segunda-feira, 7 de março de 2016

(A MORTÍFERA) Capítulo 06 - Quem está do lado de Marina?

(FONTE: https://www.google.com.br/search?q=%C3%B3culos+de+grau&biw=1366&bih=667&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiny52I_q_LAhXLGpAKHcmcDsAQ_AUIBigB#tbm=isch&q=escrit%C3%B3rio+em+mogno&imgrc=Fc1toY7gmN1vUM%3A)

(Leia o capítulo 05 em: http://www.negaescreve.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-05.html)

Não existe coisa mais estranha que o cérebro humano, meus caros. Eu que tanto o estudei posso lhes dizer com toda a certeza que se existe alguma coisa que pode e vai acabar com você, se você não tiver um pleno controle sobre ela, esta coisa é a sua mente.

Foi este um dos motivos que me fez abandonar a carreira de Psiquiatra e começar com as minhas pesquisas para avanços cirúrgicos. Era drama demais para mim.

O fato é que quando você atinge um determinado patamar de controle mental, mesmo que este controle ultrapasse os limites esperados pela sociedade, como é o meu caso, você acaba entediando-se com facilidade quando se trata das lamúrias humanas obsessivas.

Sra. Camille estava há a mais de quarenta minutos lamentando-se, chorando e esperando que eu resolvesse aquela situação. E eu, claramente ouvindo tudo aquilo que ela me falava, estava profundamente entediada.

Mas uma coisa era certa: o choro de Sra. Camille me entediava, mas o sofrimento e trauma que Delegado Phillip estava passando excitava-me de tal maneira que perdi um pouco de meu controle e insisti várias vezes para que pudesse ir até a cada de Phillip e conversar com ele.

Camille negava com veemência. Não era por que ela não queria, ela me dizia gesticulando com as mãos. O problema é que Nicolle morava com eles, Nicolle, Eric, e o pequeno Louis.

Tentei argumentar que poderia aparecer por lá quando Nicolle não estivesse, ou que então ela levasse Phillip até meu consultório sem que ela soubesse, tudo pelo bem de meu querido vizinho, que precisava de ajuda.

Camille, entretanto, contra argumentava dizendo que não poderia fazer nada escondido da filha, pois somente ela ficara ao seu lado durante todos esses anos em que o marido estava longe de casa, que Nicolle colocara tudo de lado para voltar a morar com a mãe e não deixa-la sozinha, que seria uma traição esconder alguma coisa dela neste momento.

- Bom, Sra. Camille, espero que não me entenda mal, mas não vejo motivo então para você vir até minha casa. Se não quer que eu vá examina-lo, se não quer que ele venha até o meu consultório para que eu possa conversar com ele, não sei como eu poderei ajuda-la.

Mas Camille sabia o que eu podia fazer para ajudar: procurar e fazer uma lista dos melhores médicos do país para que ela pudesse levar o marido.

- Sinto muito, Sra. Camille. Mas isto eu não posso fazer por você. – disse com seriedade e calma, enquanto me levantava e encaminhava Camille para a porta de minha casa.

- Mas, por quê, Marina? – Camille parecia incrédula.

- Porque, Sra. Camille, eu sou a melhor médica do país em referência de pesquisas. Você não vai achar ninguém melhor do que eu. Mas eu te desejo boa sorte: caso o encontre, por favor passe o meu número. Adoraria conhecer uma pessoa que eu pudesse chamar de concorrente.

O meu tom era de arrogância, mas o teor de minha fala era a mais pura verdade. Não era fácil competir com uma pessoa que sofreu nenhum problema sério que perturbasse seus estudos – no meu caso, eu sofrera grandes problemas, porém nunca os sentira -, que sempre estudara nas melhores escolas, que fizera a melhor faculdade e a melhor residência e especializações, que tinha dinheiro e suporte para manter o maior e mais moderno laboratório de pesquisa do país.

E, que acima de tudo, que não tinha medo dos efeitos colaterais de suas pesquisas, e nem de perder um de seus pacientes.

A verdade é que eu ainda não podia chamar Phillip de um efeito colateral da minha pesquisa, já que ainda não havia o examinado. Todavia, sabia que poderia esperar por algo grave.

Afinal de contas, Phillip podia não se lembrar de mim, nem onde ele estive nestes últimos três anos, mas ele se lembrava de “A Mortífera”.

Estava vivendo uma mistura de tensão, e ao mesmo tempo êxtase, pois inflara meu ego sabe que o trauma fora tão forte que nem a hipnose associada com o despejo de drogas conseguiram apagar aquilo da mente dele.

E sabe por que, meus caros, ele não conseguira esquecer-se de tudo? Porque lá no fundo, bem lá no fundo remeto de seu subconsciente, ele não queria. Porque lá, bem em um cantinho escondido, sua mente se sabotava ao ponto de querer que ele continuasse revivendo a humilhação que ele passou.

E apesar de um pouco tensa, não havia o que fazer. Eu não me arriscaria tentando me encontrar com ele, apenas esperaria que ele visitasse uns dois ou três médicos, e então, como todos aconselhariam Camille que ele viesse até a mim, meu cordeiro entraria de olhos fechados dentro da boca do leão. Neste caso específico, leoa.

