quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 16: A CASA DE MEUS PAIS

(FOTO: http://www.flickr.com/photos/milateniz/6750087569/sizes/z/in/photostream/)


Foi difícil conter as lágrimas nos olhos enquanto pagava o xampu de Marrie. Eu tinha plena certeza naquele momento de que não merecia o amor daquela pequena mulher. E qualquer um que passasse por ali e soubesse de nossa situação, que soubesse que Marrie só queria um xampu de aniversário, teria certeza de que eu não merecia o amor dela.

Meus olhos ardiam, e eu não queria chorar, não no meio da farmácia, e muito menos deixar que Marrie descobrisse que eu não merecia o seu amor. Abaixei a cabeça, na tentativa de esconder o meu futuro choro, mas não consegui deixar-me passar despercebido por Marrie.

- O que foi, bonitão? Quer ir para onde agora? – perguntou-me, enquanto delicadamente levantava meu queixo com uma de suas mãos. As mãos de Marrie estavam perfumadas.

- Quero leva-la para a casa de meus pais, Marrie. Eles precisam conhecer você.

- Isto vai lhe causar um enorme problema, bonitão. – apesar do espanto, Marrie não podia deixar esconder o riso. Ela queria conhecê-los.

- Vai dar certo, pequena. Vamos. – obviamente eu não sabia se iria dar certo ou não, mas quis transparecer segurança. Agarrei Marrie pela cintura e saímos como um casal feliz da farmácia.

Não conversei muito durante o caminho até a casa de meus pais, e quanto mais próximo ficávamos de nosso destino, mais nervoso eu começava a me sentir. Era claro que eles não gostariam de Marrie, pois já sabiam que ela era uma prostituta, ou que fora uma, não havia pensado bem sobre o que Marrie era naquela altura do campeonato. Mas ao mesmo tempo que temia a reação deles, sabiam que eram tradicionais e educados demais para maltratarem Marrie. Eles com certeza manteriam a pose.

O que jamais esperava era quando entrasse em minha casa, David estivesse na sala de estar conversando com eles.

- Eu não disse?! – exclamou David, espantado. – Eu falei que uma hora ou outra ele traria esta vaca para dentro da casa de vocês.

- Cala a boca, David! Eu já estou cansado de você na minha vida! ACABOU! ENTENDA! ACABOU! – gritei, enquanto segurava a mão de Marrie com força, na intenção de protegê-la.

- Por favor, Paul, coloque esta mulher para fora de casa. Nosso lar não recebe prostitutas. – pediu-me minha mãe, em tom severo.

- O QUÊ?! – exclamei, gritando. – Eu não vou levar Marrie a lugar algum. Esta é a minha casa, e não a de David.

- Paul, será que você não percebe, meu filho? Uma hora este relacionamento não vai dar certo, e esta mulher vai expor você. Você que é um médico brilhante! Olhe para ela, filho, cheia de cicatrizes... logo alguém irá reconhecê-la, alguém que já frequentou o bordel.

- Vocês estão todos hipnotizados por David! Ele é o monstro aqui, e não a Marrie.

- Independente de quem seja o monstro nesta história, Paul, eu não quero esta mulher dentro desta casa. – continuou minha mãe, cada vez mais séria.

- Esta casa também é minha, mãe.

- Você está muito enganado, Paul. Esta casa só será sua no dia em que eu e seu pai morrermos. Enquanto isso esta casa é NOSSA, - gritava minha mãe, apontando o dedo para meu pai e ela - e só entrará aqui quem NÓS DOIS permitirmos. Portanto, retire esta mulher daqui.

Marrie tentava se desvencilhar da minha mão, penso eu que estava tentando ir embora. Já estava chorando muito, sem dizer nada. Meu coração doía, e enfim as lágrimas que segurei enquanto estava dentro da farmácia começaram a escorrer pelos meus olhos.

- Tudo bem, mãe. Marrie nunca mais colocará os pés nesta casa. Mas eu vou embora junto com ela.

