhe contar que havia rompido com David. Mas quando vi ele atrás de você, eu não sei o que me deu, a curiosidade falou mais alto, e resolvi me esconder para ouvir o que ele iria falar com você. E aí, Marrie, eu vi tudo... eu vi tudo e não fiz nada.

- Paul... – não levantara a cabeça para ver a expressão de Marrie. Tinha medo.

- Marrie, eu amo você. Amo mesmo, eu não consigo pensar em outro sentimento que não seja amor. Não consigo imaginar qualquer outra coisa que consiga me explicar o que me faz sentir o que sinto por você. Mas eu fui um canalha. Um puta de um canalha e covarde. Eu vi tudo e não fiz nada. Eu não mereço o seu amor.

Levantei-me com calma, e mantive a cabeça baixa enquanto me dirigia até a porta. E antes que a abrisse para ir embora, ouvi Marrie dizer com uma voz suave:

- Bonitão, você sabe que está tudo bem, não sabe?

E quando virei, vi que Marrie me observava com uma incerteza em seu olhar, fazendo um leve bico com os seus lábios. Seus cabelos ruivos brilhavam com o sol que entrava pela janela, e mesmo com os hematomas e cortes, continuava linda.

- Não entendi, Marrie.

- Eu não ligo se você seja um puta de um canalha covarde. Para mim você é um Doutor e um Anjo. Venha se sentar aqui comigo.

- Marrie, acho que você não entendeu o que aconteceu! Eu...

- Eu entendi sim, Sr. Paul. Eu entendi completamente o que você acabou de me dizer. Mas entre passar o resto da minha vida com raiva de você ou amá-lo, eu escolho a segunda opção.

- Marrie...

- Bonitão, se tem alguma coisa que eu aprendi durante o tempo em que fiquei presa, foi perdoar. Nos primeiros meses enclausurada, eu só conseguia odiar “ele”, desejar sua morte, pensar em vinganças terríveis que me fariam sentir prazer. Mas depois, depois eu percebi que não existe sentimento mais forte que o perdão. Porque a cada vez que eu o perdoava, eu sabia que a vida me retribuiria o prazer que eu tanto buscava. E que ele jamais viria por meio de vingança. Ele viria por meio de alegria, de esperança, disso eu tinha certeza. E foi então que eu conheci você, e tudo que um dia eu tinha sonhado, - agora eram os olhos de Marrie que se enchiam de lágrimas. – tudo que um dia eu almejei, e que pensei que jamais aconteceria, aconteceu. E você desistiu de sua vida por mim, Sr. Paul. Eu sei o quanto significou você deixar o Dr. David, o quanto vai lhe causar problemas... E no final das contas, não era para você estar lá naquela hora, não era para você ter visto o que aconteceu. Você pode achar que seja insuportável eu colocar para trás o que você acabou de me dizer. Mas você só diz isso porque não sabe qual é a sensação de deixar o seu amor ir embora porque é incapaz de perdoar. E eu não posso deixar você ir bonitão, não posso porque perdoar... – Marrie gaguejava e chorava. – perdoar é a única coisa além de sexo que eu sei fazer bem.

Eu ainda segurava a maçaneta enquanto ouvia Marrie dizer tudo aquilo. Era impossível de acreditar.

- Marrie, eu não mereço seu perdão.

- Sr. Paul, até os anjos merecem o direito de errar. E merecem a chance de um recomeço.

- Pelo amor de Deus, Marrie! Eu não sou um anjo.

- Mas também não é um demônio! Pare de se culpar! Não foi você que entrou naquela cafeteria no intuito de me estuprar! Não foi você, Sr. Paul! Foi o Dr. David! Ele é quem deveria estar aqui me pedindo perdão! Pare já com isso! E faça-me companhia. Quero passar a mão pelo seu cabelo.

E sem consciência alguma de meus passos, sentei-me ao lado de Marrie, e deixei que ela acarinhasse minha cabeça com seus dedos trêmulos.

