segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 02: A libertação do Delegado Phillip

(Para ler o capítulo anterior, clique em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-01-animal-de.html)



(FOTO: https://www.google.com.br/search?q=liberta%C3%A7%C3%A3o&biw=1366&bih=599&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjZ9qffr_rKAhVEC5AKHep5DuwQ_AUIBigB#tbm=isch&q=pantera+animal&imgrc=XcYWj8pZiloKSM%3A)


                   Eu acredito que você tenha se espantado comigo, não é mesmo? Ou que pelo menos você não tenha entendido por que é que eu simplesmente não matei o Delegado Phillip, ao invés de mantê-lo em cativeiro no porão de minha casa.
                   E sim, para você que está se perguntando, todos os meus empregados e meu pai eram coniventes, e porque não dizer meus cúmplices nesta situação.
                   Permita-me que eu explique melhor o que estava acontecendo naquela época.
                   Meu pai, Sr. Ricky Shadda, era um brilhante narcotraficante que nunca teve a pretensão do poder, do medo, da tirania. Não, papai estava acima de qualquer fragilidade mortal. A única coisa que movia meu pai era o dinheiro, e como é sabido por todos, não existe até hoje negócio mais lucrativo do que o bom e velho comércio de entorpecentes.
                   Pois bem, Sr. Ricky Shadda não era conhecido por suas brutalidades, por suas conquistas, muito menos por sua legião de fiéis, pois era assim que papai os chamava. Para ele, não existiam empregados, amigos, colaboradores, nem nada disso. Eram apenas “fiéis”, que ele classificava por números, que na ordem de 0 a 5, ser chamado de Fiel 05 era uma honra. Sr. Shadda tinha todas as riquezas e poder que qualquer criminoso sonharia em ter, mas como já disse, não era famoso por isso. Sr. Ricky Shadda, também conhecido como “O Pai da Noite”, era famoso por nunca ter sido descoberto.
                   E não era aquele tipo de criminoso que todos sabem que ele é, mas que tem em sua mão, através de suborno e sangue, toda a cúpula política e da segurança, que preferem ficar calados a ter que confessarem e enfrentarem o problema em forma de ser humano.
                   Papai era formado em Engenharia da Computação, e foi através de seus estudos acadêmicos que ele descobrira que poderia controlar o mundo das drogas sem que qualquer pessoa precisasse ver o seu rosto. Bastava uma tela, um teclado, e tudo estaria resolvido.
                   Não se enganem, meus amigos (será que já posso chamá-los assim?), que foi fácil conseguir este ‘status’, este patamar tranquilo de trabalho. Muito pelo contrário. Demorou cerca de uma década até que papai conseguisse se efetivar como um traficante de renome, e foi durante esta década de trabalho árduo que ele encontrou as dez pessoas que seriam aqueles que ele poderia revelar não só o seu rosto, mas sua verdadeira identidade.
                   Estas dez pessoas estavam conosco até aqueles dias. Suspeito que dois deles estavam ao nosso lado por medo ou incapacidade de conseguir ter uma vida normal após tantas tragédias, mas isso não nos perturbava. Sr. Ricky Shadda era esperto demais para deixar que qualquer movimento acontecesse longe dos seus olhos.
                   E foi com esta esperteza que ele percebeu os passos de seu vizinho, Delegado Phillip, se aproximando demais de um de seus fieis, levando o delegado, em sua busca, a acreditar que aquele pobre menino que ele sempre via entrar na casa de Sr. Ricky poderia ter algum envolvimento com o narcotráfico.
                   E aí eu entrei em ação, meus caros. Foi um pouco difícil sequestra-lo, contudo, quanto mais árdua é a perseguição para mim, mais prazerosa ela fica.
                   Preciso que você entenda que meu cérebro não funciona como o seu, ou como o de qualquer pessoa que você conheça. Meu cérebro funciona como o de uma pantera: ágil, predador, com sede de sangue. E disposto, muito disposto.
                   Saber que o Delegado Phillip estava atrás de alguém que no caso seria o meu pai, foi como saber que um veado ferido circulava pelo meu território. Necessitava arrancar um pedaço de couro e carne daquele corpo para defender meu bando. Para alimentar-me.
                   E foi assim que eu o submeti a um cativeiro que perdurara por mais de três anos, e confesso a vocês que já estava enjoada dele, pois vocês sabem como fica uma criança depois de usar muito um brinquedo. Perde-se o encanto.
