quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

PAUL E MARRIE - CAP. 11: A VERDADE SOBRE DAVID




E naquela manhã, a cafeteria de Sr. Brian não abriu.

Fiquei ali, durante algum tempo, com a sacola de roupas de Marrie nas mãos, esperando que algo de novo acontecesse. Todavia, não era pela cafeteria aberta que eu esperava. Para falar a verdade, meu caro leitor, eu provavelmente estava ali, parado, porque ainda estava um pouco bêbado, e porque não conseguira dormir em casa. E nem em meu apartamento.

Segui a passos calmos e largos até chegar ao hospital. Não era meu dia de trabalho, mas precisava de um café. E de qualquer lugar que não fosse a minha casa. Ainda era muito cedo, e havia apenas três pessoas na lanchonete esperando por um café quente. Acomodei-me junto a elas.

Eu falhara na noite anterior com as duas pessoas que eu amava em minha vida, se é que era possível dividir o coração em dois sem que isso se tornasse um problema. Porém, independentemente de amar duas pessoas ou não, eu falhara naquela noite. Eu deixara David sabe-se lá por quantas horas me esperando, e partira de vez o coração de Marrie.

Fiquei lembrando-me de sua voz angustiada, revelando o seu passado cruel, colocando em palavras toda a dor que um dia eu notara em seus olhos. Lembrei também da cicatriz na região abdominal de Marrie, que ontem descobri ser o resquício de uma cirurgia malfeita, provavelmente realizada sem qualquer cuidado cirúrgico, apenas para que ela continuasse sendo estuprada por “ele” e não precisasse mais fazer abortos.

Meus olhos encheram-se de lágrimas, pois não era só o coração de Marrie que estava partido. Eu também não sabia mais o que fazer com o meu.

Pensei também em David, e em como ele devia estar furioso comigo, e que eu deveria ir até a sua sala desculpar-me com ele. Mas por mais que eu soubesse o quanto eu estava errado, e em como fora desagradável a situação em que o colocara ontem, não tinha a menor vontade de procurá-lo para fazer as pazes. Só queria esperar que aquela dor de cabeça terrível passasse e então eu pudesse procurar Marrie. E me desculpar mais uma vez.

Entretanto, eu tinha plena consciência, sentado naquela cadeira fria da lanchonete do hospital, que não era mais um menino, um jovem apaixonado por uma pessoa proibida. Sabia que já era adulto, senhor responsável pelas minhas atitudes, e que por mais que a noite de ontem terminara em briga, não poderia deixar o meu duradouro relacionamento com David por Marrie. Seria muito melhor para mim esquecer tudo o que estava acontecendo com os meus sentimentos e focar-me no pedido de desculpas que deveria dar dali alguns minutos.

Fui surpreendido por Dr. Thomas, que sentou-se a mesa fazendo um pouco de barulho:

- Vocês não vão acreditar quem foi a última vítima do Dr. David! – disse ele, em tom baixo, mas audível para nós que estávamos próximos.

Ao sair de meus devaneios, percebi que o meu café já estava posto em minha frente. Dei um longo gole enquanto ouvia, curioso, a peripécia que Dr. Thomas contava.

- Entrei aqui ontem por volta de seis horas da tarde, para dar início ao meu plantão. As duas primeiras horas foram muito tumultuadas, houve um acidente na Avenida 3, mas após isso, tudo se aquietou neste hospital. Quando foi mais ou menos uma hora da manhã, fui até o jardim fumar um cigarro, e adivinha quem o Dr. David estava deixando aqui na porta? A ENFERMEIRA CELINA! – ao pronunciar o nome da tal enfermeira, Dr. Thomas bateu uma palma levemente.

- Dr. David?! – não estava acreditando no que acabara de ouvir.

- A enfermeira Celina? Meu Deus, mas faz apenas duas semanas que ela começou a trabalhar aqui! Este Dr. David faz questão de “batizar” todas que entram neste hospital. – Dr. John, um dos médicos sentados à mesa, comentou e ao mesmo tempo ria com satisfação por estar sabendo da novidade que logo percorreria todo o hospital.

- Esperem, vocês estão falando do mesmo Dr. David que eu estou pensando? – perguntei, espantado.

- E existe outro Dr. David neste hospital, Doutor-Anjo? – retrucou Dr. Thomas.

- Este Paul é uma figura! – sorriu Dr. John. – Só porque tem uma conduta implacável, fecha os olhos para o que acontece neste hospital!

- E não venha me dizer que você não sabe, Paul! O próprio Dr. David viu você na hora em que parou o carro aqui na porta! Você estava dançando com a sua nova namorada na lanchonete do Sr. Brian. – explicou-me Dr. Thomas com calma. – Você sabe por que eles não abriram hoje? Senti falta de tomar o meu café lá.

