quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 12: A VERDADE SOBRE MIM




Acordei e vi no relógio que dormira por mais de seis horas. Ainda estava exausto, com dor de cabeça, mas me sentia completamente bem para dar a minha notícia a Marrie: estava livre de David. Liberto de qualquer algema e pronto para amar aquela pequena mulher.

Quando estava próximo à cafeteria de Sr. Brian, vi que Marrie se dirigia ao hospital, com um suporte pendurado em seu pescoço, uma grande bandeja de madeira, em que levava rosquinhas para os funcionários.

Vi também que deixara a porta da cafeteria aberta, dando a entender que logo estaria por ali de volta. Resolvi então adentrar e esperar pela sua chegada.

As luzes estavam apagadas, as cortinas todas fechadas, e ainda era possível sentir um leve cheiro de álcool pairando pelo ambiente. Sentei-me no balcão e esperei por alguns minutos até que Marrie chegasse.

Contudo, quando vi de relance na porta sua aproximação, percebi que não estava sozinha. David vinha a seguindo sem dizer uma palavra. Marrie ainda não notara a sua presença.

Por medo, e também por curiosidade para saber o que David iria dizer para Marrie, escondi-me atrás do balcão e infelizmente vi suceder a cena mais cruel de toda a minha vida.

Quando Marrie passou pela porta e abaixou o pescoço para colocar o suporte em cima de uma mesa, David, com arrogância e brutalidade, entrou na cafeteria, bateu a porta e trancou-a atrás de si.

- Dr. David, o que o senhor está fazendo aqui? – a voz de Marrie parecia assustada, mas apenas porque se surpreendera com a visita inesperada. Ela não fazia ideia do que estava prestes a acontecer.

- Você já deve estar sabendo, “Objeto”, – David sorria maleficamente enquanto se aproximava de Marrie. – que o Dr. Paul veio até minha sala mais cedo dizer que não se interessa mais em manter o nosso relacionamento. Que agora ele quer ter uma vida a dois com você.

- Eu não sabia, Dr. Paul.

E sem mais, nem menos, David desferiu um murro com toda força na cara de Marrie, que fez com que ela caísse para trás e batesse a cabeça em uma das mesas antes de cair no chão. Não sei como ela não desmaiara.

- “Objeto”, piranha, puta enferma, a última coisa que eu quero ter o desprazer hoje é de ouvir a sua voz. Eu não vim aqui para discutir com você, porque com o seu nível não cabe qualquer diálogo. Eu vim aqui porque quero sentir com o meu próprio “pinto” o que você fez que Paul gostou tanto.

Arregalei os olhos e prendi fundo a respiração de desespero: David estava ali para estuprar Marrie. Tentei me levantar do esconderijo e falar qualquer coisa, na tentativa de interromper aquela covardia, mas minhas pernas tremiam tanto que eu não conseguia sair do lugar.

- Anda, puta, levanta que eu vou comer você agora.

Eu podia ver a cabeça de Marrie de onde eu estava, e a poça de sangue que estava começando a se formar próxima a ela. Marrie corria perigo.

- EU MANDEI VOCÊ LEVANTAR! – berrou David, enquanto chutava e pisava em Marrie.

- Você não percebe, Doutor? Quem se colocou nesta situação foi o próprio senhor. – balbuciava Marrie, com muita dificuldade, enquanto se levantava. – Eu não vim para esta cafeteria porque me ofereceram um emprego! Eu vim para cá porque o senhor JAMAIS SE DISPÔS A SE DIVORCIAR! Eu estou aqui PORQUE O SENHOR MANDOU PAUL ARRUMAR UMA NAMORADA! Não adianta você me culpar pelo que está acontecendo, porque se desde o começo você tivesse se divorciado, ouvido Paul, dado valor em seus interesses, em suas vontades, EU JAMAIS ESTARIA AQUI! Porque como o próprio senhor falou, EU SOU UMA PUTA! NINGUÉM ME CONHECE POR AMOR A PRIMEIRA VISTA!

David deu outro murro em Marrie, mas desta vez ela não caiu no chão. Continuou firme, de pé, com os olhos fixos em David, sem revidar o gesto. David então, a puxou pelos cabelos, e enquanto Marrie tentava se desvencilhar dos golpes, em um único movimento bruto, David rasgou o seu vestido no meio.

- Hmm... que milagre! A puta usa calcinha.

- Socorro! – Marrie começou a gritar. – Socorro.

Mas era impossível fugir. David era muito maior que ela, e estava na posse da chave da porta. E a cafeteria, como estava toda escura, era apenas um lugar fechado para qualquer um que passasse na rua.

David arrancou sua calcinha e os dois começaram a lutar ferozmente. Não sabia como Marrie ainda tinha forças para lutar contra um homem daquele tamanho, e minha mente começou a pensar em todas as suas cicatrizes, em todos os anos que passara ao lado do “ele”, e na ausência de útero em seu corpo.

Quando me dei conta, David estava pressionando Marrie no balcão, porém, como estava muito escondido, ninguém notou a minha presença.

E quando Marrie conseguiu livrar uma de suas mãos, em um rápido gesto pegou uma das garrafas vazias de uísque que estavam na parte de trás do balcão e acertou em cheio na cabeça de David, fazendo com que ele tonteasse.

