quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

PAUL E MARRIE - CAP. 7: O milagre do fogo




Apesar de já estar alguns dias sem aparecer em casa, não segui o caminho para meu lar, conforme disse para Marrie. Precisava fazer algo antes. Não que realmente houvesse alguma necessidade de estar indo para aquele lugar, mas não conseguia parar de pensar e que precisava falar com alguém.

E como não poderia conversar com David, e nem com qualquer outra pessoa de meu convívio, fui até o único lugar em que poderia ser eu mesmo, além do apartamento de Marrie. Eu estava indo para o bordel de Mr. Richard.

- Doutor-Anjo, não imaginei que fosse voltar aqui tão cedo. – Mr. Richard tinha uma voz calma, e ao mesmo tempo dura, como se estivesse preparado para receber qualquer tipo de resposta minha. Havia um segurança dentro de seu escritório conosco, e outro do lado de fora, mas algo me dizia que não precisaria me sentir intimidado. Mr .Richard jamais faria algum mal ao Doutor-Anjo que um dia salvara-lhe a vida. – Há algum problema com Marrie?

- Não, não, de maneira alguma. – gesticulava com as mãos, fazendo um sinal negativo, e depois retirei os óculos do rosto, como sempre fazia ao tocar em um assunto delicado. – Eu gostaria mesmo era de lhe fazer uma pergunta, Mr. Richard, se o senhor não se importar em respondê-la.

- Pois a faça, meu jovem.

E sem mais rodeios, perguntei àquele cafetão o que tanto me angustiava:

- Por que Marrie se tornou uma prostituta? – não havia eufemismo, nem carinho, nem qualquer palavra que suavizasse o que eu queria saber. Apenas o fitei durante alguns segundos e expus minha dúvida: por que aquela mulher tão linda e tão sensível se tornara uma puta.

E como acontece em qualquer clichê de filme, Mr. Richard acenou para seu guarda-costas, e por um momento achei que fosse ser retirado dali à força.

Todavia, o homem que estava ali dentro conosco, apenas se aproximou de Mr. Richard e acendeu o seu cigarro. Lembrei-me que estava em abstinência e desejei profundamente também fumar com ele, mas não achei prudente.

- Sabe, Doutor-Anjo, eu poderia lhe responder esta pergunta com uma única frase, mas Marrie, como o senhor já deve ter percebido, não é o tipo de mulher que respeita o óbvio. Ela insiste em conversar pelas entrelinhas.

Mr. Richard fez uma pausa enquanto tragava, e quando expirou a fumaça, propositalmente a soprou em meu rosto. O cheio da nicotina misturada com tantas outras substâncias penetrou por minhas narinas, e eu só conseguia pensar em Marrie me dizendo mais cedo que éramos mais que amigos.

- Se você pensa que Marrie bateu em minha porta procurando por um emprego, está muito enganado, Doutor. – continuou o cafetão. – Eu achei Marrie na rua e a trouxe para cá.

“Há oito anos, ainda era viciado em cocaína, e tinha acabado de comprar o que precisara, e estava voltando sozinho e a pé para o bordel.

Foi quando passei por um beco e vi que ali estava acontecendo um “acerto de contas”, se é que o doutor me entende.

Sempre tive muito prazer em ver alguém morrendo tão próximo a mim, e não consegui evitar a ideia de me esconder e assistir ao show que estava por acontecer.

Marrie tinha apenas treze anos, e estava nua, completamente amarrada e espancada, enquanto olhava para o chão. Estava prestes a morrer, e nós dois sabíamos disso. Seus cabelos castanhos cobriam seu rosto, mas dava para ver perfeitamente que seus olhos estavam inchados de tanto apanhar.”

- Mr. Richard... –eu o interrompi, porque Marrie era completamente ruiva, não poderíamos estar falando da mesma pessoa.

- Calma, Dr. Paul, sei muito bem o que vai me dizer. Mas antes, te respondo: Marrie é um milagre do fogo. Seus cabelos nem sempre foram ruivos. E não sei se existe alguma explicação da medicina para isso, mas aquela mulher há oito anos tinha o cabelo de outra cor.

