(Leia o capítulo seis em: http://negaescreve.blogspot.com.br/2013/12/paul-e-marrie-cap-6-o-banheiro-de-meu.html )
Apesar de já estar alguns dias sem aparecer em casa, não
segui o caminho para meu lar, conforme disse para Marrie. Precisava fazer algo
antes. Não que realmente houvesse alguma necessidade de estar indo para aquele
lugar, mas não conseguia parar de pensar e que precisava falar com alguém.
E como não poderia conversar com David, e nem com qualquer
outra pessoa de meu convívio, fui até o único lugar em que poderia ser eu
mesmo, além do apartamento de Marrie. Eu estava indo para o bordel de Mr.
Richard.
- Doutor-Anjo, não imaginei que fosse voltar aqui tão cedo. –
Mr. Richard tinha uma voz calma, e ao mesmo tempo dura, como se estivesse
preparado para receber qualquer tipo de resposta minha. Havia um segurança
dentro de seu escritório conosco, e outro do lado de fora, mas algo me dizia
que não precisaria me sentir intimidado. Mr .Richard jamais faria algum mal ao
Doutor-Anjo que um dia salvara-lhe a vida. – Há algum problema com Marrie?
- Não, não, de maneira alguma. – gesticulava com as mãos,
fazendo um sinal negativo, e depois retirei os óculos do rosto, como sempre
fazia ao tocar em um assunto delicado. – Eu gostaria mesmo era de lhe fazer uma
pergunta, Mr. Richard, se o senhor não se importar em respondê-la.
- Pois a faça, meu jovem.
E sem mais rodeios, perguntei àquele cafetão o que tanto me
angustiava:
- Por que Marrie se tornou uma prostituta? – não havia eufemismo,
nem carinho, nem qualquer palavra que suavizasse o que eu queria saber. Apenas
o fitei durante alguns segundos e expus minha dúvida: por que aquela mulher tão
linda e tão sensível se tornara uma puta.
E como acontece em qualquer clichê de filme, Mr. Richard
acenou para seu guarda-costas, e por um momento achei que fosse ser retirado
dali à força.
Todavia, o homem que estava ali dentro conosco, apenas se
aproximou de Mr. Richard e acendeu o seu cigarro. Lembrei-me que estava em
abstinência e desejei profundamente também fumar com ele, mas não achei
prudente.
- Sabe, Doutor-Anjo, eu poderia lhe responder esta pergunta
com uma única frase, mas Marrie, como o senhor já deve ter percebido, não é o
tipo de mulher que respeita o óbvio. Ela insiste em conversar pelas
entrelinhas.
Mr. Richard fez uma pausa enquanto tragava, e quando expirou
a fumaça, propositalmente a soprou em meu rosto. O cheio da nicotina misturada
com tantas outras substâncias penetrou por minhas narinas, e eu só conseguia
pensar em Marrie me dizendo mais cedo que éramos mais que amigos.
- Se você pensa que Marrie bateu em minha porta procurando
por um emprego, está muito enganado, Doutor. – continuou o cafetão. – Eu achei
Marrie na rua e a trouxe para cá.
“Há oito anos, ainda era viciado em cocaína, e tinha acabado
de comprar o que precisara, e estava voltando sozinho e a pé para o bordel.
Foi quando passei por um beco e vi que ali estava
acontecendo um “acerto de contas”, se é que o doutor me entende.
Sempre tive muito prazer em ver alguém morrendo tão próximo a
mim, e não consegui evitar a ideia de me esconder e assistir ao show que estava
por acontecer.
Marrie tinha apenas treze anos, e estava nua, completamente
amarrada e espancada, enquanto olhava para o chão. Estava prestes a morrer, e
nós dois sabíamos disso. Seus cabelos castanhos cobriam seu rosto, mas dava
para ver perfeitamente que seus olhos estavam inchados de tanto apanhar.”
- Mr. Richard... –eu o interrompi, porque Marrie era
completamente ruiva, não poderíamos estar falando da mesma pessoa.