- Sabe, bonitão, eu achava que a vida vivia pregando peças na gente, pelo simples prazer de nos ver sofrer. Hoje eu sei que me equivoquei. No fundo, a vida prega peças na gente, porque a gente é capaz de passar por elas e sobreviver com os arranhões. E com as cicatrizes. Eu não preciso de prova de amor para estar ao seu lado, bonitão. Eu só preciso desse cabelo aqui, e tudo estará resolvido.
Nunca me esqueci deste dia. Nem quando meus cabelos ficaram brancos e ralos, nem quando nós passamos o nosso tempo brigando e separados. Eu jamais mudei meu corte de cabelo depois daquele dia. Porque se era dele que Marrie precisava para ser feliz, era exatamente assim que ela ia ter.

E enquanto deixava ela fazer carinho em mim, percebi que nos últimos dias muitas coisas haviam acontecido. Notícias reveladoras, situações malucas e infelizmente trágicas, porém tudo com um propósito principal: era a hora de encarar a verdade. David era um porco, eu era um covarde, e Marrie era perdão. E se quisesse continuar em seu coração, era a hora de provar que eu poderia ser muito mais que um Paul covarde. Que finalmente eu seria o Paul de Marrie.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 12: A VERDADE SOBRE MIM




Acordei e vi no relógio que dormira por mais de seis horas. Ainda estava exausto, com dor de cabeça, mas me sentia completamente bem para dar a minha notícia a Marrie: estava livre de David. Liberto de qualquer algema e pronto para amar aquela pequena mulher.

Quando estava próximo à cafeteria de Sr. Brian, vi que Marrie se dirigia ao hospital, com um suporte pendurado em seu pescoço, uma grande bandeja de madeira, em que levava rosquinhas para os funcionários.

Vi também que deixara a porta da cafeteria aberta, dando a entender que logo estaria por ali de volta. Resolvi então adentrar e esperar pela sua chegada.

As luzes estavam apagadas, as cortinas todas fechadas, e ainda era possível sentir um leve cheiro de álcool pairando pelo ambiente. Sentei-me no balcão e esperei por alguns minutos até que Marrie chegasse.

Contudo, quando vi de relance na porta sua aproximação, percebi que não estava sozinha. David vinha a seguindo sem dizer uma palavra. Marrie ainda não notara a sua presença.

Por medo, e também por curiosidade para saber o que David iria dizer para Marrie, escondi-me atrás do balcão e infelizmente vi suceder a cena mais cruel de toda a minha vida.

Quando Marrie passou pela porta e abaixou o pescoço para colocar o suporte em cima de uma mesa, David, com arrogância e brutalidade, entrou na cafeteria, bateu a porta e trancou-a atrás de si.

- Dr. David, o que o senhor está fazendo aqui? – a voz de Marrie parecia assustada, mas apenas porque se surpreendera com a visita inesperada. Ela não fazia ideia do que estava prestes a acontecer.

- Você já deve estar sabendo, “Objeto”, – David sorria maleficamente enquanto se aproximava de Marrie. – que o Dr. Paul veio até minha sala mais cedo dizer que não se interessa mais em manter o nosso relacionamento. Que agora ele quer ter uma vida a dois com você.

- Eu não sabia, Dr. Paul.

E sem mais, nem menos, David desferiu um murro com toda força na cara de Marrie, que fez com que ela caísse para trás e batesse a cabeça em uma das mesas antes de cair no chão. Não sei como ela não desmaiara.

- “Objeto”, piranha, puta enferma, a última coisa que eu quero ter o desprazer hoje é de ouvir a sua voz. Eu não vim aqui para discutir com você, porque com o seu nível não cabe qualquer diálogo. Eu vim aqui porque quero sentir com o meu próprio “pinto” o que você fez que Paul gostou tanto.

Arregalei os olhos e prendi fundo a respiração de desespero: David estava ali para estuprar Marrie. Tentei me levantar do esconderijo e falar qualquer coisa, na tentativa de interromper aquela covardia, mas minhas pernas tremiam tanto que eu não conseguia sair do lugar.

- Anda, puta, levanta que eu vou comer você agora.

Eu podia ver a cabeça de Marrie de onde eu estava, e a poça de sangue que estava começando a se formar próxima a ela. Marrie corria perigo.

- EU MANDEI VOCÊ LEVANTAR! – berrou David, enquanto chutava e pisava em Marrie.