O decorrer das semanas seguintes foi excelente para mim: trabalhos, pesquisas, pacientes, e Marco. Ah, meus caros, Marco me estava saindo melhor que a encomenda.

Nossos encontros estavam se tornando tão frequentes que passaram ser diários. Todas às noites fazíamos algo, e estava começando a me sentir a vontade em fazer coisas casuais, como, por exemplo, comer comida Tailandesa às quartas-feiras, ir ao teatro aos sábados e passar o domingo em sua casa.

Uma das poucas coisas que me deixara incomodada no começo, mas que depois acabei esquecendo, fora a sua casa. E o seus carros e motos. E o seu barco.

Marco tinha um poder aquisitivo muito alto, aliás, o padrão de vida de Marco era muito maior do que o meu, e olha que meu pai era um narcotraficante bem estabelecido e nunca descoberto pela polícia.

E Marco era apenas um Oficial aposentado, com uma vida cheia de luxo em que ele parecia não se importar. Era quase como se ele já tivesse nascido com tudo aquilo, e, assim como eu, se acostumado com todo o conforto.

Marco me contara que seu pai também era viúvo, como o meu, e que ele era dono de uma grande rede de franquias, mas nunca entrou em detalhes. Pouco me importava também, até aquele momento, quem era o pai de Marco, porque eu só tinha olhos para ele.

É estranho dizer isso a você, meu leitor, mas acho que houve momentos em que eu realmente estive apaixonada por ele. Mais para frente você vai acreditar que não, mas eu lhes digo, com toda a sinceridade do mundo, que nem tudo ali foi mentira.

Marco era bom comigo. Não o bom que estava acostumada a receber de todos, não o bom e velho sorriso de compaixão, ou o entusiasmo de estar na minha presença. Não, Marco parecia me enxergar através dos meus olhos, e parecia gostar e aceitar como seu tudo aquilo que ele enxergava em mim.

Várias vezes senti vontade de contar para ele quem eu era, as coisas que gostava de fazer de verdade, porque eu sentia que se eu lhe contasse quem eu era, ele também haveria de revelar o segredo que eu tanto sentia que ele carregava para si.

Mas nem preciso lhes falar que nunca ousei lhe dizer nada. No fundo, no fundo, eu estava começando a sentir aquele receio que as pessoas normais costumam sentir: que se ele soubesse mesmo quem eu era, que ele não se identificaria comigo, e iria embora.

- O que tanto você pensa, hein, Dra. Marina Shadda? – Marco era um bom observador.
- Às vezes eu fico pensando nas coisas em que já fiz, Marco, e...
- ... E você fez o que precisava ser feito, e por isso mesmo você não precisa ficar se lembrando disso.
- Eu não estou falando da sua perna, Marco...
- Eu sei disso, minha linda, eu sei disso. Mas independente do que você esteja pensando, saiba que a sua vida não precisa se resumir àquilo que você fez até hoje.
- Mas eu não sei ser outra coisa, Marco. Eu sou incapaz de aprender a ser diferente.
- Você já está sendo, Marina. Pelo menos quando está comigo, você está sendo diferente. E é por isso que estamos juntos. Porque eu sei que dentro de você há um espaço para um mundo diferente do que você já viveu.

Fiquei boquiaberta. Não sabia se Marco estava apenas devaneando, ou se realmente me conhecia. Mas o fato era que a carapuça estava servindo. E eu não gostava nenhum pouco de emboscadas.

Pedi para que Marco me deixasse em casa, e durante todo o trajeto fui sem dizer nenhuma palavra. Eu sabia que quanto mais me aproximasse de Marco, mais riscos correria, e mais vontade eu teria de revelar mina vida.

Mas quanto mais próxima eu ficava dele, e mais perto do perigo eu me sentia, mais fundo eu queria adentrar naquela relação.

Marco acreditava que eu poderia ser diferente junto com ele, mas será que ele tinha noção do que ele acreditava? Quem estava enganado em relação ao outro, era ele em relação a mim? Ou eu em relação a ele.

Não demorou muitos minutos para que eu recebesse a minha resposta, pois assim que me despedi dele, meu pai me esperava para ter uma conversa franca.

- Você precisa se afastar deste rapaz o quanto antes?
- Ora, papai! Não acredito que você está com ciúmes! Você sabe que eu preciso manter as aparências. Assim como você, o mundo exige coisas de mim! Você nunca se importou...
- Minha linda, ele não gosta de você. Ele está lhe usando.
- E você diz isso baseado em quê, Ricky Shadda? – fechei a feição, pois não gostava de ser contrariada.
- Baseado no fato de que ele é o filho de Christopher. Sim, Marina, de Christopher, do pior traficante deste país, que inclusive está preso. Do Christopher que pagaria com uma ilha em Bora-Bora só para que alguém lhe relevasse a minha identidade. Do Christopher que iniciou a guerra civil na África, lugar onde provavelmente vou cortou fora a perna deste vagabundo. E aí, minha filhota, será que a sociedade vale a pena o bastante?


E esta foi a primeira vez em minha vida em que eu fui pega de surpresa. Primeira vez, meus caros, porque muitas ainda virão.

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