(FOTO: http://www.flickr.com/photos/maritzasoto/1470787668/sizes/z/in/photostream/ )
Acordei com dores nas
costas, nos braços e no pescoço. Dormira na poltrona que ficava ao lado da cama
de Marrie no hospital. Apesar de ferimentos superficiais, como batera a cabeça,
e também como se tornara a nova “queridinha” do hospital, Marrie passara a
noite por ali, em intenção de observação.
Sr. Brian aparecera no
dia anterior, um pouco antes de Marrie adormecer, e estava inconsolável. Chegou
chorando ao quarto e só parou de soluçar quando Marrie esticou seus braços para
abraça-lo e lhe disse: “Venha cá, meu meninão, está tudo bem comigo.”
“Está tudo bem.” Ouvi
aquela pequena mulher dizer por mais de cinquenta vezes aquela frase durante o
dia, e como era engraçado o fato de que aquela voz somada àquelas palavras
fazia com que não somente Marrie se sentisse melhor, mas a cada um que entrava
naquele quarto.
Eu não sabia dizer se
realmente estava tudo bem com Marrie. A única certeza que tinha era que eu
estava me sentindo feliz porque ela tinha forças para dizer que estava tudo
bem. E para mim, aquilo bastava.
Fomos embora do
hospital diretamente para o meu apartamento, pois ficara decidido que enquanto
a reforma da cafeteria de Sr. Brian não ficasse pronta, consertando os estragos
do “assalto”, Marrie deveria dormir em um local mais seguro. E eu sugerira como
opção o meu apartamento.
Foi um pouco estranho
quando chegamos por lá, já que a última vez que estivemos juntos naquele lugar
não terminara bem. Tentei melhorar o ambiente colocando uma música, mas nada
parecia tirar do ar a sensação de medo que estava em Marrie. Ela temia por ter
que ir embora mais uma vez.
- Espero que a
cafeteria fique pronta logo, bonitão... Não quero me acostumar por aqui de
novo. – dizia Marrie, enquanto passeava
os dedos pela bancada de granito da cozinha.
- Você pode voltar a
morar aqui se quiser.
- Eu posso... ou eu
devo? – virou-se em minha direção, com os lábios entreabertos.
- Eu acho que você
deveria voltar a morar aqui, Marrie. – respondi, sorrindo, tirando os óculos do
rosto.
- Sr. Brian jamais
aceitaria, bonitão. Eu morando dentro da cafeteria posso trabalhar muito mais.
- Você sabe que você
não precisa disso, Marrie...
- Não preciso do quê?
De um trabalho?
- Não, Marrie, eu quero
dizer que você sabe que você pode ser algo bem melhor que uma mera garçonete da
cafeteria do Sr. Brian. Você tem potencial.
- E o que seria algo
bem melhor que uma garçonete, Sr. Paul? – Marrie estava agora bem perto de mim,
fitando-me. – Seria ser como o Dr. David? Médico, chefe, professor? Seja mais
claro por favor...
- Desculpe-me, Marrie,
eu não quis...
- Porque se for isso,
Sr. Paul, - interrompeu-me com carinho. – se eu precisar ser o que ele é, ou
parecida com ele, quem lhe pede desculpas sou eu, pois prefiro continuar sendo
exatamente como sou: garçonete da cafeteria do Sr. Brian. Não sei se “melhor”
se encaixaria bem em mim.
E foi então que tudo
aconteceu: Mr. Richard, amparado por mais três homens, arrombou a porta de meu
apartamento e em questão de segundos me derrubou no chão. E antes que eu
pensasse em como teriam eles entrado no edifício, levei um soco que me fez
tontear.
- Seu merdinha do caralho,
tá achando que é brincadeira, moleque? Você vai aprender a não se mexer com o
cafetão desta cidade! – disse Mr. Richard enquanto desferia chutes nas minhas
costelas. Eu até poderia mexer e tentar revidar, mas os outros homens estavam
ao seu lado, prontos para me segurarem se necessário fosse.
- Meu pai, não faça
isso com o Sr. Paul! – implorou Marrie, tentando se aproximar, e sendo impedida
por um dos grandalhões.
- Não se meta,
Marrie... isto é um assunto de homens! E este moleque de merda aqui era responsável
pela sua segurança, e bastou alguns dias naquela porra de cafeteria para que
você fosse assaltada, agredida, isso eu não posso admitir! E este vagabundo
metido a médico do caralho aqui vai apanhar, SENDO ANJO OU NÃO! – Mr. Richard
berrava e me chutava com uma sincronia absurda e insuportável.
- Pai, por favor... –
continua Marrie tentando se aproximar.
- Marrie, ACORDA! ESSA
BICHA NÃO AMA VOCÊ E MERECE APANHAR ATÉ TER AS TRIPAS PARA FORA DO CORPO! ESTE
INFELIZ QUE ASSALTOU A CAFETERIA QUASE PARTIU VOCÊ NO MEIO! IMAGINA SE ELE
TIVESSE FODIDO VOCÊ, MARRIE! ELE IA TE PARTIR NO MEIO! EU AINDA VOU ACHAR ESTE
DESGRAÇADO TAMBÉM!
- Pai, ele pode ter
tentado me partir no meio, mas ele não conseguiu. Mas se o senhor continuar
batendo assim no Sr. Paul, vai partir meu coração. Eu imploro. – Marrie já
estava ajoelhada e de cabeça baixa. – Se o senhor estiver com muita raiva e não
conseguir se controlar, por favor, desconte em mim. Eu não me importo em ser o
seu saco de pancadas.
Mr. Richard parou com a
sequência de chutes e observou Marrie por alguns segundos. Suas mãos começaram
a tremer e uma lágrima escorreu pelo seu rosto:
- Santo Deus, como é
que eu posso gostar tanto de você? – Mr. Richard caiu no chão aos prantos e
abraçou Marrie com carinho. – Eu não me perdoaria se algo de ruim lhe
acontecesse, Marrie.
- Está tudo bem comigo,
Pai. Meu namorado vai curar meus machucados até eles sararem.
- Seu namorado? –
perguntou Mr. Richard, perplexo.
- Sim, Pai, o Sr. Paul
não quis mais ser homossexual. Agora ele quer ser meu. – Marrie sorriu com
inocência.
Com uma expressão de
dúvida, Mr. Richard se levantou e foi até minha direção mais uma vez. Ainda
estava deitado no chão.
- Merdinha de anjo do
caralho, vou lhe dizer uma vez só: ou você protege a minha Marrie daqui para a
frente, ou eu vou lhe encontrar, não importa aonde você estiver, e vou acabar
com você, vou matar você e vou ressuscitar você só para ter o prazer de te
matar de novo. Babaca de merda! – disse Mr. Richard, enquanto me deu o último
chute e saiu pela porta arrombada.
Os demais grandalhões
beijaram a mão de Marrie, que retribuía os beijos com abraços apertados e um
sorriso de amor. Ela também era a “queridinha” deles.
Após todos saírem, com
um pouco de dificuldade, desloquei uma cômoda até a porta, para que a mantivesse
fechada enquanto estávamos no apartamento. E ainda de costas para a sala,
conversei com a Marrie:
- Eu me enganei,
Marrie, eu me enganei. Não tem como você ser melhor do que você já é. Na
verdade, quem deveria ter apelido de anjo aqui deveria ser você.
- Não sei não,
bonitão... Às vezes eu também me comporto como uma menina má.
E quando voltei-me de
frente para a sala, vi que Marrie estava em pé e completamente nua, à minha
espera.
É, realmente estava
tudo bem com ela.
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