- Você não percebe, Doutor? Quem se colocou nesta situação foi o próprio senhor. – balbuciava Marrie, com muita dificuldade, enquanto se levantava. – Eu não vim para esta cafeteria porque me ofereceram um emprego! Eu vim para cá porque o senhor JAMAIS SE DISPÔS A SE DIVORCIAR! Eu estou aqui PORQUE O SENHOR MANDOU PAUL ARRUMAR UMA NAMORADA! Não adianta você me culpar pelo que está acontecendo, porque se desde o começo você tivesse se divorciado, ouvido Paul, dado valor em seus interesses, em suas vontades, EU JAMAIS ESTARIA AQUI! Porque como o próprio senhor falou, EU SOU UMA PUTA! NINGUÉM ME CONHECE POR AMOR A PRIMEIRA VISTA!

David deu outro murro em Marrie, mas desta vez ela não caiu no chão. Continuou firme, de pé, com os olhos fixos em David, sem revidar o gesto. David então, a puxou pelos cabelos, e enquanto Marrie tentava se desvencilhar dos golpes, em um único movimento bruto, David rasgou o seu vestido no meio.

- Hmm... que milagre! A puta usa calcinha.

- Socorro! – Marrie começou a gritar. – Socorro.

Mas era impossível fugir. David era muito maior que ela, e estava na posse da chave da porta. E a cafeteria, como estava toda escura, era apenas um lugar fechado para qualquer um que passasse na rua.

David arrancou sua calcinha e os dois começaram a lutar ferozmente. Não sabia como Marrie ainda tinha forças para lutar contra um homem daquele tamanho, e minha mente começou a pensar em todas as suas cicatrizes, em todos os anos que passara ao lado do “ele”, e na ausência de útero em seu corpo.

Quando me dei conta, David estava pressionando Marrie no balcão, porém, como estava muito escondido, ninguém notou a minha presença.

E quando Marrie conseguiu livrar uma de suas mãos, em um rápido gesto pegou uma das garrafas vazias de uísque que estavam na parte de trás do balcão e acertou em cheio na cabeça de David, fazendo com que ele tonteasse.

- Olhe bem para mim, Dr. David, e preste muita atenção no que vou lhe dizer: você pode tocar o meu corpo, mas jamais tocará a minha alma. Você pode comer este corpo, estupra-lo, ofendê-lo, queimá-lo, cortá-lo, assim como inúmeras vezes já fizeram comigo. Você pode me xingar, me bater, me espancar, me humilhar, acabar com cada pedacinho que você enxerga. Mas uma coisa eu lhe digo senhor, a minha alma você nunca vai conseguir tocar. A minha alma, que eu sei muito bem que é ela que o senhor tanto deseja, esta será impossível de flagelar. E não se engane! Tente quantas vezes quiser... não há mais nada aqui – Marrie colocou uma mão sobre seu coração. – e aqui – e com a outra tocou sua cabeça sangrando. – que possa ser tirado. Não sobrou nada para o senhor.

David cambaleava, apoiando-se nas cadeiras e gemendo de dor. Marrie em momento algum fizera qualquer barulho indicando que estivesse sofrendo, e meus olhos se desfizeram em lágrimas ao entender que ela não mentira ao dizer que não havia mais nada dentro dela, pois tudo lhe fora tirado.

- E tem mais, Doutor: eu posso não ter mais nada para ser tirado, mas o senhor tem. E se você encostar mais um dedo em mim, mais uma aproximação, eu vou tirar tudo o que você ainda tem na sua alma. Porque posso estar sozinha agora, vulnerável, cheia de cicatrizes. Só não se esqueça que assim que você sair por esta porta, se você tiver tocado em meu corpo, que o senhor será um homem que comeu a puta predileta do cafetão e não pagou. E ele acertará as contas você, senhor, eu lhe garanto! Mr. Richard nunca deixou uma dívida passar em branco. – Marrie deitou-se com muita dificuldade em uma das mesas, apoiou-se nos cotovelos e abriu as pernas em posição de fornicação. – A decisão é sua.

Não podia ver a expressão de David direito, pois ele estava de costas para mim. Só via que ele ainda cambaleava, e provavelmente observava perplexo a cena que estava a sua frente. Não demorou muitos segundos para que ele tirasse a chave do bolso da calça branca e abrisse a porta da cafeteria e fosse embora rapidamente.