“Continuando... Marrie estava diante do homem que até hoje é o mais temido de nossa região. Nunca antes o tinha visto ao vivo, mas quando vi que ele estava ali, naquele beco, sem a presença de nenhum protetor, acertando seus negócios com aquela mulher, sabia que se tratava dele.”

Não tive coragem de perguntar quem era “ele”, e nem Mr. Richard teve a intenção de me dizer quem era.

“As cicatrizes de Marrie estavam em sangue vivo, brilhando, como se estivessem sido reabertas várias vezes, para que não se perdessem com o tempo. Ele começou a jogar gasolina nos cabelos de Marrie e em seu rosto, como se estivesse lhe dando um banho. E Marrie sabia que aquele seria o banho da morte.

E por fim, ele acendeu o isqueiro, e observou o rosto de Marrie arder em chamas por alguns segundos, até que foi embora. Eu rapidamente me escondi e esperei até que ele tomasse alguma distância, até que eu pudesse entrar no beco. Mesmo de mãos e pés atados, Marrie, completamente indefesa, não gritava, nem se contorcia, apenas esperava a hora que seu corpo cansasse de viver.

Na hora, não sei se foi efeito do pó, ou o restante de espírito humanitário que ainda existia em mim, fez com que eu apagasse o fogo que queimava em Marrie, e desamarrasse seus braços e pernas. Marrie estava completamente consciente, mas era incapaz de dizer uma palavra.

Carreguei-a, nua, em meu colo, por quatro quarteirões, e ninguém notou a nossa presença. É engraçado como a vida é, doutor: na rua dos pecados não há espaço para milagres, e quando estes acontecem, passam despercebidos.

Quando cheguei com ela aqui, não houve gritos, confusões, ninguém disse nada. Ainda não sabia o por quê, mas chamei uma curandeira que cobriu o rosto de Marrie com folhas, ervas e um pano molhado por cima, durante sete dias, para que ela se curasse. Queria mais do que qualquer coisa na vida salvar aquela mulher. Sabia que não iria me arrepender.

E passados os setes dias, Marrie abriu os olhos, e disse com muita dificuldade que Deus havia lhe dado uma oportunidade de viver, e que ela iria dedicar esta vida a me obedecer.

Os cabelos de Marrie demoraram mais de seis meses para crescerem de novo, mas eles voltaram. E ruivos, como são hoje. Marrie disse que era o milagre do fogo, e assim acreditei.

O fato, Doutor, é que desde o primeiro dia em que Marrie chegou aqui, a vida de todo mundo mudou. Não sei o que ela faz, nem como ela faz, mas ela faz! Não quis que aquela menininha, que eu adotei como filha, denegrisse a vida como a minha se fora. Não, eu não queria isso para ela, doutor.

Contudo, aos poucos fui percebendo que nada mais poderia danificar a alma de Marrie, como assim ela falava, pois esta já estava comprometida por inteiro. Marrie não tinha mais salvação. Então, deixei-a a fazer tudo que tinha vontade: de manhã, ela limpava o salão principal até que este ficasse impecável. Fazia o almoço, e depois estudava alguns dos cinquenta livros que eu lhe comprara. Sempre de rosto coberto, para não assustar ninguém, como ela mesma dizia brincando. Marrie se prostituiu sim, doutor, e não foi pouco, não! Inclusive, inúmeras vezes, ela teve que dar pra “ele”.

É. Para ele mesmo, doutor, porque ele vinha aqui sempre depois do que aconteceu no beco. E queria comer ela. Sem saber que era ela. Porque gostava de comer aquela mulher que ele não podia ver nem o rosto, e nem o corpo. Porque quando ele vinha aqui, o “trabalho” tinha que acontecer no breu total, senão ele poderia ver as cicatrizes e reconhecê-la.

