quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PAUL E MARRIE - CAP. 5 : A PRIMEIRA PROMESSA DE DAVID




Se me sentira constrangido antes, por ouvir aqueles homens que chamava de “colegas” falarem clichês machistas sobre Marrie, este sentimento de vergonha triplicara quando vira que David nos observava.

David era assim, um grande observador e pesquisador de nosso hospital. Tanto que com seu esforço e mente brilhantíssima, conseguira manter o seu cargo de médico-supervisor por mais de oito anos.

David era um homem sério, introspectivo. Os integrantes do hospital o consideravam um homem muitíssimo inteligente, de conhecimento imensurável, mas que pecava por ser o mais arrogante e frio dos médicos. David era quem dava as notícias de falecimento aos familiares daqueles que não resistiam a algum procedimento cirúrgico na nossa ala.

Mas eu não o enxergava assim. Pelo menos não naquela época. Apenas via o brilhante homem, que fazia aquele hospital crescer, que exigia de nós o nosso melhor sempre, e que me aconchegava em seus braços sempre que passava por um dia cansativo.

- David, me espere! Também já estou indo para o hospital. – chamei-o, enquanto andava às pressas para alcança-lo.

- Bom dia, Dr. Paul. – respondeu-me friamente. David não me chamava somente pelo nome quando estávamos em lugares públicos. – Achei que fosse passar o dia todo com sua nova namoradinha. – agora rira sarcasticamente.

- Ora, David...

- Dr. David, nós não estamos em seu apartamento.

- Você está com ciúmes de Marrie? – perguntei, sorrindo.

- Primeiro: fale mais baixo, não gostaria que ninguém escutasse este absurdo que acabou de dizer. Segundo: eu jamais sentiria ciúmes de um ser barato e feio, como esta puta que contratara. Sabe que ao vê-la dirigindo-se a você com aquele bando de cicatrizes pelos braços e pernas fez com que sentisse dó de vocês dois? Porque francamente, Dr. Paul, vocês formaram um casal ridículo. Poderia ter escolhido alguma outra mais bonitinha.

Fiz menção para falar com David, mas ele não me permitiu:

- Mas, como sou um namorado muito bonzinho, não permitirei que fique prestando este papel baixo por muito tempo. Mês que vem darei entrada em meu divórcio. – David ainda mantinha o sorriso sarcástico em sua face.

E pronto. Tudo estava resolvido. Meu rosto, que de repente ficara horrorizado com as palavras de David, agora se acalmaram e apresentaram um sorriso de surpresa. Não havia mais raiva pela noite anterior, e nem vontade de conversar sobre os problemas pessoais que estávamos vivendo. Não queria estragar aquele momento tão precioso. Mês que vem David iria se separar.

Passei a tarde e a noite toda trabalhando, pensando somente na hora em que saísse daquela sala de cirurgia para encontrar Marrie e lhe contar a grande notícia de meu dia.

Saí do hospital formulando as palavras, enquanto caminhava em direção de “seu” apartamento. Diria que me enganara, que David realmente estava passando por um período complicado, mas que tudo estava se resolvendo agora, porque dali a um mês ele se divorciaria e então poderíamos nos assumir.

Não me aguentava de felicidade. E Marrie era a única pessoa com quem podia desabafar naquele momento.

Toquei a campainha, porém não obtive resposta. Ao encostar na maçaneta, percebi que a porta estava aberta e logo fui entrando, chamando pelo nome de Marrie. Marrie não me respondia, mas sabia que estava em casa. Podia sentir seu cheiro no ar.

Quando vi a porta de seu quarto fechada, fui correndo abri-la, pois imaginei que Marrie estivesse ali dormindo. Contudo, minha menina estava acordada.

Deparei-me com Marrie completamente nua, apoiando um de seus pés sobre a cama, enquanto passava creme em seu corpo. Marrie estava ouvindo música no fone que deixara no meu flat.

Pensei em sair dali antes que ela percebesse minha entrada, todavia, já era tarde demais.

Marrie não se assustara. Ou, pelo menos, fingira que nada demais estivesse acontecendo. Apenas tirou os fones de ouvido e ficou de pé, frente a frente de mim.

Era impossível não notar que seus mamilos enrijeceram-se quando notara a minha presença, e o quanto suas cicatrizes tornavam-se imperceptíveis diante da beleza do corpo daquela pequena mulher.

Ainda tinha água escorrendo pelo seu corpo, provavelmente decorrentes do banho que tomara antes de começar a se hidratar. Senti uma vontade incontrolável de enxuga-la, não com uma toalha, mas com meus lábios.

Também senti uma pontada em meu peito, e sabia que aquela era a voz de meu coração dizendo que a partir do momento em que David se divorciasse, Marrie teria de ir embora.