E quando paro para me lembrar do que aconteceu posteriormente, tudo me aparece em uma sequência em câmera lenta:

Quando escutei o que dissera, que estava saindo de casa para ficar com Marrie, um sentimento enorme de liberdade invadiu meu peito, e transbordou por todo meu ser. Eu não precisava de mais nada. De repente me sentira completo. Completo porque estava de mãos dadas com a mulher que eu amava.

E com a mesma intensidade que este sentimento brotou em mim, eu o coloquei para fora. Urrei com toda a minha força enquanto virava a mesa repleta de enfeites de minha mãe pelos ares. Eu precisava extravasar.

E quando David tentou se aproximar de mim, acertei-lhe em cheio um murro no nariz, que fez com que o sangue jorrasse pelo chão e pela minha camisa. A sensação do sangue quente dele encostando em meu rosto era sublime. Naquele momento eu amava odiar aquele babaca.

Eu chorava igual um louco enquanto andava até meu quarto. Um filme de toda a minha vida passava pela minha cabeça. Enquanto arrancava com raiva todas as minhas roupas do armário, lembrei-me de todas as vezes que fui colocado de castigo porque não me comportara como o devido, de todas as gozações que recebera durante a época de escola e faculdade, e, principalmente, de todas as vezes que permanecera calado, quando o que eu mais queria era dizer “chega”, “eu não suporto mais”, “deixe-me em paz”.

Caí de joelhos no chão, aos prantos, pois sabia que de agora em diante teria um novo futuro pela frente. Sabia que David faria de tudo para atrapalhar a minha carreira, para denegrir a imagem de Marrie, e que nada seria fácil sem o apoio da família influente de meus pais. No fundo, naquele momento eu não tinha certeza se valeria a pena ou não todos os sacrifícios que estava prestes a fazer. Contudo, não conseguia fazer algo diferente que não fosse deixar aquela casa e ir morar com Marrie.

Levantei com dores no corpo, e em segundos enchi uma mala de roupas e outra de sapatos, sem me preocupar em dobrá-las. Saí chorando do quarto e não me despedi de meus pais quando passei pela sala.

Antes que chegássemos a porta, Marrie virou-se para meu pai e disse com uma voz firme, porém baixa:

- Senhor, creio houve um engano: ninguém jamais me reconheceria nas ruas. Ninguém perde o seu tempo reparando em uma mulher cheia de cicatrizes. Eu, pelo contrário, por nunca ter olhos me compenetrando, sempre observei atentamente tudo o que acontecia ao meu redor. Digo sem medo que ninguém me reconheceria fora do bordel, porque o senhor não me reconheceu. Já o vi várias vezes por lá, sendo muito bem acompanhado por Bianca. Não entendo qual é o seu critério de impedir que uma prostituta entre em sua casa e de se permitir entrar em uma casa de várias prostitutas. Passar bem.

Ouvimos os gritos de minha mãe quando saímos de casa às pressas. Não havia som além de choro no carro enquanto voltávamos para o meu apartamento.

Ao chegarmos, corri para o banheiro e continuei chorando, até que meu corpo não tinha mais forças e escorreguei, caindo sentado no chão. Marrie chegou, nua, e sentou-se ao meu lado.

- Venha, Sr. Paul, você precisa de um banho.

- Marrie, eu...

- Paul, - era a primeira vez que Marrie me chamava assim. – você largou a sua vida por mim. Deixe-me lhe dar um banho, pois daqui para frente quem cuidará de você sou eu.

- Eu não queria que você tivesse sido tratada daquela maneira...

- Eu não me importo com o que eu ouvi de seus pais, muito menos de David. Eu só me importo com as suas lágrimas e ver você sentado no chão.

- Marrie...

- Venha, bonitão. Vou estrear o xampu com você. Eu não disse que só o usaria em ocasiões especiais? Pois bem, hoje será a primeira delas: o dia em que você quebrou as suas correntes. Permita-se ser, daqui para frente.

E não precisa ficar se perguntando, meu caro leitor. Eu fui para a banheira. Era o primeiro dia em que me permitira ser o Paul de Marrie.

Um comentário:

  1. Capítulo que traz à tona uma série de reflexões...Amei! Como sempre...Você tem lidado com muita sensibilidade com os muitos preconceitos que ferem as relações.....Parabéééns Nega...

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