- Não, não eu não sei. – menti, enquanto ajeitava os óculos em meu rosto. – E estou espantado com esta história sobre Dr. David. Eu realmente não sabia. – agora dissera a verdade, fingindo não estar me importando com o que acabara de ouvir.

- O Dr. David tem uma espécie de “tara” com qualquer enfermeira novata deste hospital. É assim desde sempre, Paul. E você sabe, ele é o responsável por qualquer promoção aqui dentro. Muitas se deixam levar, outras realmente se apaixonam. Já ouvi dizer que até a mulher dele sabe, mas que ele implorou para que ela não se divorciasse dele para que ele pudesse manter a pose perante seus superiores aqui.

- É uma pena que Dr. David tenha que se prender às aparências para poder ser feliz. – ironizei, enquanto levantava da cadeira.

- É uma pena mesmo, Paul, mas você não vai acreditar em quantas pessoas ainda se escondem por de trás de uma moral inabalável.

- Nem posso imaginar, Dr. Thomas.

Ao sair da lanchonete, nasceu em mim algo que eu nunca havia sentido em toda minha vida: coragem. Pela primeira vez em muitos anos, eu não mais imaginei uma situação: decidi vive-la de vez. E também não pensei muito sobre o que iria dizer, não me planejei para o teatro de sempre, apenas deixei-me sentir e fazer o que precisava ser feito. Fui até o consultório de David e esperei alguns minutos até que ele me recebesse.

- Não irei mentir que é uma surpresa sua vinda em minha sala, Dr. Paul, porque já imaginava que fosse aparecer por aqui hoje, com o rabinho entre as pernas. – David se inclinou sobre sua mesa e me olhou por cima de seus olhos. Aquele olhar que até pouco tempo me amedrontava, naquele minuto apenas me fez sentir mais seguro. Era a minha hora de dizer a verdade.

- David...

- Dr. David, por favor.

- David, - repeti, em tom frio e um pouco mais alto. – se não quiser que eu denuncie você por estar assediando sexualmente as enfermeiras deste hospital, é melhor você não me interromper mais enquanto eu falo.

- Sobre o que você está falando, Dr. Paul? – David se recostou na cadeira, e eu vi, que apesar de seu tom confiante, que David estava mentindo e sabia exatamente sobre o que eu estava falando.

- David, não vim aqui para contestar suas atitudes, muito menos para julgá-las. Aliás, cansei de tudo isso! Vim aqui para julgá-lo sim! Você é um porco sujo, um babaca, um escroto, que está comendo este bando de mulher porque não é homem o bastante para afirmar que é homossexual! – não gritava, mas tinha um tom de voz acima do normal. – Você precisa se auto afirmar, e ficava usando dessas novatas para ver se algo muda em você! Mas posso te contar uma coisa, “Doutor”? Isto não vai mudar, nada vai mudar em você! Não adianta você negar, se esconder atrás de sua esposa, de seus filhos, de seu emprego, sua carreira, você vai continuar sendo a bicha que me procurou e me pediu para que fosse seu amante. Você sabe muito bem que o que você gosta é o que nenhuma mulher pode te oferecer...

- Basta, Dr. Paul. Saia da minha sala imediatamente antes que eu lhe dê um murro e...

- E o quê, David? Você quer resolver isso como dois homens selvagens? Poupe-me deste diálogo! Vim aqui para que dizer que quando fiquei sabendo a verdade sobre você, não senti ciúmes, nem tristeza, e nem decepção! Para falar a verdade, na hora eu não senti nada! Nem uma pitada de sentimento. Apenas alívio. Sim, “Doutor”, - ironizava. – senti alívio porque esta era a deixa que eu tinha para lhe dizer que eu me eu cansei de comer você, deste sexo vazio e prognóstico que tínhamos, e estou indo embora.

David tinha uma expressão indecifrável naquele momento: olhos arregalados, punhos fechados sobre a mesa, coluna ereta e tensionada. Sabia que o havia pego de surpresa, e que ele estava sem respostas.

- Vai voltar para aquela piranha, Paul?

- Não, David. Não vou “voltar para aquela piranha”, porque para ser bem sincero, eu nunca saí dela. Desde o primeiro dia em que a vi.

Fechei a porta de sua sala com cuidado e sorri para sua secretária, em tom de despedida. Saí do hospital com um sorriso no rosto, e decidi ir até meu apartamento descansar. Enfim o sono chegara. Era a hora de dormir para então acordar sendo um novo Paul. O Paul de Marrie.


2 comentários:

  1. AMEI O DESFECHO DESTE CAPÍTULO! E TODO ELE ELETRIZANTE, NEGA! AMEEEI!

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  2. Hoje li os capitulos 10 e 11 : que escritora maravilhosa que sabe envolver a gente............... te amo sempre, mamae

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