                   Viajar para África e deixar que os fieis de meu pai cuidassem de Phillip fez com que meu interesse voltasse. Dentro do avião só pensava em poder reencontra-lo, e voltar aos meus “gracejos”.
                   Entretanto, quando abri a porta do porão e senti o cheio de sangue, suor, fezes, urina e vômito, percebi, mais uma vez, que não havia serviço neste mundo que pudesse ser bem feito, quando terceirizado. Na minha forma de tortura não havia sujeira, não havia rastros. Eu calculava tudo milimetricamente para ser perfeito. Para ser memorável.
                   Senti pena de Phillip quando o vi naquela situação. Arrependi-me profundamente de tê-lo deixado naquelas condições. Um homem daquele porte não podia viver naquela imundície, numa condição de lixo. Sim, eu havia retirado além de sua orelha, e dedos molares da mão, sua dignidade, mas aquilo era outra história. Eu sentia pavor de sujeira, e mesmo quando trabalhei nos lugares mais complicados que você consiga imaginar, sempre consegui levar um pouco de limpeza por onde eu passava. Custe o que custasse.
                   E foi então que decidi libertar o Delegado Phillip. Desci, mais uma vez as escadas, carregando baldes e produtos de limpeza. Cuidadosamente, esterilizei a sala. Aquilo demorou horas. Não troquei uma palavra sequer com Phillip, mas sabia que ele, também calado, me observava.
                   Não demorou mais que um mês apanhando para que ele aprendesse que só deveria dirigir a palavra a mim quando eu o autorizasse. Odiava ser interrompida.
                   Quando me aproximei de seu corpo, ele tentou, em vão, recuar, e esconder sua ereção.
                   A nossa mente é a nossa pior inimiga. Não sei se vocês conhecem o que chamamos na Psiquiatria de “Síndrome de Estolcomo”, mas posso resumir em poucas palavras para vocês: quando a tortura se torna rotina na vida de uma pessoa, e o cérebro entende que não há mais saída, a não ser conviver com aquela situação, ele faz com que o torturado desenvolva afeição/amor, e até mesmo atração pelo seu torturador.
                   - Não esconda seus sentimentos, Sr. Phillip, hoje será a primeira vez que você terá motivos para gostar de mim. – disse-lhe, tocando com delicadeza e com a mão coberta por uma luva cirúrgica em seu rosto. – Vou deixar você voltar para casa.
                   Abri minha maleta, e com panos, algodão, sabão e um balde com água, fiz a higiene de meu prisioneiro. Como ele estava há muito tempo naquelas condições, seus excrementos aderiram-se a pele, e precisei de pinça e bisturi para que todo o serviço fosse realizado.
                   Delegado Phillip chorou. Penso eu que não chorava apenas de dor, mas também de desespero, pois não confiava em mim. E quando peguei a navalha para barbeá-lo, ele fechou os olhos, e mesmo sem dizer uma palavra que fosse, eu sabia que em pensamento ele orava.
                   Cortei suas unhas, seu cabelo, e por último, pedi que ele me estendesse seu braço direito, pois precisava lhe aplicar alguns medicamentos.
                   Sem me questionar, ele me entregou, sem dificuldade, o braço acorrentado, onde passei algodão com álcool e introduzi uma seringa. Após a primeira dose de medicamento, coloquei algo parecido com soro, mas que claramente não era, e comecei a lhe explicar:
                   - Sabe, Phillip, a minha viagem para África foi muito gratificante para mim. Pude dar continuidade aos meus estudos, e você acredita que eu consegui formular um novo entorpecente? Ele, aplicado, de forma correta, deixa a pessoa vulnerável, aplicado de forma errada, pode deixa-la em coma, mas aplicado de forma exagerada, deixa a pessoa em um terrível estado de loucura. Estado perfeito para que eu possa hipnotizar... – olhei com ternura para seu rosto machucado. - ... e então libertar.

                   Pude ver a pupila de Phillip dilatar e voltar ao estado normal, e vi que ele tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. Era tarde demais. Bastava que oito horas se passassem recebendo a medição, e então eu poderia fazer meu teste final. Iria manda-lo de volta para casa.

(Para ler o próximo capítulo, clique em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-03-o-corte.html)

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