- Sr. Paul, perdoe-me. Não esperava que fosse passar por aqui hoje.

- Permita-me enxuga-la, Marrie.

Sem esperar sua resposta, peguei uma toalha no banheiro do quarto e comecei a enxugar seus cabelos ruivos. E a massageá-los. E a sentir seu cheiro cada vez mais intensamente.

Não falei uma palavra sequer, e obviamente Marrie também não. Ela apenas tivera o cuidado de fechar os olhos e deixar que eu cuidasse dela naqueles segundos.

- David irá se divorciar mês que vem, Marrie. –disse enquanto a cobria com a mesma toalha. Já não havia mais a alegria em meu olhar ao dizer aquela frase.

- Que bom, Sr. Paul... daqui 30 dias você será o homem mais feliz desse mundo. – Marrie sorriu, e ao mesmo tempo vi seus olhos lacrimejarem.

- Sim, Marrie.

- Então ainda temos 30 dias para nos namorarmos.

- É.

- Não teria como eu ter um mês mais feliz do que um mês ao lado de um anjo. Prometo fazer de seus 30 dias um mês de céu, assim como o Sr.  o faz para mim.

- Marrie, eu não fiz nada demais.

- Você me levou para jantar, e me deu a chance de ter um emprego a luz do Sol. E quando me viu nua, apenas enxugou minhas cicatrizes com cuidado, como se o meu corpo fosse o seu também. Isso para mim é o céu, Sr. Paul.

E para mim o céu era estar ali, ao lado daquela pequena mulher chamada Marrie. E mais uma vez jantei ao seu lado, e depois adormeci no sofá. Estava em paz.





terça-feira, 26 de novembro de 2013

Espaço.



Venho de um lugar onde me ensinaram muitas bobagens, mas uma coisa souberam retratar fielmente a verdade: sou filha da Terra. Sou filha de tudo aquilo que transforma quando coloco meus pés em contato, sou filha da terra molhada coberta de grama, que às vezes permito-me sentar.

E ao sentar-me, já não há mais medo da vida, nem da morte, nem do “depois”. Porque ao direcionar minha visão para aquele horizonte, não temo mais atravessar esta mata fechada. Porque o céu e o inferno não se encontram em outra dimensão, ambos habitam o Planeta Terra. E no meio deles, no centro exato dos dois, existo eu, morando em um lugar chamado “espaço”.

Espaço assim como aquele que é o tempo que leva para uma pálpebra se fechar e se abrir de novo. Como é o espaço para se lubrificar os olhos.

Espaço este que não é nem maior, nem menor. É justo. É equilibrado. Espaço que é como uma bolha de ar, que é o que me limita e me protege me deixando estar entre o céu e o inferno.

E assim como é curto o espaço de um piscar de olhos, também o  é a distância de tudo aquilo que tanto temo. Acontece que após tantos anos vivendo no mesmo espaço, na mesma bolha, rodeando-me de nada mais, nada menos que eu, perdi a noção geográfica e já não sei mais o que está em cima, e o que está em baixo.

Já não sei mais se o meu temor é do inferno ou se é do céu. É que neste curto espaço de fechar os olhos, perdi o rumo de meus passos, o sentido de minha vida dentro desta bolha.

E o fato é que desejo e profetizo uma coisa, mas meus passos me levam a outra direção, seguem o seu próprio caminho. Como se o que estivesse dentro de mim falasse mais alto que o resto de meu corpo, e não me deixasse mentir mais.

Calarei minhas palavras, porque tempo também é espaço e já não posso perde-lo mais. Não fecharei mais meus olhos, não viverei os segundos de tocar as pálpebras para que eles se lubrifiquem. Vou me deixar lacrimejar.

Atravessarei esta bolha para sentir como é estar no infinito. Como é ser e viver o prazer da imensidão. E já não me importa mais se cairei no céu, ou se cairei no inferno.

A verdade é que cansei de dar espaço... E estou indo atrás de você.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PAUL E MARRIE - CAP. 4: QUANDO ME TORNEI O "BONITÃO" DE MARRIE




Ao sentar-me para tomar café, espera que Marrie fosse puxar algum assunto, agradecer pelo jantar da noite anterior, ou mesmo perguntar porque David não aparecera no apartamento.

Mas Marrie apenas me olhava. Sem falar palavra alguma, sentou-se ao meu lado e me observou tomar café. Ventava pela janela aberta e seus cabelos ruivos se misturavam em balançar e grudar em seus lábios.

Marrie não parecia se importar, apenas olhava-me atentamente tomar o café, como se não pudesse perder nenhum segundo daquele simples momento que passava ao meu lado.

- Por quê você está me olhando deste jeito, Marrie? – perguntei, colocando a xícara de café sobre a mesa.