- Olhe bem para mim, Dr. David, e preste muita atenção no que vou lhe dizer: você pode tocar o meu corpo, mas jamais tocará a minha alma. Você pode comer este corpo, estupra-lo, ofendê-lo, queimá-lo, cortá-lo, assim como inúmeras vezes já fizeram comigo. Você pode me xingar, me bater, me espancar, me humilhar, acabar com cada pedacinho que você enxerga. Mas uma coisa eu lhe digo senhor, a minha alma você nunca vai conseguir tocar. A minha alma, que eu sei muito bem que é ela que o senhor tanto deseja, esta será impossível de flagelar. E não se engane! Tente quantas vezes quiser... não há mais nada aqui – Marrie colocou uma mão sobre seu coração. – e aqui – e com a outra tocou sua cabeça sangrando. – que possa ser tirado. Não sobrou nada para o senhor.

David cambaleava, apoiando-se nas cadeiras e gemendo de dor. Marrie em momento algum fizera qualquer barulho indicando que estivesse sofrendo, e meus olhos se desfizeram em lágrimas ao entender que ela não mentira ao dizer que não havia mais nada dentro dela, pois tudo lhe fora tirado.

- E tem mais, Doutor: eu posso não ter mais nada para ser tirado, mas o senhor tem. E se você encostar mais um dedo em mim, mais uma aproximação, eu vou tirar tudo o que você ainda tem na sua alma. Porque posso estar sozinha agora, vulnerável, cheia de cicatrizes. Só não se esqueça que assim que você sair por esta porta, se você tiver tocado em meu corpo, que o senhor será um homem que comeu a puta predileta do cafetão e não pagou. E ele acertará as contas você, senhor, eu lhe garanto! Mr. Richard nunca deixou uma dívida passar em branco. – Marrie deitou-se com muita dificuldade em uma das mesas, apoiou-se nos cotovelos e abriu as pernas em posição de fornicação. – A decisão é sua.

Não podia ver a expressão de David direito, pois ele estava de costas para mim. Só via que ele ainda cambaleava, e provavelmente observava perplexo a cena que estava a sua frente. Não demorou muitos segundos para que ele tirasse a chave do bolso da calça branca e abrisse a porta da cafeteria e fosse embora rapidamente.

O local estava inteiro pelos ares: cadeiras e mesas derrubadas, cacos de vidro e sangue por todos os lados, as roupas de Marrie rasgadas no chão. E o cheiro de uísque por todos os cantos.

Marrie começou a chorar alto e só então começou a tremer suas pernas. Agora, também cambaleando, agachou-se e pegou seu vestido rasgado, e colocou-se nele novamente. Abraçou-se com as mãos, e sem calcinha, saiu a passos lerdos para fora da cafeteria em direção ao hospital. Ela precisaria de cuidados médicos.

Aproveitei a sua saída e fui embora da cafeteria, correndo até meu carro, estacionado próximo ao meu apartamento, e segui às pressas até o apartamento que David tinha e que usávamos para nos encontrar.

Lá tinha porteiro, mas como já era conhecido, subi sem precisar me apresentar. Imaginava que David estaria ali, e não errei em minha adivinhação.

Quando cheguei, abri a porta e o ouvi conversando ao telefone:

- Celina, você anotou o endereço então? Preciso de você aqui o quanto antes, minha cabeça está sangrando e os cacos ainda estão presos nela. Obrigada!

Fitei-o por alguns segundos, e antes que eu dissesse qualquer coisa, David se pronunciou:

- Paul, você não pode mais ficar com aquela mulher. Ela é maluca! Eu fui até a cafeteria de Sr. Brian, disposto a ter uma conversa de adulto com ela, e implorar para que ela fosse embora, pois eu amo você e não vou conseguir ficar longe, e te ver todos os dias no hospital. Mas assim que cheguei lá, ela me disse que só o deixaria se eu lhe desse uma enorme quantia em dinheiro, e obviamente eu neguei, pois jamais faria uma coisa assim. Aí, ela...

- SEU PORCO! COVARDE! – eu o agarrara pelo colarinho da camisa. – EU ESTAVA LÁ! EU VI TUDO O QUE VOCÊ FEZ! – não conseguia conter as lágrimas enquanto eu berrava. – EU VI O QUE VOCÊ FEZ COM A MARRIE! COVARDE!

- O quê?! Você estava lá?! – exclamou David, perplexo.

- Sim! EU ESTAVA LÁ! Eu queria falar com Marrie, e quando vi que você estava seguindo ela, resolvi me esconder atrás do balcão, pois queria ouvir o que você tinha para dizer a ela. Só me fez o quanto você é um COVARDE!

David riu ironicamente.

- Olha, Paul, você vai me desculpar, mas se você viu tudo como disse, se esteve presente em todo o acontecimento e não fez nada, você é muito mais covarde que eu.

Assim que ouvi o que David dissera, larguei o colarinho de sua camisa e o deixei em pé. Senti meu coração bater mais devagar.

- Olha só, meu querido, - David continuava rindo. – você também é um grande covarde. Conviva com isso a partir de agora: o homem que você mais abomina é melhor que você. Quem sabe a sua Marrie uma dia o perdoe, hein? HÁ HÁ HÁ. Se é que você vai ter coragem de dizer a verdade para ela: que me viu fazer o que fiz e ficou quieto igual uma pedra.


Saí do apartamento de David desolado, pois ele tinha razão: eu era mais covarde do que ele.

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