O local estava inteiro pelos ares: cadeiras e mesas derrubadas, cacos de vidro e sangue por todos os lados, as roupas de Marrie rasgadas no chão. E o cheiro de uísque por todos os cantos.

Marrie começou a chorar alto e só então começou a tremer suas pernas. Agora, também cambaleando, agachou-se e pegou seu vestido rasgado, e colocou-se nele novamente. Abraçou-se com as mãos, e sem calcinha, saiu a passos lerdos para fora da cafeteria em direção ao hospital. Ela precisaria de cuidados médicos.

Aproveitei a sua saída e fui embora da cafeteria, correndo até meu carro, estacionado próximo ao meu apartamento, e segui às pressas até o apartamento que David tinha e que usávamos para nos encontrar.

Lá tinha porteiro, mas como já era conhecido, subi sem precisar me apresentar. Imaginava que David estaria ali, e não errei em minha adivinhação.

Quando cheguei, abri a porta e o ouvi conversando ao telefone:

- Celina, você anotou o endereço então? Preciso de você aqui o quanto antes, minha cabeça está sangrando e os cacos ainda estão presos nela. Obrigada!

Fitei-o por alguns segundos, e antes que eu dissesse qualquer coisa, David se pronunciou:

- Paul, você não pode mais ficar com aquela mulher. Ela é maluca! Eu fui até a cafeteria de Sr. Brian, disposto a ter uma conversa de adulto com ela, e implorar para que ela fosse embora, pois eu amo você e não vou conseguir ficar longe, e te ver todos os dias no hospital. Mas assim que cheguei lá, ela me disse que só o deixaria se eu lhe desse uma enorme quantia em dinheiro, e obviamente eu neguei, pois jamais faria uma coisa assim. Aí, ela...

- SEU PORCO! COVARDE! – eu o agarrara pelo colarinho da camisa. – EU ESTAVA LÁ! EU VI TUDO O QUE VOCÊ FEZ! – não conseguia conter as lágrimas enquanto eu berrava. – EU VI O QUE VOCÊ FEZ COM A MARRIE! COVARDE!

- O quê?! Você estava lá?! – exclamou David, perplexo.

- Sim! EU ESTAVA LÁ! Eu queria falar com Marrie, e quando vi que você estava seguindo ela, resolvi me esconder atrás do balcão, pois queria ouvir o que você tinha para dizer a ela. Só me fez o quanto você é um COVARDE!

David riu ironicamente.

- Olha, Paul, você vai me desculpar, mas se você viu tudo como disse, se esteve presente em todo o acontecimento e não fez nada, você é muito mais covarde que eu.

Assim que ouvi o que David dissera, larguei o colarinho de sua camisa e o deixei em pé. Senti meu coração bater mais devagar.

- Olha só, meu querido, - David continuava rindo. – você também é um grande covarde. Conviva com isso a partir de agora: o homem que você mais abomina é melhor que você. Quem sabe a sua Marrie uma dia o perdoe, hein? HÁ HÁ HÁ. Se é que você vai ter coragem de dizer a verdade para ela: que me viu fazer o que fiz e ficou quieto igual uma pedra.


Saí do apartamento de David desolado, pois ele tinha razão: eu era mais covarde do que ele.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - CAP. 11: A VERDADE SOBRE DAVID




E naquela manhã, a cafeteria de Sr. Brian não abriu.

Fiquei ali, durante algum tempo, com a sacola de roupas de Marrie nas mãos, esperando que algo de novo acontecesse. Todavia, não era pela cafeteria aberta que eu esperava. Para falar a verdade, meu caro leitor, eu provavelmente estava ali, parado, porque ainda estava um pouco bêbado, e porque não conseguira dormir em casa. E nem em meu apartamento.

Segui a passos calmos e largos até chegar ao hospital. Não era meu dia de trabalho, mas precisava de um café. E de qualquer lugar que não fosse a minha casa. Ainda era muito cedo, e havia apenas três pessoas na lanchonete esperando por um café quente. Acomodei-me junto a elas.