- Perdoe-me, Sr. Paul. É que seus olhos destacam-se ainda mais quando está sem os óculos. Será que os anjos do céu usam óculos também?

Deixamos o apartamento às pressas, pois Marrie não podia se atrasar para seu segundo dia de trabalho. Fiquei atordoado com aquela frase que Marrie dissera. Não gostava quando ela me chamava de anjo. A verdade é que não me incomodava nem um pouco ser intitulado como “Doutor-Anjo”, até me sentia um pouco superior aos outros médicos quando alguém se referia a mim assim.

Todavia, não me sentia bem quando Marrie me chamava daquela maneira. Porque percebia pelo olhar daquela pequena mulher que ela não só me chamava de anjo. Marrie acreditava que eu assim o fosse.

Mal vi quando chegamos à cafeteria de Sr. Brian. Apenas me dei conta quando vi o agrupamento dos médicos de sempre esperando que o recinto se abrisse. E foi então que percebi que passara a noite fora de casa e estava sem o meu jaleco.

Lembrei-me também que havia alguns jalecos de sobra em meu apartamento, que bastaria pedir a chave para Marrie sem que ninguém percebesse e resolveria aquele problema.

Porém, quando olhei para Marrie, ela já estava colocando uma sacola de plástico sobre uma mesa e convidando todos gentilmente para adentrarem. E sequer olhou para mim.

Christopher, um ginecologista que estudara comigo na Universidade de Medicina, conduziu-me pelo braço até uma mesa, onde ele e mais um médico e um enfermeiro se sentaram:

- E aí, comeu a garçonete? – perguntou-me em tom descontraído.

- Como? – retruquei, assustado, pois não havia me preparado para aquela sabatina de perguntas machistas.

- Christopher, eu te falei, o Paul é um veadinho mesmo! Tenho certeza que ele dormiu na casa dessa garçonete e sequer pôde ver quantas cicatrizes a mais aquela ruiva gostosa esconde. – interpôs Charles, o oftalmologista mais conceituado daquele hospital.

Os três começaram a rir. E fora sempre assim, desde a época da graduação em Medicina. Minha timidez sempre me prejudicara, me fizera ser alvo de chacotas, gozações maldosas e pegadinhas de mal gosto.

Era um homem muito bonito, e fazia muito sucesso com as mulheres, contudo sempre as decepcionava em nossos encontros, pois falava muito pouco e era muito “devagar”.

Ninguém acreditou quando resolvi me especializar para ser um cirurgião, já que um “maricas” como eu jamais daria conta de abrir uma pessoa sem tremer as mãos. Não sabia, na época, se seria melhor me assumir homossexual ou se seria melhor passar por cima destes insultos e continuar com o meu disfarce.

- V-vocês, vocês estão muito enganados. Tive uma excelente noite. – além de gaguejar, meu tom de voz não era nada convincente.

- Então se você comeu a ruivinha...

- Por favor, Doutor. Não chame Marrie assim. – sentia ojeriza ao ouvir aqueles homens falarem de Marrie daquele jeito. Eles não a conheciam. Não tinham este direito.

- “Doutor-Anjo” está apaixonado... – todos gargalhavam.

- Paul, conte para nós, então... Aonde mais ela tem cicatrizes?

- Que comentário mais impertinente, Charles. – eu suava de nervoso.

- Ou pelo menos quantas cicatrizes ela tem, parecem ser muitas!

- São 23 cicatrizes, “doutor”, e se quiser saber algo mais sobre elas, basta que tenha coragem e seja homem o suficiente para encarar-me e perguntar, e não ficar interrogando o Dr. Paul.

Eu ficara boquiaberto. Não só eu, mas todos os presentes naquela mesa. Ninguém vira Marrie chegar, e ninguém imaginava que ela estivesse ouvindo a nossa conversa.

Senti uma enorme vergonha de mim, e de tudo que aquela mulher ouvira por minha causa. Quis levantar e abraçar-lhe, dizer que aqueles homens eram um bando de imaturos e que suas cicatrizes não mudavam em nada sua beleza. Que nada nesse mundo poderia lhe deixar feia.

Entretanto, a única coisa que consegui fazer na hora foi ajeitar-me na cadeira e colocar meus óculos dentro do bolso de minha camisa. Marrie se aproximou e entregou-me a sacola de plástico que trouxera consigo.

- Oi, bonitão. – Marrie aproximou-se ainda mais e sorriu para mim. – Você quase esqueceu de pegar seu jaleco comigo. Tenha um bom dia.

Marrie tocou delicadamente com sua mão direita o meu maxilar e pousou os seus lábios sobre os meus.

Não poderia chamar aquilo de beijo, porque não o foi. Marrie pousou seus lábios sobre os meus e então sugou um deles com delicadeza, por uns dois ou três segundos.

