(FOTO: https://www.flickr.com/photos/christophersoddsandsods/3010151747/sizes/z/in/photostream/)
Não sei como, mas Marrie e eu nos tornamos Sra. Margareth e
Sr. Brian. Em pouco tempo reformamos a padaria abandonada com as nossas
próprias mãos, e ali fizemos nascer a “Cafeteria de Sr. Brian”.
Passei os primeiros meses prometendo a Marrie que pararia de
fumar, mas percebi que de nada adiantariam minhas vagas promessas àquela
mulher. Ela não se importava com o meu hálito de nicotina, nem com a barba, que
também deixara de fazer desde que chegamos àquele lugar.
E ao poucos, me dei conta que a vaidade que mantive durante
os anos, nada valiam naquele vilarejo. Éramos para a pequena população dali
apenas o Sr. Brian e a Sra. Margareth. Éramos apenas dois seres humanos
tentando ser felizes juntos na visão daquela pequena população. E eles não se
enganavam.
A princípio, temi que Marrie fosse vítima de preconceito
pelos moradores, devido suas cicatrizes, porém, mais uma vez a vida me mostrou
que de nada eu sabia sobre o ser humano.
Desde o primeiro dia, todos que entraram em nossa cafeteria
pareciam estar muito mais preocupados com o cardápio que servíamos do que com
aparência de nós, os donos. Ninguém queria saber de nosso passado, e nem de
onde víamos. Os moradores de nosso novo lar só queriam saber de um café forte e
panquecas salgadas. E isso Marrie sabia fazer muito bem.
Algumas crianças espantaram-se com a aparência de Marrie, e
lhe perguntaram como uma moça tão bonita conseguira tantas cicatrizes. Marrie
não se constrangera em momento algum, apenas sorrira com amor, e lhes respondeu
que há muito tempo atrás, ela tivera de lutar com um enorme leão, e que ela
conseguira vencer a batalha, mas que ficara com aquelas cicatrizes. Não demorou
muito para que as crianças lhe chamasse de “Margareth-cabelos-de-leão”.
Se quer, meu caro leitor, era uma cidadezinha de merda, mas
eu encontrei minha paz ali. Enfim eu podia ser o “Paul de Marrie”. Enfim eu me
tornei o homem que minha mulher merecia.
Acabamos por escolher uma vida rotineira, cheia de calos nas
mãos e farinha nos cabelos, entretanto, nada parecia melhor para mim do que
largar a Capital e me tornar um padeiro de primeira. Porque ali, meu caro
leitor, eu e Marrie éramos um só.
E não houve um aniversário de Marrie que ela não ganhasse um
novo vidro daquele xampu que tanto nos marcara. E não só xampus, eu lhe dei as
minhas joias de família, ensinei Marrie a dirigir, e todo ano fechávamos a
nossa cafeteria para que pudéssemos viajar, e até nos demos o luxo de comprar
uma máquina fotográfica, algo que naquele tempo era item exclusivo de jornais e
editoras.
Passaram-se dez anos, dez anos de muito amor, de muitos
momentos, e, de principalmente, muitos cabelos ruivos. Cabelos estes que eu todos
os dias de madrugada fazia uma grande trança, para que minha pequena mulher
pudesse acomodá-los dentro de uma touca. Tornamo-nos, em uma década, além de
marido e mulher, uma perfeita equipe.
E por falar em marido e mulher, meu caro leitor, nós
celebramos sim o nosso casamento. Depois de um mês que nos mudamos para aquele
vilarejo, eu comecei a anteder pessoas gratuitamente. Ali ninguém parecia dar
importância pelo fato de eu não ter diploma, muito menos autorização legal para
trabalhar.
O hospital da cidade era minúsculo, com apenas cinco leitos,
e os médicos que ali trabalhavam, vinham duas vezes por semana de outras
cidades, apenas atendendo casos aparentemente urgentes, deixando a pequena
população à mercê da sorte.
Quando os médicos e enfermeiros não estavam na cidade, eu me
ocupava do único consultório dentro do nosso hospital e ali atendia a cidade
inteira: passava remédios sem receitas, pois contávamos com a colaboração do
único farmacêutico dali, limpava ferimentos leves e enfaixava algumas
queimaduras, mas cirurgias, que fora a minha especialização e sonho de anos
atrás, estas eu deixei no passado. Temia voltar a ser o Paul que inúmeras vezes
abandonara Marrie.
E como estava lhe contando, meu caro leitor, depois de um
mês morando ali, comecei a trabalhar no hospital, e logo me tornei uma pessoa
querida pela cidade, mas não mais que minha Marrie. Ou melhor dizer, não mais
que “Margareth-cabelos-de-leão”.