Eu falhara na noite anterior com as duas pessoas que eu amava em minha vida, se é que era possível dividir o coração em dois sem que isso se tornasse um problema. Porém, independentemente de amar duas pessoas ou não, eu falhara naquela noite. Eu deixara David sabe-se lá por quantas horas me esperando, e partira de vez o coração de Marrie.

Fiquei lembrando-me de sua voz angustiada, revelando o seu passado cruel, colocando em palavras toda a dor que um dia eu notara em seus olhos. Lembrei também da cicatriz na região abdominal de Marrie, que ontem descobri ser o resquício de uma cirurgia malfeita, provavelmente realizada sem qualquer cuidado cirúrgico, apenas para que ela continuasse sendo estuprada por “ele” e não precisasse mais fazer abortos.

Meus olhos encheram-se de lágrimas, pois não era só o coração de Marrie que estava partido. Eu também não sabia mais o que fazer com o meu.

Pensei também em David, e em como ele devia estar furioso comigo, e que eu deveria ir até a sua sala desculpar-me com ele. Mas por mais que eu soubesse o quanto eu estava errado, e em como fora desagradável a situação em que o colocara ontem, não tinha a menor vontade de procurá-lo para fazer as pazes. Só queria esperar que aquela dor de cabeça terrível passasse e então eu pudesse procurar Marrie. E me desculpar mais uma vez.

Entretanto, eu tinha plena consciência, sentado naquela cadeira fria da lanchonete do hospital, que não era mais um menino, um jovem apaixonado por uma pessoa proibida. Sabia que já era adulto, senhor responsável pelas minhas atitudes, e que por mais que a noite de ontem terminara em briga, não poderia deixar o meu duradouro relacionamento com David por Marrie. Seria muito melhor para mim esquecer tudo o que estava acontecendo com os meus sentimentos e focar-me no pedido de desculpas que deveria dar dali alguns minutos.

Fui surpreendido por Dr. Thomas, que sentou-se a mesa fazendo um pouco de barulho:

- Vocês não vão acreditar quem foi a última vítima do Dr. David! – disse ele, em tom baixo, mas audível para nós que estávamos próximos.

Ao sair de meus devaneios, percebi que o meu café já estava posto em minha frente. Dei um longo gole enquanto ouvia, curioso, a peripécia que Dr. Thomas contava.

- Entrei aqui ontem por volta de seis horas da tarde, para dar início ao meu plantão. As duas primeiras horas foram muito tumultuadas, houve um acidente na Avenida 3, mas após isso, tudo se aquietou neste hospital. Quando foi mais ou menos uma hora da manhã, fui até o jardim fumar um cigarro, e adivinha quem o Dr. David estava deixando aqui na porta? A ENFERMEIRA CELINA! – ao pronunciar o nome da tal enfermeira, Dr. Thomas bateu uma palma levemente.

- Dr. David?! – não estava acreditando no que acabara de ouvir.

- A enfermeira Celina? Meu Deus, mas faz apenas duas semanas que ela começou a trabalhar aqui! Este Dr. David faz questão de “batizar” todas que entram neste hospital. – Dr. John, um dos médicos sentados à mesa, comentou e ao mesmo tempo ria com satisfação por estar sabendo da novidade que logo percorreria todo o hospital.

- Esperem, vocês estão falando do mesmo Dr. David que eu estou pensando? – perguntei, espantado.

- E existe outro Dr. David neste hospital, Doutor-Anjo? – retrucou Dr. Thomas.

- Este Paul é uma figura! – sorriu Dr. John. – Só porque tem uma conduta implacável, fecha os olhos para o que acontece neste hospital!

- E não venha me dizer que você não sabe, Paul! O próprio Dr. David viu você na hora em que parou o carro aqui na porta! Você estava dançando com a sua nova namorada na lanchonete do Sr. Brian. – explicou-me Dr. Thomas com calma. – Você sabe por que eles não abriram hoje? Senti falta de tomar o meu café lá.

- Não, não eu não sei. – menti, enquanto ajeitava os óculos em meu rosto. – E estou espantado com esta história sobre Dr. David. Eu realmente não sabia. – agora dissera a verdade, fingindo não estar me importando com o que acabara de ouvir.