E ao soltá-lo, quem resolveu sugar um de seus lábios fui eu. Porque queria saber se a sensação de fazer aquele movimento era tão boa como foi quando o senti. E porque seus lábios eram tão macios que só me dava vontade de apertá-los. E tão meus naquele momento.

E quando tive Marrie tão próxima a mim, senti um cheiro que dera vontade de viver uma vida completamente diferente de tudo aquilo que havia passado até o dia presente.

Soltei-lhe o lábio e o nosso beijo de cinco segundos terminou. Marrie ainda segurava o meu maxilar, e em meio aos seus lábios, agora trêmulos, vi um sorriso aparecer.

Segurei a sua mão, que encostava em meu rosto, e sorri-lhe de volta. O nosso namoro estava acabando de começar.


E enquanto sorria para Marrie, apertei os olhos para olhar mais a frente, pois sentia que alguém nos observava. David estava na porta da cafeteria de Sr. Brian.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Em par.


Não forçarei você a entrar por este caminho. Porque o destino não é como uma porta, que se pode abrir e fechar, e convidar quem se deseja para adentrar. O destino é uma linha reta. Para permanecer, é preciso se equilibrar.

Decidi entrar em seu destino. Porque não me basta mais andar por pé-ante-pé. Quero poder caminhar. E para caminhar com tranquilidade e exatidão, percebi que não conseguiria sozinha, precisaria de dois destinos. Porque o Universo é ser-plural.

Já fui uma dessas pessoas, que inconformadas com a maré, resolveram remar contra ela, em busca de um lugar seguro, de uma ilha melhor. Contudo, hoje não sou mais assim.

Posto que tomei uma decisão em minha vida: a de ser minha própria maré. A de me permitir abrir os braços e deixar-me levar por está água salgada, pois enquanto lutava na correnteza contrária, perdia a chance de nadar neste mar.

O que tento explicar é que não mais luto contra as forças do destino, agora aceito o Universo como ele é. E sei que ele é plural. É par... Par que nada mais é o que acontece quando dois seres ímpares se juntam. Quando eu e você nos deixamos ser aquilo que sempre fomos, que entretanto agora passamos a ser juntos. Passamos a ser em par.

É inegável a perfeição dos dias e da corretiva do tempo no passar de cada um deles. E mais inegável ainda é a dificuldade de se equilibrar nessa linha reta sem fim, que não consigo (e nem quero) enxergar para onde irá me levar. Este exercício diário, do pé-ante-pé, de estar de pé, pode até me fazer mais forte, tornar-me mais preparada, mas não me deixa descansar. E a partir de hoje, quero férias.

Quero pode viver sem me preocupar em olhar para frente e para baixo, verificando se meus pés estão andando de forma correta por este "destinolinhareta". Quero surpreender-me.

Quero abrir os braços não mais para equilibrar-me por completo, mas para o inverso, para me desequilibrar, para deixar-me levar, assim como o fiz quando parei de remar contra a maré.

Leva-me!, "destinolinhareta", leva-me para onde bem entender, e para onde achar que meus planos farão de mim uma pessoa melhor. Leva-me para onde jamais poderia chegar se não tivesse fechado os olhos para este de mundo de regras e imposições.

Leva-me, porque cansei de reclamar de seus desígnios e passei a entendê-los como a minha única salvação. A minha única chande de poder completar-me. De poder ser dois.

Leva-me, porque agora sou plural. Sou par. Sou dois. Sou união. Sou ser invencível.

Sei que sou invencível porque se em algum momento eu perder o equilíbrio, e correr o risco de cair desta corda, terei uma mão para me segurar. Uma não, duas! Um par de mãos para me trazer de volta. O par de mãos que me fez plural.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Um mês de blog

Este é um post que, apesar de ser pessoal, não deixa de ser para você que acompanha "O Blog da Nega".

Hoje, com praticamente 2000 acessos, completamos um mês de blog.

E é com muita gratidão que venho agradecer a cada pessoa que reservou um pedacinho de seu tempo para ler o que a "Nega" tem escrito.

Agradeço também a todos os comentários, e-mails, inbox no facebook e a todas as mensagens que recebi, com muito carinho e energia positiva de pessoas amigas, e de muitas outras que sequer imaginei receber.

E em especial, gostaria de agradecer aos meus "colaboradores", que mandam críticas, descobrem meus erros (ortográficos ou não) e logo vêm me procurar para mostrá-los, dando-me oportunidade de corrigi-los. Muito obrigada!

Sou humana. E este é um blog de uma humana para outros seres humanos dispostos a abrir seus corações para um minuto de leitura descompromissada.

O meu intuito concreto por aqui: ...! Ainda não sei! Sei que este é um blog de "Ar+Risco" e a cada dia que passar, cada vez mais vocês os encontrarão: mais ares, e mais riscos.

