(Leia o quarto capítulo em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2013/11/paul-e-marrie-cap-4-quando-me-tornei-o.html )
Se me sentira constrangido antes, por ouvir aqueles homens
que chamava de “colegas” falarem clichês machistas sobre Marrie, este
sentimento de vergonha triplicara quando vira que David nos observava.
David era assim, um grande observador e pesquisador de nosso
hospital. Tanto que com seu esforço e mente brilhantíssima, conseguira manter o
seu cargo de médico-supervisor por mais de oito anos.
David era um homem sério, introspectivo. Os integrantes do
hospital o consideravam um homem muitíssimo inteligente, de conhecimento
imensurável, mas que pecava por ser o mais arrogante e frio dos médicos. David
era quem dava as notícias de falecimento aos familiares daqueles que não
resistiam a algum procedimento cirúrgico na nossa ala.
Mas eu não o enxergava assim. Pelo menos não naquela época.
Apenas via o brilhante homem, que fazia aquele hospital crescer, que exigia de
nós o nosso melhor sempre, e que me aconchegava em seus braços sempre que
passava por um dia cansativo.
- David, me espere! Também já estou indo para o hospital. –
chamei-o, enquanto andava às pressas para alcança-lo.
- Bom dia, Dr. Paul. – respondeu-me friamente. David não me
chamava somente pelo nome quando estávamos em lugares públicos. – Achei que
fosse passar o dia todo com sua nova namoradinha. – agora rira sarcasticamente.
- Ora, David...
- Dr. David, nós não estamos em seu apartamento.
- Você está com ciúmes de Marrie? – perguntei, sorrindo.
- Primeiro: fale mais baixo, não gostaria que ninguém
escutasse este absurdo que acabou de dizer. Segundo: eu jamais sentiria ciúmes
de um ser barato e feio, como esta puta que contratara. Sabe que ao vê-la
dirigindo-se a você com aquele bando de cicatrizes pelos braços e pernas fez
com que sentisse dó de vocês dois? Porque francamente, Dr. Paul, vocês formaram
um casal ridículo. Poderia ter escolhido alguma outra mais bonitinha.
Fiz menção para falar com David, mas ele não me permitiu:
- Mas, como sou um namorado muito bonzinho, não permitirei
que fique prestando este papel baixo por muito tempo. Mês que vem darei entrada
em meu divórcio. – David ainda mantinha o sorriso sarcástico em sua face.
E pronto. Tudo estava resolvido. Meu rosto, que de repente
ficara horrorizado com as palavras de David, agora se acalmaram e apresentaram
um sorriso de surpresa. Não havia mais raiva pela noite anterior, e nem vontade
de conversar sobre os problemas pessoais que estávamos vivendo. Não queria
estragar aquele momento tão precioso. Mês que vem David iria se separar.
Passei a tarde e a noite toda trabalhando, pensando somente na
hora em que saísse daquela sala de cirurgia para encontrar Marrie e lhe contar
a grande notícia de meu dia.
Saí do hospital formulando as palavras, enquanto caminhava
em direção de “seu” apartamento. Diria que me enganara, que David realmente
estava passando por um período complicado, mas que tudo estava se resolvendo
agora, porque dali a um mês ele se divorciaria e então poderíamos nos assumir.
Não me aguentava de felicidade. E Marrie era a única pessoa
com quem podia desabafar naquele momento.
Toquei a campainha, porém não obtive resposta. Ao encostar
na maçaneta, percebi que a porta estava aberta e logo fui entrando, chamando
pelo nome de Marrie. Marrie não me respondia, mas sabia que estava em casa.
Podia sentir seu cheiro no ar.
Quando vi a porta de seu quarto fechada, fui correndo
abri-la, pois imaginei que Marrie estivesse ali dormindo. Contudo, minha menina
estava acordada.
Deparei-me com Marrie completamente nua, apoiando um de seus
pés sobre a cama, enquanto passava creme em seu corpo. Marrie estava ouvindo
música no fone que deixara no meu flat.
Pensei em sair dali antes que ela percebesse minha entrada,
todavia, já era tarde demais.
Marrie não se assustara. Ou, pelo menos, fingira que nada
demais estivesse acontecendo. Apenas tirou os fones de ouvido e ficou de pé,
frente a frente de mim.
Era impossível não notar que seus mamilos enrijeceram-se
quando notara a minha presença, e o quanto suas cicatrizes tornavam-se
imperceptíveis diante da beleza do corpo daquela pequena mulher.
Ainda tinha água escorrendo pelo seu corpo, provavelmente
decorrentes do banho que tomara antes de começar a se hidratar. Senti uma
vontade incontrolável de enxuga-la, não com uma toalha, mas com meus lábios.
Também senti uma pontada em meu peito, e sabia que aquela
era a voz de meu coração dizendo que a partir do momento em que David se
divorciasse, Marrie teria de ir embora.
- Sr. Paul, perdoe-me. Não esperava que fosse passar por
aqui hoje.
- Permita-me enxuga-la, Marrie.
Sem esperar sua resposta, peguei uma toalha no banheiro do
quarto e comecei a enxugar seus cabelos ruivos. E a massageá-los. E a sentir
seu cheiro cada vez mais intensamente.
Não falei uma palavra sequer, e obviamente Marrie também
não. Ela apenas tivera o cuidado de fechar os olhos e deixar que eu cuidasse
dela naqueles segundos.
- David irá se divorciar mês que vem, Marrie. –disse enquanto
a cobria com a mesma toalha. Já não havia mais a alegria em meu olhar ao dizer
aquela frase.
- Que bom, Sr. Paul... daqui 30 dias você será o homem mais
feliz desse mundo. – Marrie sorriu, e ao mesmo tempo vi seus olhos
lacrimejarem.
- Sim, Marrie.
- Então ainda temos 30 dias para nos namorarmos.
- É.
- Não teria como eu ter um mês mais feliz do que um mês ao
lado de um anjo. Prometo fazer de seus 30 dias um mês de céu, assim como o Sr. o faz para mim.
- Marrie, eu não fiz nada demais.
- Você me levou para jantar, e me deu a chance de ter um
emprego a luz do Sol. E quando me viu nua, apenas enxugou minhas cicatrizes com
cuidado, como se o meu corpo fosse o seu também. Isso para mim é o céu, Sr.
Paul.
E para mim o céu era estar ali, ao lado daquela pequena mulher
chamada Marrie. E mais uma vez jantei ao seu lado, e depois adormeci no sofá.
Estava em paz.