- Calma, Dr. Paul, sei muito bem o que vai me dizer. Mas
antes, te respondo: Marrie é um milagre do fogo. Seus cabelos nem sempre foram
ruivos. E não sei se existe alguma explicação da medicina para isso, mas aquela
mulher há oito anos tinha o cabelo de outra cor.
“Continuando... Marrie estava diante do homem que até hoje é
o mais temido de nossa região. Nunca antes o tinha visto ao vivo, mas quando vi
que ele estava ali, naquele beco, sem a presença de nenhum protetor, acertando
seus negócios com aquela mulher, sabia que se tratava dele.”
Não tive coragem de perguntar quem era “ele”, e nem Mr.
Richard teve a intenção de me dizer quem era.
“As cicatrizes de Marrie estavam em sangue vivo, brilhando,
como se estivessem sido reabertas várias vezes, para que não se perdessem com o
tempo. Ele começou a jogar gasolina nos cabelos de Marrie e em seu rosto, como
se estivesse lhe dando um banho. E Marrie sabia que aquele seria o banho da
morte.
E por fim, ele acendeu o isqueiro, e observou o rosto de
Marrie arder em chamas por alguns segundos, até que foi embora. Eu rapidamente
me escondi e esperei até que ele tomasse alguma distância, até que eu pudesse
entrar no beco. Mesmo de mãos e pés atados, Marrie, completamente indefesa, não
gritava, nem se contorcia, apenas esperava a hora que seu corpo cansasse de
viver.
Na hora, não sei se foi efeito do pó, ou o restante de
espírito humanitário que ainda existia em mim, fez com que eu apagasse o fogo
que queimava em Marrie, e desamarrasse seus braços e pernas. Marrie estava
completamente consciente, mas era incapaz de dizer uma palavra.
Carreguei-a, nua, em meu colo, por quatro quarteirões, e
ninguém notou a nossa presença. É engraçado como a vida é, doutor: na rua dos
pecados não há espaço para milagres, e quando estes acontecem, passam
despercebidos.
Quando cheguei com ela aqui, não houve gritos, confusões, ninguém
disse nada. Ainda não sabia o por quê, mas chamei uma curandeira que cobriu o
rosto de Marrie com folhas, ervas e um pano molhado por cima, durante sete
dias, para que ela se curasse. Queria mais do que qualquer coisa na vida salvar
aquela mulher. Sabia que não iria me arrepender.
E passados os setes dias, Marrie abriu os olhos, e disse com
muita dificuldade que Deus havia lhe dado uma oportunidade de viver, e que ela
iria dedicar esta vida a me obedecer.
Os cabelos de Marrie demoraram mais de seis meses para
crescerem de novo, mas eles voltaram. E ruivos, como são hoje. Marrie disse que
era o milagre do fogo, e assim acreditei.
O fato, Doutor, é que desde o primeiro dia em que Marrie
chegou aqui, a vida de todo mundo mudou. Não sei o que ela faz, nem como ela
faz, mas ela faz! Não quis que aquela menininha, que eu adotei como filha,
denegrisse a vida como a minha se fora. Não, eu não queria isso para ela,
doutor.
Contudo, aos poucos fui percebendo que nada mais poderia
danificar a alma de Marrie, como assim ela falava, pois esta já estava
comprometida por inteiro. Marrie não tinha mais salvação. Então, deixei-a a
fazer tudo que tinha vontade: de manhã, ela limpava o salão principal até que
este ficasse impecável. Fazia o almoço, e depois estudava alguns dos cinquenta
livros que eu lhe comprara. Sempre de rosto coberto, para não assustar ninguém,
como ela mesma dizia brincando. Marrie se prostituiu sim, doutor, e não foi
pouco, não! Inclusive, inúmeras vezes, ela teve que dar pra “ele”.
É. Para ele mesmo, doutor, porque ele vinha aqui sempre
depois do que aconteceu no beco. E queria comer ela. Sem saber que era ela.
Porque gostava de comer aquela mulher que ele não podia ver nem o rosto, e nem o
corpo. Porque quando ele vinha aqui, o “trabalho” tinha que acontecer no breu
total, senão ele poderia ver as cicatrizes e reconhecê-la.