Termino este post com um grande sorriso e com um trecho do livro "Água Viva" (o meu preferido) da nossa musa literária Clarice Lispector:

"E com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. (...) Porque ninguém me prende mais."

Beijos,

Jejé Nega.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

PAUL E MARRIE - CAP 3: O NOSSO PRIMEIRO ENCONTRO




Quando cheguei à porta da cafeteria de Sr. Brian para buscar Marrie, deparei-me com os dois sentados e rindo a respeito de algum assunto que conversavam. Nunca vira antes desse dia Sr. Brian sorrir alguma vez.

Havia alguma coisa no olhar de Marrie, ou no modo como conversava om as outras pessoas, que fazia com que surpresas acontecessem todos os dias, por onde quer que passasse. Naquele dia eu não era capaz de compreender, mas depois entendi que Marrie era tudo aquilo simplesmente porque não usava máscara alguma. Não precisava. Não havia espaço naquele rosto recém-operado para fingimento qualquer. Marrie só precisava ser ela mesma.

Da entrada em meu carro até a chegada no restaurante, não trocamos uma palavra sequer. Queria muito lhe perguntar como conseguira tão rápido aquele emprego, ou como fora capaz de fazer Sr. Brian sorrir, porém não o fiz. Tinha medo do que aquela pequena mulher iria me responder. Tinha medo porque sabia que Marrie jamais seria apenas uma namorada de aluguem em minha vida até que David se divorciasse. Entretanto, prefira não assumir para mim mesmo o que estava prestes a acontecer.

Ao sentarmos na mesa que reservei, logo fiz o pedido de nossos pratos, pois Marrie preferira não escolher. Não consigo lembrar-me do que comemos naquele dia, estava tão desconfortável com aquela situação que suava frio, só por estar de frente para aquela pequenina mulher.

Marrie começou a rir.

- Sr. Paul, pelo modo que está se comportando, parece que quem está pela primeira vez em um restaurante é o senhor!

- É que eu não esperava que você fosse conseguir o emprego tão rápido... - Marrie olhava atentamente para os meus lábios, como se estivesse tentando lê-los antes que pudesse me ouvir. -... e agora não sei por onde começar.

- Comece por hoje, Sr. Paul. Comece contando-me como foi seu dia.

- Não creio que esteja interessada em saber sobre cirurgias, Marrie. -não quisera soar arrogante com aquela frase, todavia, assim fora.

- Muito pelo contrário, Sr. Paul. Li sobre cirurgias desde o dia em que Mr. Richard me adotou. Elas são o meu hobby.

Um arrepio subiu pela minha nuca após ouvir Marrie dizer "hobby" e "adotara". Por que motivo uma mulher tão doce como a que estava diante de mim fora parar em um bordel? E como era ela capaz de referir sua relação com o seu cafetão como uma adoção?

Sem perceber, já estava contando como fora meu dia, como era minha família, e como era meu relacionamento com David. Muito mais que qualquer cordialidade, Marrie realmente parecia se interessar por tudo aquilo que lhe contava, tanto que sequer tocamos em nossas comidas quando estas chegaram.

Marrie também revelou-me que fora ela quem cuidara de Mr. Richard após a cirurgia que fizera nele tempos atrás.

- Você fez um bom trabalho, Marrie. -elogiei-a com um sorriso.

- Não, Sr. Paul. Você fez um bom trabalho. Eu apenas o mantive. Você é literalmente um "anjo-doutor". Um anjo. E um doutor.

Muito desconcertado, explicara a Marrie que anjos não tentavam destruir casamentos, e que não se apaixonavam por pessoas do mesmo sexo, quem dera operavam cafetões na surdina da noite.

- Sr. Paul, anjos não precisam ter asas, nem fazer milagres para se tornarem tais. Para ser um anjo, basta que não exista regras e limites em seu amor ao próximo. E o senhor é assim.

Seus olhos brilhavam ao falar comigo, como se realmente fosse muito grata pelo dia em que salvei a vida de Mr. Richard. Se não fosse pelo termo "adotou", suspeitaria que os dois já tivesse tido um caso. Ou assim queria que fosse a verdade, para que conseguisse enxergar uma qualidade que fosse a menos naquela mulher.

Conversamo ainda mais. Ou melhor, eu me abrira para ela. Contara de meu problema de insônia que estava vivendo desde quando para de fumar, sobre o motivo pelo qual escolhera a Medicina, entre tantas outras coisas que já me falham a memória.

Pedi então a conta e fomos embora para "seu" apartamento. Combinara com David para que ele fosse até lá conhecê-la.

Marrie não levara um móvel sequer para o apartamento que lhe entregara. Tudo estava da mesma maneira que havia deixado, não fosse pelos inúmeros vasos de flores que ela espalhara por ali. Dera ao meu lar um toque de mulher. Um toque de uma mulher que ainda amava flores.