E teve um belo dia, em que ele surtou dentro do quarto e arrancou a venda que Marrie usava. E ele viu seu rosto, seu corpo, e a única coisa que ele teve coragem de dizer foi: “Vagabunda, acho que te conheço de algum lugar.”

Depois desse dia, fiquei com medo de que “ele” se lembrasse de Marrie e voltasse para terminar o serviço. Então paguei a reconstrução facial dela e tirei-a dos trabalhos. Não dava mais para arriscar.”


Mr. Richard continuou falando que Marrie nunca exigira nada dele além de um prato de comida e um banho morno por dia, mas eu já não conseguia ouvi-lo mais. Nem sabia se podia acreditar naquela história horrenda, mas era impossível que não fosse verdade.

Marrie tinha todas aquelas cicatrizes e realmente, era uma mulher de entrelinhas. Mr. Richard não precisaria detalhar tudo que ela fizera para mudar sua vida, porque eu já tinha certeza de tudo o que ela era capaz. Também não sabia como e o quê ela fazia, mas também tinha certeza que ela fazia. E pronto.

- Então, Doutor-Anjo, como você vai fazer? – perguntou-me, Mr. Richard. Estava tão distraído, ainda assustado com a história, que não sabia do que ele falava.

- Fazer o quê, Mr. Richard?

- Ora, Dr. Paul, me desculpe. Mas este plano do senhor-doutor não tem como dar certo.

- Por quê, Mr. Richard? – não sabia eu naquele momento, mas esta, já era uma pergunta retórica.

- Doutor-Anjo, você sabe muito bem que o seu namorado, ou seja lá o que ele seja, não vai se divorciar daqui 30 dias e nem daqui 30 anos. Como você vai fazer? Vai levar este plano absurdo até quando?

- Mr. Richard, David vai se separar e então eu lhe devolverei Marrie, não se preocupe.

- Ah, doutor, quem dera minha preocupação fosse esta. – Mr. Richard apagara seu terceiro cigarro.

- Então, qual é?

- Doutor-Anjo, Marrie está completamente apaixonada por você.

Sem me despedir, e sem qualquer explicação a respeito da última frase de Mr. Richard, deixei aquele bordel. Sabia que não era nenhum absurdo o que ele me dissera, pois também me sentia da mesma maneira. Também estava apaixonado por Marrie.


Contudo, eu não sabia lidar com o que sentia, pois para mim, não era possível que uma pessoa apaixonada por um homem de repente se apaixonasse por uma mulher. E então meus pensamentos se confundiam, pois não era apenas “uma mulher”. Era Marrie. Marrie e seus cabelos ruivos que surgiram do fogo. Marrie e seus olhos de amor ao lavar meus cabelos, assim como um dia o “ele” fizera com os seus, mas com gasolina.

Marrie que tinha um corpo maravilhoso, mesmo com todas aquelas cicatrizes, mesmo com toda aquela dor em seu coração.

Precisava resolver tudo o que estava acontecendo comigo, precisava entender o que se passava em meu coração. Voltei para casa, perdido em meus devaneios, e quando entrei na sala de estar, meus pais me esperavam:


- Paul, nós precisamos conversar. – disse meu pai, de maneira fria, e ao mesmo tempo preocupada. – David acabou de sair daqui e nos deu uma notícia muito perturbadora: ele nos contou que você anda saindo com uma prostituta.

Um comentário:

  1. NEGA, MAIS UMA VEZ VOCÊ NOS DEIXA ANSIOSOS PARA ASSISTIR O DESENROLAR DESTE ROMANCE...QUE FANTÁSTICA TRAMA, QUE ENREDO BEM DESENHADO...VIVENCIO CADA CAPÍTULO COMO QUEM SE SENTA NA SALA PARA ASSISTIR A NOTÁVEL SÉRIE DAS QUARTAS FEIRAS! JÁ FICO AGUARDANDO CHEGAR PARA SABER COM O QUE VOCÊVAI NOS SURPREENDER...E SEMPRE SURPREENDE!

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