E teve um belo dia, em que ele surtou dentro do quarto e arrancou
a venda que Marrie usava. E ele viu seu rosto, seu corpo, e a única coisa que
ele teve coragem de dizer foi: “Vagabunda, acho que te conheço de algum lugar.”
Depois desse dia, fiquei com medo de que “ele” se lembrasse
de Marrie e voltasse para terminar o serviço. Então paguei a reconstrução
facial dela e tirei-a dos trabalhos. Não dava mais para arriscar.”
Mr. Richard continuou falando que Marrie nunca exigira nada
dele além de um prato de comida e um banho morno por dia, mas eu já não
conseguia ouvi-lo mais. Nem sabia se podia acreditar naquela história horrenda,
mas era impossível que não fosse verdade.
Marrie tinha todas aquelas cicatrizes e realmente, era uma
mulher de entrelinhas. Mr. Richard não precisaria detalhar tudo que ela fizera
para mudar sua vida, porque eu já tinha certeza de tudo o que ela era capaz.
Também não sabia como e o quê ela fazia, mas também tinha certeza que ela
fazia. E pronto.
- Então, Doutor-Anjo, como você vai fazer? – perguntou-me, Mr.
Richard. Estava tão distraído, ainda assustado com a história, que não sabia do
que ele falava.
- Fazer o quê, Mr. Richard?
- Ora, Dr. Paul, me desculpe. Mas este plano do
senhor-doutor não tem como dar certo.
- Por quê, Mr. Richard? – não sabia eu naquele momento, mas
esta, já era uma pergunta retórica.
- Doutor-Anjo, você sabe muito bem que o seu namorado, ou
seja lá o que ele seja, não vai se divorciar daqui 30 dias e nem daqui 30 anos.
Como você vai fazer? Vai levar este plano absurdo até quando?
- Mr. Richard, David vai se separar e então eu lhe
devolverei Marrie, não se preocupe.
- Ah, doutor, quem dera minha preocupação fosse esta. – Mr.
Richard apagara seu terceiro cigarro.
- Então, qual é?
- Doutor-Anjo, Marrie está completamente apaixonada por você.
Sem me despedir, e sem qualquer explicação a respeito da
última frase de Mr. Richard, deixei aquele bordel. Sabia que não era nenhum
absurdo o que ele me dissera, pois também me sentia da mesma maneira. Também
estava apaixonado por Marrie.
Contudo, eu não sabia lidar com o que sentia, pois para mim, não
era possível que uma pessoa apaixonada por um homem de repente se apaixonasse
por uma mulher. E então meus pensamentos se confundiam, pois não era apenas “uma
mulher”. Era Marrie. Marrie e seus cabelos ruivos que surgiram do fogo. Marrie
e seus olhos de amor ao lavar meus cabelos, assim como um dia o “ele” fizera
com os seus, mas com gasolina.
Marrie que tinha um corpo maravilhoso, mesmo com todas
aquelas cicatrizes, mesmo com toda aquela dor em seu coração.
Precisava resolver tudo o que estava acontecendo comigo,
precisava entender o que se passava em meu coração. Voltei para casa, perdido
em meus devaneios, e quando entrei na sala de estar, meus pais me esperavam:
- Paul, nós precisamos conversar. – disse meu pai, de
maneira fria, e ao mesmo tempo preocupada. – David acabou de sair daqui e nos
deu uma notícia muito perturbadora: ele nos contou que você anda saindo com uma
prostituta.

NEGA, MAIS UMA VEZ VOCÊ NOS DEIXA ANSIOSOS PARA ASSISTIR O DESENROLAR DESTE ROMANCE...QUE FANTÁSTICA TRAMA, QUE ENREDO BEM DESENHADO...VIVENCIO CADA CAPÍTULO COMO QUEM SE SENTA NA SALA PARA ASSISTIR A NOTÁVEL SÉRIE DAS QUARTAS FEIRAS! JÁ FICO AGUARDANDO CHEGAR PARA SABER COM O QUE VOCÊVAI NOS SURPREENDER...E SEMPRE SURPREENDE!
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