Sentei-me no sofá, à espera de David, que a qualquer momento estaria por vir. Contudo, mal se passaram cinco minutos e eu já estava adormecido por ali.

Acordei assustado, já de manhã, e para minha surpresa, estava coberto por uma colcha, também de flores. Marrie estava tranquilamente preparando o café.

- Por quê você não me acordou? -perguntei, espreguiçando.

- Porque David não apareceu ontem à noite, Sr. Paul.

- Você deve estar me achando um maluco, não é? ontem mesmo disse que estava com problemas para dormir, e mal já cheguei aqui e adormeci no sofá. - sorri, envergonhado.

- De maneira alguma, Sr. Paul. Estou feliz que tenha encontrado um lugar onde possa se restaurar em paz. Venha, preparei-lhe um café da manhã.

Queria ligar para David, estava nervoso porque não aparecera na noite anterior e nem sequer me avisara. Já não era a primeira vez que ficava esperando por ele ao longo da noite. A diferença é que desta vez eu dormira. Em paz, como Marrie havia dito. Sabia que precisávamos conversar sobre isso seriamente, e sobre muitas outras coisas.

Entretanto, ao levantar-me do sofá, não fui em direção ao meu telefone.

Primeiro queria tomar café com Marrie.

domingo, 10 de novembro de 2013

Identidade.


(FOTO: http://www.flickr.com/photos/17411454@N05/2190558121/in/photolist-4kzbBt-4mXkkU-4v3NHW-4FibH7-56x5q4-56Beww-56BeKq-5hrUAk-5uPgn4-5VkjTE-65tWnX-6fNpnu-6xHfSJ-6GKGTu-6YMfF8-7dQMup-7eacCn-7ee68A-7enuqu-7frcrA-7jEVj9-7nUbc8-7nUPRK-7nY3Su-7nYHAQ-7qWeo6-7r1aEw-7uMjSC-7uXUu9-7vBQif-7x1Dce-7x1Dmv-7x332N-7x33fm-7x33th-7x5sys-9sQt9r-boLFDM-boLFxD-bubaT1-baRPgp-baRM8P-baRNHZ-baRQdn-bH5YBK-bmSa2R-7Dk5BT-8oijQk-8oVR5L-8omw7d-8oSFRg)

Só fui capaz de entender minha natureza interna depois que aprendi que 70% do corpo humano é composto por água. Sou feita de um mar sem fim.

E a minha pele seria como a areia que permeia este mar, que o limita, o enfeita, o envolve, mas que não é nada diante de sua imensidão, pois a verdadeira cor está ali.

Porque sem o mar, a areia pode ser clara, escura, limpa, macia, mas não consegue deixar de ser apenas um amontoado de pedras minúsculas, que se esquentam com a menor variação do sol.

O mar não. A água que transborda pelo meu corpo veio para mostrar quem é o real dono desta propriedade impagável. É quem refresca e quem protege a areia de se transformar em brasa.

Foi só quando compreendi que é o mar que torna uma praia completa, é que resolvi adentrar-me em sua extensão incalculável. Cansara-me de ficar estirada na areia, à espera da onda perfeita, e resolvera pular no mar.

Resolvi assumir que sou este vai-e-vem eterno de águas, em que a maré depende da Lua, e sofre com a ressaca. Perdi o medo de ir mais além, de sair da água beira-mar transparente e fui para o seu centro: o azul escuro negro.

Eu que me arrepiava ao imaginar em como seria estar ali, sozinha, sem bote ou colete salva-vidas, entendi que não havia ninguém que pudesse me salvar de mim.

Não existiria forma compreensível pelo homem capaz de tirar a pessoa daquilo que ela realmente é. Não para sempre.

E eu sou o azul escuro negro, o vai-e-vem de ondas eterno, sou a imprevisão que sem mais, nem menos, envia a maré baixa à praia.

Maré baixa que é só uma ilusão, um conforto de calmaria, que vem para enganar quem está na praia. Pois quando esta fica silenciosa, em paz, é porque a tsunami está para chegar.

E é de repente, imotivada, que a água que flui e que preenche cada parte humana minha, transforma-se em um turbilhão de forças impossíveis de segurar.

Às vezes sou esta onda gigante também. Às vezes sou este tsunami sua transborda e que derruba tudo aquilo que demorou a se construir. Invade, derruba, destrói, termina, rompe. E em poucos minutos, aquilo que era paraíso, torna-se destruição.

Fiquei inúmeras vezes decepcionada com o mar que imprevisivelmente transformava-se em arma. Que vinha sem avisar para tornar tudo um deserto,  em somente areia e mar.