Ao confessar a um de meus pacientes o desejo de celebrar a
minha união com “Margareth”, em duas semanas toda a cidade se movimentou para
que pudéssemos realizar o nosso casamento da praça da cidade. Fora uma festa
simples, sem a presença de meus pais, que desde a minha fuga da cidade, nunca
mais tivera contato. Contudo, parecia ser exatamente com o que Marrie havia
sonhado. E se era assim, para mim estava perfeito.
Casamo-nos, servimos na festa um bolo de nossa própria
cafeteria e toda a cidade nos recebeu oficialmente como pessoas que se tornaram
da família. Um médico sem licença para atuar, e um ex-prostituta metida a
confeiteira, e para eles, éramos a união perfeita.
Infelizmente não pudemos ter filhos, e nunca sugeri a Marrie
que adotássemos, pois percebia que este também era um assunto que Marrie quis
deixar no passado. Porém, não a impedi que adotasse todos os animais
abandonados daquele lugar, incluindo na lista um porco, uma zebra, oito
cachorros e três gatos. O nosso quintal virara uma pequena fazenda.
Com o passar dos anos, meus cabelos loiros foram ficando
grisalhos, ralos, e Marrie parecia ficar cada vez mais linda, mais jovem, e por
incrível que pareça, mais ruiva. Minha mulher.
Eu queria, meu caro leitor, que esta história, a minha
história e a de Marrie, tivesse terminado assim, com a nossa pequena fazenda,
com o nosso casamento e com a “Cafeteria de Sr. Brian” que demos continuidade.
Todavia, eu deveria saber que estava tudo indo bem demais
para ser verdade. Para ser a minha realidade.
E foi na última sexta-feira que tudo aconteceu. Marrie
acordou assustada, meia hora antes do despertador tocar, dizendo que sonhara
com corvos, e que isso significaria maus presságios.
Confortei-a com as
duas mãos, dizendo que nada poderia nos atingir, que agora estávamos seguros,
e, principalmente, em paz. Tentei abraça-la para que pudéssemos deitar de novo
na cama, mas Marrie não consentiu. Disse que se sentia preocupada demais para
tentar dormir de novo.
Ao contrário de seu sonho, o nosso dia correu bem. Pessoas
entrando e saindo de nossa cafeteria, crianças correndo e pedindo bombons a
Marrie, como um dia normal. Até pude ver seu semblante mudar, tornar-se mais
brando, esquecendo-se do pesadelo que tivera horas atrás.
Chegara então o entardecer, e, consequentemente, a hora de
fecharmos o nosso negócio. Havíamos planejado viajar no dia seguinte, em comemoração
aos nossos 10 anos de casados. Entrei para os fundos, com o objetivo de lavar a
louça, enquanto Marrie limpava as mesas. Estávamos conversando aos gritos um
com o outro, para que nos ouvíssemos em cômodos diferentes, como já era de
nosso costume, até que, de repente, Marrie se calou.
- Margareth, está tudo bem com você? – perguntei, chamando-a
pela nova identidade que criamos.
- Ah, Paul, há quanto tempo não ouvia essa sua voz de
bichinha, mas que engraçado, ela não mudou nada!
Já fazia mais de 10 anos que eu não ouvia aquela voz, mas
não demorou mais que um segundo para que eu fosse correndo até a entrada da
cafeteria, pois sabia que quem estava ali era David, e que isso não poderia ser
um bom sinal.
E realmente não foi, pois assim que pisei atrás do balcão,
vi Marrie com as mãos para o alto, e David lhe apontando uma arma. Havia fúria
em seus olhos.
- Sabe o que é engraçado, Paul? Você, que um dia jurou amor
eterno para mim, igualzinho você jurou para esta puta aí, você me deixou! VOCÊ
ME DEIXOU, DR. PAUL! E conseguiu arruinar a minha vida inteira.
- David, por favor, vamos nos acalmar e...
- AH, MAS EU NÃO VOU ME ACALMAR, NÃO, PAUL! EU ESTOU HÁ DEZ
ANOS RODANDO A PORRA DESTE PAÍS ATRÁS DE VOCÊ, DIA APÓS DIA FAREJANDO O PERFUME
BARATO DESTA PUTA QUE DESTRUIU A MINHA VIDA, SÓ PARA PODER VÊ-LA APODRECENDO EM
MINHAS MÃOS.
- David, abaixe esta arma...
David não abaixou a arma. David atirou em Marrie. Eu, no
momento, não sabia se o tiro havia acertado o alvo, porque pulei o balcão
imediatamente para tentar impedir que David cometesse mais uma barbaridade com
ela. Já não era mais o covarde de antes, e não tive medo de colocar minha vida
em risco.
