quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

PAUL E MARRIE - Cap. 20: A reviravolta de Marrie

(FOTO:http://www.flickr.com/photos/tpridemore/5402408029/sizes/m/in/photostream/)

Como uma criança que vai embora obrigada de algum lugar, entrei no banco de trás do carro, e em meio as minhas lágrimas fui deixando o hospital e a minha cidade para trás.

Parecia que aquela viagem duraria o dia inteiro, lembrando-me a cada segundo que Marrie estava nas mãos de David em uma sala de cirurgia. Não conseguia parar de chorar, até que no fim adormeci dentro do carro e quando acordei, já estava frente a frente com o meu novo destino.

Era uma casa de campo, enorme e branca, com largas janelas e uma varanda que rodeava toda a casa. Dois cachorros aparentemente do local vieram nos receber com latidos e urinas nas rodas do carro. Meus pais estavam me levando à fazenda que um dia fora de meus avós.

A casa era toda de madeira, impecavelmente limpa e polida, e sentia-me como se estivesse no tempo de meus avós quando entrava ali. Os móveis e suas disposições, a rotina da casa, tudo permanecera da mesma maneira desde os seus falecimentos. Não tínhamos o hábito de frequentar aquela casa devido à longa distância e o difícil acesso. Nada mais justo do que escolher ali para que eu pudesse me refugiar. Lembrei-me do rosto de Marrie indo para a sala de cirurgia.

Deixei meus pais discutindo na sala e de estar e fui até a antiga biblioteca de meu avô, pois lá com certeza iria encontrar um minuto de paz.

Fora ali que me decidira ser médico. Ali naquela biblioteca, onde sempre via meu avô fumar enquanto lia algum romance antigo. Tudo estava da mesma maneira, com exceção de uma coisa: não sentia mais glamour ao entrar naquele cômodo. Meu coração doía, pois sabia que dali a alguns meses eu provavelmente perderia o direito de exercer a Medicina. Direito que dediquei ao meu avô e ao meu pai. E agora não era mais o orgulho da família.

Sentei-me em sua poltrona e encontrei na cômoda ao lado charutos cubanos que pareciam estar à minha espera. Não demorou mais que alguns segundos para que eu os cortasse e os acendesse como um dia Mr. Richard fizera na minha frente. Pouco me importava o tempo que já estava em abstinência. Fumar, àquela altura do campeonato, me parecia ser o mais sensato. E após acender o cigarro, caminhei pela biblioteca até que encontrasse uma garrafa de uísque. Eu também precisava me embriagar.

Uma, talvez duas horas depois, minha mãe apareceu me contando a seguinte notícia: acabara de conversar com David pelo telefone e estava tudo bem com Marrie. Não acreditei, a princípio, quando ouvi de minha mãe. Precisava ouvir a voz de Marrie para ter certeza que tudo estava bem.

Mas minha mãe não tinha terminado de me contar a conversa com David, e então me calou com os dedos e prosseguiu no assunto. David dissera que estava tudo bem com Marrie e que dali a três dias ela teria alta do hospital. E, além disso, ele pensara bem em tudo o que acontecera, e ficara muito impressionado com o ocorrido no hospital, o que o levara a tomar a seguinte decisão: ele retiraria a queixa perante o Conselho Federal de Medicina e a polícia, e também adulteraria o exame de DNA, para que não fosse encontrado o culpado para o crime e então eu pudesse voltar a morar na cidade.

Contudo, David tinha uma exigência. Uma pequenina exigência que poderia ser facilmente cumprida por mim: eu deveria enviar uma carta para Marrie terminando o nosso relacionamento e nunca mais ter qualquer tipo de contato com ela. Como meu pai anteriormente previra, era a hora de escolher: a minha carreira como médico ou o amor de Marrie.

No momento, já me encontrava embriagado e estava muito difícil ouvir e compreender tudo o que minha mãe me dizia. Apenas conseguia ouvir e sentir meu coração batendo com força em meu peito. Ele me dizia “não”. Ele me implorava para que eu negasse tudo aquilo que estava escutando e apenas respondesse “não”.

E obviamente, meu caro leitor, eu fiz exatamente o que você deve estar imaginando: eu não segui meu coração. Sentei-me a mesa de estudos de meu avô, peguei um papel e coloquei-o grosseiramente na máquina de escrever. E assim ficou a carta que escrevi para minha pequena Marrie:

“Marrie,
Creio que David já tenha conversado com você e você já esteja ciente do motivo pelo qual eu lhe escrevo.
Perdoa-me por me despedir de você por esta carta, mas temo que seja a única maneira que nos resta. Desta vez será definitivo. Não poderemos ficar juntos.
Infelizmente, a vida me fez chegar a um ponto em que fiquei dividido entre dois aspectos que deveriam coexistir, mas que não o fazem: a minha vida profissional, e o meu coração.
E não posso simplesmente desistir de uma vida que lutei com muito esforço e anos de estudos para conseguir. O meu sonho sempre foi ser o que sou hoje.
Espero que você me entenda, Marrie. E espero que você seja feliz, pois você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida.
Com certeza não demorará muito para que você conheça um novo alguém, e é isso que lhe peço: siga a sua vida e esqueça que um dia nós fomos um só.
Não acho necessário que você me responda esta carta.
Passar bem,
Paul.”