Contudo, hoje, ao olhar a minha praia particular, percebo que nem tudo a onda gigante foi capaz de levar embora. Ainda existe vida aqui. Coqueiros permaneceram intactos, e o mar que até pouco era tsunami, voltou a ser tranquilidade e maresia.

Hoje sei que a tsunami quando vem, vem para me salvar. Para renovar os lugares que precisam ser preenchidos de qualquer coisa que seja nova, e para manter intacto somente aquilo que tem um alicerce seguro em minha terra. Somente aquilo que se dá bem com o mar.

É a tsunami minha melhor amiga distante, com quem raramente encontro, mas que nunca deixo de ter a certeza que uma hora aparecerá.

Porque a regra a de minha natureza, de minha identidade, é uma só: maré baixa vai, e tsunami, e tsunami vem...



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

PAUL E MARRIE - CAP 2: A CAFETERIA DE SR. BRIAN

(Leia o primeiro capítulo em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2013/10/paul-e-marrie-cap-1-solucao-de-meus.html )





Nunca vou me esquecer do calor que fazia naquela quinta-feira quando entrei naquele bordel em busca de uma ajuda de Mr. Richard.

Após termos resolvido as questões financeiras, Mr. Richard deixara-me a sós com Marrie para que pudéssemos resolver as demais questões.

Não sabia explicar como, mas eu já havia arquitetado milimetricamente como tudo iria acontecer: Marrie moraria em um pequeno flat que tinha em meu nome, o qual usava para guardar meus livros antigos e às vezes descansar após um difícil plantão, por se localizar próximo ao hospital. Na rua à frente do hospital existia uma excelente cafeteria, onde todos os médicos tinham o costume de se encontrar. E onde fora o meu primeiro encontro com David.

O dono do local, Sr. Brian, era um homem ranzinza, viúvo há mais de dez anos, que, entretanto parecia ter permanecido naquele dia. Ninguém além de nós, os clientes médicos, suportavam aquele pobre senhor, e não havia ninguém que Sr. Brian aceitasse como sua funcionária por mais de um mês, pois nenhuma se igualava ao que um dia sua esposa fora.

O fato era que aquele lugar precisava de uma garçonete, e este seria o único desafio que impusera à Marrie: ela precisaria trabalhar naquele lugar para que pudéssemos nos conhecer, e então começássemos o nosso namoro fictício.

Dar-lhe-ia uma semana de prazo, para que pudesse pegar suas coisas, se organizar no flat, e enfim fosse atrás deste emprego. Havia deixado claro, também, que se Marrie não conseguisse, deveríamos desistir do plano.

- Sr. Paul, - Marrie tinha algo em sua voz que era tão agradável que me despertara a vontade de ouvir a sua história. - só tenho um pergunta. - olhava-me nos olhos com tanta vergonha que não poderia dizer sobre o que se tratava.

- Pois não, Marrie...

- Não faça um mau julgamento de mim, Sr. Paul, mas faz oito anos que não saio desta casa. Eu não sei onde fica o hospital. - havia agora lágrimas em seus olhos.

Preferi não perguntar o motivo daquela pequena mulher nunca ter saído do bordel e muito menos questioná-la onde fizera então aquela reconstrução de face, que aparentava ser recente. Percebia que suas cicatrizes, apesar de ser um assunto que me deixava muito curioso, não estavam ali para que eu interrogasse suas origens. Não queria fazer aquela mulher chorar.

Apenas entreguei a chave do flat para Mr. Richard e pedi para que ajudasse Marrie a se acomodar e lhe mostrasse onde ficava a cafeteria do Sr. Brian.

Fui embora dali orgulhoso de mim e de meu plano que aparentava ser infalível. Marquei um encontro com David naquela noite e lhe contei todo o ocorrido. Estranhamente, David ficara muito mais feliz com todo o plano do que eu mesmo ficara. Contudo, naquele dia, não estava eu interessado em prestar atenção nas reações que David tinha, mas sim em como seu sorrido estava lindo e em como era bom dormir encostado em seu ombro, sentindo o calor de sua pele esquentando a minha.

Quando acordei, David não estava mais lá. Também não me importei com isso, pois meu dia seria longo: duas cirurgias me esperavam, e uma logo pela manhã. Saí correndo de nosso esconderijo para que pudesse comer um pão com manteiga e tomar um café na cafeteria de Sr. Brian.

A cafeteria abria às sete da manhã e já se encontravam alguns médicos na porta, esperando sua abertura. Para nós, era sempre assim, nossas alegrias resumiam-se em comer algo gostoso, contar uma piada na mesa, pois nunca nos sobrava tempo para que pudéssemos ter um momento de diversão de verdade.

E para minha surpresa, não fora Mr. Brian quem abrira a porta da cafeteria pontualmente às sete da manhã. E sim Marrie.