- O Dr. David tem uma espécie de “tara” com qualquer enfermeira novata deste hospital. É assim desde sempre, Paul. E você sabe, ele é o responsável por qualquer promoção aqui dentro. Muitas se deixam levar, outras realmente se apaixonam. Já ouvi dizer que até a mulher dele sabe, mas que ele implorou para que ela não se divorciasse dele para que ele pudesse manter a pose perante seus superiores aqui.

- É uma pena que Dr. David tenha que se prender às aparências para poder ser feliz. – ironizei, enquanto levantava da cadeira.

- É uma pena mesmo, Paul, mas você não vai acreditar em quantas pessoas ainda se escondem por de trás de uma moral inabalável.

- Nem posso imaginar, Dr. Thomas.

Ao sair da lanchonete, nasceu em mim algo que eu nunca havia sentido em toda minha vida: coragem. Pela primeira vez em muitos anos, eu não mais imaginei uma situação: decidi vive-la de vez. E também não pensei muito sobre o que iria dizer, não me planejei para o teatro de sempre, apenas deixei-me sentir e fazer o que precisava ser feito. Fui até o consultório de David e esperei alguns minutos até que ele me recebesse.

- Não irei mentir que é uma surpresa sua vinda em minha sala, Dr. Paul, porque já imaginava que fosse aparecer por aqui hoje, com o rabinho entre as pernas. – David se inclinou sobre sua mesa e me olhou por cima de seus olhos. Aquele olhar que até pouco tempo me amedrontava, naquele minuto apenas me fez sentir mais seguro. Era a minha hora de dizer a verdade.

- David...

- Dr. David, por favor.

- David, - repeti, em tom frio e um pouco mais alto. – se não quiser que eu denuncie você por estar assediando sexualmente as enfermeiras deste hospital, é melhor você não me interromper mais enquanto eu falo.

- Sobre o que você está falando, Dr. Paul? – David se recostou na cadeira, e eu vi, que apesar de seu tom confiante, que David estava mentindo e sabia exatamente sobre o que eu estava falando.

- David, não vim aqui para contestar suas atitudes, muito menos para julgá-las. Aliás, cansei de tudo isso! Vim aqui para julgá-lo sim! Você é um porco sujo, um babaca, um escroto, que está comendo este bando de mulher porque não é homem o bastante para afirmar que é homossexual! – não gritava, mas tinha um tom de voz acima do normal. – Você precisa se auto afirmar, e ficava usando dessas novatas para ver se algo muda em você! Mas posso te contar uma coisa, “Doutor”? Isto não vai mudar, nada vai mudar em você! Não adianta você negar, se esconder atrás de sua esposa, de seus filhos, de seu emprego, sua carreira, você vai continuar sendo a bicha que me procurou e me pediu para que fosse seu amante. Você sabe muito bem que o que você gosta é o que nenhuma mulher pode te oferecer...

- Basta, Dr. Paul. Saia da minha sala imediatamente antes que eu lhe dê um murro e...

- E o quê, David? Você quer resolver isso como dois homens selvagens? Poupe-me deste diálogo! Vim aqui para que dizer que quando fiquei sabendo a verdade sobre você, não senti ciúmes, nem tristeza, e nem decepção! Para falar a verdade, na hora eu não senti nada! Nem uma pitada de sentimento. Apenas alívio. Sim, “Doutor”, - ironizava. – senti alívio porque esta era a deixa que eu tinha para lhe dizer que eu me eu cansei de comer você, deste sexo vazio e prognóstico que tínhamos, e estou indo embora.

David tinha uma expressão indecifrável naquele momento: olhos arregalados, punhos fechados sobre a mesa, coluna ereta e tensionada. Sabia que o havia pego de surpresa, e que ele estava sem respostas.

- Vai voltar para aquela piranha, Paul?

- Não, David. Não vou “voltar para aquela piranha”, porque para ser bem sincero, eu nunca saí dela. Desde o primeiro dia em que a vi.

Fechei a porta de sua sala com cuidado e sorri para sua secretária, em tom de despedida. Saí do hospital com um sorriso no rosto, e decidi ir até meu apartamento descansar. Enfim o sono chegara. Era a hora de dormir para então acordar sendo um novo Paul. O Paul de Marrie.