Ouvi três estalos de tiro. Apenas os ouvi, pois estava cego
de raiva, e não vi o que estava fazendo. Quando minha consciência voltou,
estava lutando com David, tentando retirar a arma de sua mão, e olhei de
relance para trás, vendo que Marrie estava caída.
Mesmo passados 10 anos sem atuar na profissão, podia ver que
Marrie fora baleada na cabeça. Não era mais um tiro de raspão, como acontecera
há uma década, no hospital de nossa antiga cidade. Agora Marrie estava ferida
de verdade, e eu tinha certeza que ela iria morrer.
Fui tomado por um sentimento que até hoje sou incapaz de
nomeá-lo. A única que sei foi que em um só gesto tomei a arma de David e atirei
nele três vezes, até vê-lo também caído no chão, e ainda com a arma na mão,
peguei Marrie no colo, e corri da maneira mais desesperada que era possível de
se ver um ser humano lutar, e fui para o hospital. Não podia deixa-la morrer.
Enquanto corria, gritava socorro com todas as minhas forças,
para que os dois enfermeiros da cidade pudessem me ouvir e correr para o
hospital. As minhas lágrimas se misturavam com o sangue que Marrie ia esvaindo
pelo corpo, mas não perdi a esperança em momento algum.
Com uma das pernas, quebrei o vidro da porta do hospital e
entrei correndo com Marrie, e enquanto ouvia os passos de algumas pessoas ali
entrando, ia arrumando a sala de cirurgia, que há meses não havia sido
utilizada por ninguém.
- Sr. Brian, o senhor não pode fazer isso! Temos que ligar e
chamar o cirurgião para vir socorrer a Sra. Margareth.
- EU ESTOU ME FODENDO PARA O QUE EU POSSO E O QUE EU NÃO
POSSO FAZER! EU VOU SALVAR A MINHA MULHER, EU POSSO FAZER ISSO! ME PASSA A
TESOURA.
Cortar o cabelo de Marrie foi algo que partiu meu coração.
Não conseguia para de chorar enquanto ia vendo minha mulher ir embora, enquanto
via seus cabelos caírem no chão.
- Sr. Brian, você vai matar a Sra. Margareth. Já ligamos e o
socorro está para chegar. Se o senhor não sair por bem,...
- Vai demorar no mínimo uma hora para eles chegarem, Louis,
eu vou perder minha mulher.
- Eu infelizmente vou ter que chamar um segurança para tirar
o senhor daqui.
Fingi que não o ouvia e sedei Marrie. O mundo inteiro
poderia tentar me tirar dali, mas só sairia depois que operasse minha mulher.
Enquanto eu ouvisse um fio de respiração sua, não a deixaria sozinha. Nunca
mais.
A enfermeira-chefe, se é que se podia chama-la de chefe,
pois era a única enfermeira do sexo feminino da cidade, porém com mais de 20
anos de profissão, impediu que Louis fosse atrás de alguém para me tirar dali.
Ela falava baixo com ele, quase como um sussurro, mas fui capaz de ouvir:
- Louis, este homem não é o Sr. Brian. Desde que ele chegou
na cidade eu tinha essa desconfiança, mas não podia afirmar nada. Este homem se
chama Paul Robert, também conhecido como “Doutor-Anjo”. E se ele for tudo isso
o que comentam dele por todo este país, ele vai salvar esta mulher antes do
nosso socorro chegar.

NEGAAAAAA....ACABEI DE LER TODOS QUE AINDA NÃO TINHA LIDO...E AGORA O ATUAL...NEGA, SEM PALAVRAS....FANTÁSTICO...CADA CAPÍTULO UMA EMOÇÃO E CENAS TOCANTES, EMOCIONANTES...VOCÊ ME SURPREENDE A CADA DIA, NEGA! PARABÉNS POR TÃO BELO TRABALHO. AMEI CADA CAPÍTULO. ALGUNS TIVE ÓDIO E OUTRPOS ENCANTAMENTO. VOCÊ CONSEGUE NOS ENVOLVER NA TRAMA DE FORMA INTENSA. VIVENCIO CADA CENA E CADA UMA DESPERTA SENTIMENTOS DE TERNURA, MUITAS VEZES, DE RAIVA OUTRAS, DE DESPREZO EM OUTRAS...ENFIM, VOCÊ CONSEGUE NOS FAZER ENTRAR DENTRO DE SEU CONTO. FANTÁSTICO ESSE SEU PODER ATRAVÉS DE CADA LINHA. ELZA HERMINIA
ResponderExcluirAmando a historia... não quero que termine :(
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