Usava um vestido florido até os joelhos, um pouco tampado pelo avental do estabelecimento, e tinha um coque em seus cabelos que não escondiam o brilho ruivo deles, muito pelo contrário, estes se destacavam, porque Marrie os prendera com uma flor.

- Bom dia, senhores, vamos entrando, porque o café de vocês já está servido. - havia um ânimo em sua fala que jamais sairia de uma garçonete comum. Marrie sorria porque finalmente pudera estar fora de seu bordel.

Sentei-me com os demais doutores, entretanto não toquei minha comida. Fiquei a imaginar como Marrie conseguira convencer Sr. Brian a lhe contratar em tão pouco tempo.

- Paul... - disse-me Roberto, um dos ginecologistas do hospital.

- Sim... - respondi, dispersando-me das minhas indagações internas.

- Por que você não chama a nova garçonete do Sr. Brian para sair? - os outros dois médicos da mesa começaram a rir. -Você não tirou os olhos dela desde que chegou...

Por um momento hesite, mas sabia que agora era a hora de agir. Respondi confiante:

- É isto mesmo que vou fazer...

Levantei-me da mesa e fui em direção ao caixa. Marrie estava sorrindo para mim. Um pouco sem graça, comecei o diálogo:

- Como você conseguiu isso, Marrie?

- Sr. Paul, se você realmente quiser saber, vai ter que me convidar para sair... - desta vez Marrie sorria ainda mais, e de uma maneira tão simples, tão sincera, que me fizera sorrir também.

- Hoje, depois que sair do plantão, passo aqui para buscar você. Tudo bem? - resolvi entrar na brincadeira também.

- Sim senhor, Doutor Anjo, estarei lhe esperando com um novo café quente, porque o seu, pelo visto, já esfriou.

Ao virar para trás, vi que todos os médicos tentavam entender o que nós dois conversávamos. Gesticulei um "sim" para eles e saí da cafeteria em direção à minha primeira cirurgia do dia. Havia alegria em meus olhos.


Pronto. Naquela noite teria o meu primeiro encontro com Marrie.

domingo, 3 de novembro de 2013

CALAFRIO.




Habita dentro de mim um sussurro que ainda não consegui decifrar qual mensagem vem me trazer. Como se meu corpo diariamente me enviasse um recado em um língua que não fosse humana.

É que dentro de mim mora uma serpente, que é ser de espessura fina, sem pernas, sem mãos, leve e silencioso, capaz de passear pelo meu corpo inteiro, conhecendo plenamente cada parte de mim.

E esta serpente precisa me contar algo. Já cansou de percorrer o meu metro e alguma coisa e agora quer conversar sobre o que desvendou.

Mas esta serpente ainda não aprendeu a falar a língua dos homens. Este réptil só consegue sussurrar. Sussurro agonizante, que é o barulho de sua língua colocando-se para fora, sentindo a temperatura do ambiente, sentindo o calor que é viver dentro de mim.

Contudo, pouco importa para a serpente quantos graus fazem ali de fora, "ali de fora" que é o "dentro de mim". Pois dentro da serpente é sempre frio. Um frio molhado, como a brisa que vem na madrugada apenas para mostrar o quanto a cidade está vazia.

Frio este que a serpente sussurra para mim. Porque mesmo ao caminhar no calor, com os pés nus deixando-se queimar pela areia transformada em brasa, quando a serpente quer sussurrar, o meu corpo gela.

Gela de tal maneira que o suor que escorre pelas minhas costas é frio, derretendo-se na pele quente, fazendo da cabeça aos pés arrepiarem-se.

O sussurro da serpente é o medo que tenho de mim. É o calafrio que surge só de pensar no que ela tem para me contar. O calafrio é o medo de mim. É medo de serpente e medo de ser humano também. Porque sou os dois.

E se não entendo o seu sussurro, compreendo o sentimento, a sensação que ele transmite: de quem manda em mim. De quem domina, quem hipnotiza.

Fecho meus olhos para escutar melhor este sussurro: é hora de perde o medo deste calafrio. É hora de deixar-me ser serpente para saber como é ser aquela que causa arrepios com a sua presença. Ser a dona de um olhar tão seguro que é capaz de hipnotizar, capaz de tomar para si presas muito maiores que o seu tamanho.

No anseio de não mais sentir calafrios, e sim transmiti-los, fechei os olhos para que pudesse me comunicar com o réptil que me habitava.

E ao me concentrar, uma surpresa! Consegui ouvir o que a serpente sussurrava para mim. Ela dizia:

"Deixa-me ir... Deixa-me ir, pois algo está se esquentando de tal maneira que me queimará por inteira. Não há espaço para nós dois aqui."

"Quem é este, serpente? Que sem luta, sem medo, e só com o calor conseguiu te expulsar do meu corpo?"

"É o seu coração."