Esperei por uma semana a resposta de Marrie, e então desisti de receber uma última notícia dela. Sabia que era uma contradição esperar uma resposta de alguém que eu pedira para não me responder, mas era tudo que eu mais queria.

Passava dia e noite fumando e bebendo naquela casa, andando de um cômodo para o outro, esperando o momento em que meus pais me buscassem ali novamente para que eu voltasse a ser o “Doutor-Anjo” do hospital.

Mas como você também deve estar imaginando, meu caro leitor, David não desfez a denúncia nem no Conselho Federal, e nem na polícia. Passados dois dias, um camburão chegou até a fazenda e prestei o meu depoimento ali, já que corria riscos em ir para a cidade.

Estava isolado, incomunicável, e morrendo de saudades da minha mulher. Aos poucos, fui deixando a barba e o meu cabelo crescer. Vaidade era a última coisa que sentia naqueles tempos. Só queria receber a data de meu julgamento e encontrar com algum advogado. Todavia, as únicas pessoas que via eram os empregados da casa. E mais ninguém.

Passaram-se seis meses. Nenhum julgamento estava marcado, nenhum advogado da família fora me visitar, e sequer meus pais iam até a fazenda, pois qualquer passo deles era perigoso demais para a minha segurança. A única notícia do mundo fora da zona rural que tinha era pelos jornais que um de meus funcionários fazia questão de trazer todos os dias. E foi ali que vi uma foto de Marrie.

Logo depois que fugira para a fazenda, outra tragédia acontecera: Sr. Brian sofrera um infarto fulminante, caindo no meio da cafeteria em um dia de Sol. Mesmo com inúmeros médicos e enfermeiros presentes no acontecimento, nada mais se podia fazer por ele. Era mais uma pessoa que Marrie perdia.

Porém, Sr. Brian deixara um testamento, e nele havia uma única cláusula: a cafeteria agora era de Marrie.

E em quatro meses, Marrie conseguira reativar as caixas de som, que uma dia foram palco de uma noite perfeita entre nós três, reformar a fachada do local, enchendo-a de flores, e comprar um novo letreiro para ali, com o dizer: “A Cafeteria de Nosso Sr. Brian”. No seu interior, enchera de fotos dele com a sua esposa. Era como se os dois ainda estivessem ali.

E agora, lá não era um lugar pequeno apenas frequentado por médicos. A Cafeteria de Sr. Brian virara um point de encontro na cidade, com mesinhas na calçada e três novos funcionários. Marrie parecia muito feliz na capa do jornal. Apesar de preto e branco, podia ver como seus cabelos estavam cada vez mais lindos, brilhosos, e cheguei a pensar se ela ainda continuava a usar o xampu que um dia eu lhe dera.

Não controlei minhas lágrimas, muito menos minha vontade de vê-la. Paguei ao meu funcionário para que me levasse até a cidade. Eu precisava ver Marrie, nem que fosse de longe.

Fomos de carroça e demorou mais de três horas até que chegássemos ao centro da cidade. Fora uma viagem exaustiva, com Sol forte, mas nada que me fizesse desistir de ver a minha mulher mais uma vez.

Mesmo que alguém me visse, estava irreconhecível. Cabelos grandes, a barba completamente desleixada, um chapéu na cabeça e chinelos de dedo nos pés e sentado em uma carroça, jamais alguém me chamaria de “Doutor-Anjo”. E fora desta maneira que me aproximara da Cafeteria que agora era de Marrie.

A foto do jornal representara muito bem como esta o lugar: esplendoroso. Com certeza o dom da vida de Marrie, além de fazer os outros felizes, era o empreendedorismo. O lugar estava lotado. Pessoas rindo, conversando e se movendo por toda a calçada. Senti uma pontada no peito. Era meu coração me mostrando que ainda não perdoara por não ter dito “não” naquele dia.

Após alguns minutos sentado na carroça, estrategicamente posicionada um pouco distante da cafeteria, vi Marrie saindo da cafeteria com uma bandeja repleta de doces nas mãos. Havia algumas crianças na porta, com certeza já a sua espera. Todos pularam de alegria, enquanto pegavam os doces e saíam correndo pela calçada.

Deu-me uma enorme vontade de correr para os seus braços, ajoelhar no chão e pedir desculpas, dizer que precisávamos ficar juntos novamente. Mas quando pensei em sair da carroça, meu funcionário me segurou com as mãos.

E de repente um homem se aproximara de Marrie. Trazia consigo um buquê de flores, com várias rosas e algum outro tipo de flor que não sabia definir. Marrie sorrira para ele com afeto e pegara as flores com carinho.

Assustado com a cena, peguei os óculos que se encontravam pendurados em minha camisa e os coloquei no rosto para enxergar melhor Marrie. Havia um anel de noivado em sua mão.







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